A introdução do conceito de diagnóstico baseado em componentes moleculares nos últimos vinte anos veio lançar importantes desafios científicos e na prática clínica1. Atualmente temos acesso de forma mais ou, por vezes, menos transversal a ferramentas que nos ampliam e aprofundam o conhecimento dos perfis de sensibilização. Contudo, trazem‑nos novas dificuldades na sua interpretação, definição da sua relevância clínica e acuidade diagnóstica.
Lemos com interesse o artigo de Silva et al. neste número da RPIA, que aborda a aplicação da técnica ALEX® no diagnóstico da síndrome da LTP. Esta nova ferramenta diagnóstica permite a identificação simultânea da IgE total, IgE específica e respetivos componentes moleculares e, portanto, fornece‑nos uma ampla caracterização do perfil de sensibilização destes doentes, incluindo das LTP alimentares e de pólenes. A concordância entre os diferentes métodos diagnóstico e a clínica revelou‑se apesar de tudo diferente, de acordo com o alimento a que o doente se encontrava sensibilizado. A utilização integrada destes elementos diagnósticos numa amostra populacional mais ampla e aplicando uma análise de rácios entre IgE específica/IgE total e IgE componentes/IgE específica2, como recentemente sugerido, poderá revelar‑se no futuro útil e complementar a uma abordagem diagnóstica referida como clássica.
O amplo espetro clínico que encontramos na alergia alimentar alia‑se a uma ampla expressão de alergénios; além do típico exemplo da síndrome da LTP, podemos encontrar também na alergia às proteínas de leite de vaca, em que o processamento da proteína poderá ter impacto também na expressão clínica da doença alérgica. No caso clínico de Marques et al. deste número da RPIA, é demonstrado que a sensibilização a albumina sérica bovina apresenta uma expressão clínica variável em função do processamento da carne bovina. Portanto, além da avaliação do perfil de sensibilização in‑vitro, confirmado com inibição, será necessária a validação com o goldstandard, a prova de provocação oral. A clínica prevalece sempre na adequada abordagem do doente. Por este motivo, a interpretação dos valores da sensibilização mediada por IgE de forma isolada é limitativa, como já é amplamente reconhecido.
Atualmente têm surgido novos biomarcadores, como os testes de ativação basofílica, cujo objetivo é reduzir a necessidade de procedimentos in vivo3. Os testes de ativação basofílica têm sido utilizados na prática clínica para confirmar o diagnóstico, avaliar a elegibilidade para tratamento com imunoterapia com alergénios ou tratamento imunomodulador ou para monitorizar a história natural da doença alérgica3. Apesar de este método estar a ser alvo de intenso estudo científico, a sua aplicação generalizada na prática clínica é limitada, dada a necessidade de validação analítica do método, validação clínica e, adicionalmente, pela dificuldade ao seu acesso de forma generalizada e difícil implementação, particularmente em pequenos centros.
São necessários novos biomarcadores mais disponíveis e acessíveis que, ao serem integrados em algoritmos e sistemas de suporte de decisão clínica4, consigam então melhorar a nossa capacidade de diagnóstico, atingindo um balanço ótimo entre o risco e benefício. A alguns destes biomarcadores já temos acesso de forma mais generalizada, nomeadamente à avaliação com IgG, nomeadamente da IgG específica e a correlação IgE/IgG.
Na alergia a veneno de himenópteros os valores de IgG4 específica mostraram correlacionar-se com cenários clínicos específicos2. Contudo, a evidência relativa à interpretação da relação entre a IgE específica e a IgG é escassa. No artigo deste número da RPIA, Beltrão et al. avalia a resposta IgE e IgG específica a Aspergillus fumigatus na distinção de diferentes espetros clínicos de patologia respiratória associada a sensibilização a A fumigatus.
Verificamos neste estudo que o uso de IgE específica para os antigénios secretados e intracelulares do A. fumigatus foi superior na aspergilose broncopulmonar alérgica, em comparação com a asma alérgica com sensibilização a fungos. Por outro lado, a sensibilização por IgG para A. fumigatus foi mais elevada nos doentes com aspergiloma, apesar de a IgG específica para os diferentes componentes não se associar a melhor discriminação diagnóstica entre os diferentes espetros clínicos.
A utilização integrada dos diferentes métodos de diagnóstico pode ser uma mais‑valia na adequada orientação e caracterização dos nossos doentes. Estes métodos de avaliação dos alergénios e componentes moleculares devem focar‑se não só na IgE específica, mas certamente noutros isótipos da imunoglobulina, bem como a avaliação da atividade competitiva entre a IgE e IgG específica de
alergénio5.
A velocidade em fast forward, com que nos deparamos com novas metodologias e ferramentas diagnósticas, pode inundar‑nos em informação, pelo que nos devemos treinar na sua interpretação crítica de forma a tornarmos essa informação útil. O intuito final é conseguirmos discernir quais são os biomarcadores que facilitam e melhoram os cuidados clínicos e que são possíveis de aplicar de uma forma ampla e acessível.