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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.30 no.2 Lisboa jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.32932/rpia.2022.06.081 

ARTIGO ORIGINAL

Abordagem de doentes com suspeita de hipersensibilidade a anticorpos monoclonais: Experiência de um serviço

Management of patients with suspected hypersensitivity to monoclonal antibodies: Experience of a service

1 Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho EPE, Vila de Nova de Gaia, Portugal


RESUMO

Fundamentos:

A crescente utilização de anticorpos monoclonais (mAb) está associada a um aumento de reações de hipersensibilidade (RH). A abordagem de doentes com RH a estes fármacos recentes ainda não está perfeitamente estabelecida.

Objetivo:

Caracterizar o estudo alergológico de doentes com suspeita de RH a esta classe de fármacos.

Métodos:

Análise retrospetiva de doentes referenciados à consulta de alergia a fármacos com suspeita de RH a mAb (2013-2019). Diagnóstico confirmado por história clínica sugestiva e testes cutâneos/prova de provocação positivos ou reação reprodutível durante dessensibilização, diagnóstico considerado provável se apenas história sugestiva ou excluído se prova de provocação negativa.

Resultados:

Incluídos 18 doentes, 56% sexo feminino, mediana de idades de 62 anos (23;74). Os fármacos suspeitos foram rituximab, cetuximab, nivolumab, trastuzumab e trastuzumab-emtansina, utilizados no tratamento de neoplasias, púrpura trombocitopénica imune, lúpus eritematoso sistémico e fibrose pulmonar idiopática. Todas as RH foram imediatas. Os sintomas incluíram anafilaxia, febre, manifestações cutâneas, taquicardia e hipertensão arterial. As RH ocorreram na primeira administração em 61% dos doentes. Os testes cutâneos foram positivos em 1 doente (1/8) e as provas de provocação foram negativas (12/12). Pela gravidade e condição clínica subjacente foi realizada dessensibilização em 12 doentes, sendo que 3 tiveram uma reação reprodutível durante o procedimento. Foi confirmado diagnóstico em 17% (n=3), considerado provável em 17% (n=3) e excluído em 67% (n=12).

Conclusões:

Apesar de o mecanismo subjacente à RH ser relevante, a gravidade da reação é o grande determinante na definição do estudo alergológico. Na presença de testes cutâneos negativos e/ou reações ligeiras, recomenda-se a realização de provas de provocação, o que permitiu excluir diagnóstico em 67% dos nossos doentes, apresentando-se como de extrema importância no esclarecimento diagnóstico. Na presença de testes cutâneos positivos e/ou reações moderadas/graves a utilização da dessensibilização como primeira abordagem está recomendada.

Palavras-chave: Alergia a fármacos; biológicos; hipersensibilidade; diagnóstico

ABSTRACT

Background:

The increasing use of monoclonal antibodies (mAb) is associated with an increase in hypersensitivity reactions (HR). The management of patients with HR to mAbs is not well established.

Objective:

Characterize the allergologic study of patients with suspected HR to this class of drugs.

Methods:

Retrospective analysis of patients referred to our drug allergy department with suspected HR to mAb (2013-2019). Diagnosis was considered confirmed by suggestive clinical history and positive skin tests/drug provocation test or reproducible reaction during desensitization, considered probable when suggestive clinical history and excluded when drug provocation test negative.

Results:

Eighteen patients were included, 56% female, median age 62 years (23;74). Culprit drugs were rituximab, cetuximab, nivolumab, trastuzumab and trastuzumab-emtansina used to treat cancer, immune thrombocytopenic purpura, systemic lupus erythematosus and idiopathic pulmonary fibrosis. All HR were immediate. Symptoms included anaphylaxis, fever, skin manifestations, tachycardia and hypertension. HR occurred in the 1st administration in 61% of the patients. Skin tests were positive in 1 patient (1/8) and drug provocation tests were all negative (12/12). Due to the severity and underlying clinical condition, desensitization was performed in 12 patients, 3 of which had a reproducible reaction during the procedure. Diagnosis was confirmed in 17% (n=3), considered probable in 17% (n=3) and excluded in 67% (n=12).

Conclusions:

Although the mechanism underlying HR is relevant, the severity of the reaction is the major determinant in the allergology study definition. In the presence of negative skin tests and/or mild reactions, drug provocation test is recommended, having excluded diagnosis in 67% of our patients, presenting as extremely important in clarifying diagnosis. In the presence of positive skin tests and/or moderate/severe reactions, the use of desensitization as first approach is recommended.

Keywords: Drug allergy; biological; hypersensibility; diagnose

INTRODUÇÃO

Os anticorpos monoclonais (mAbs) são proteínas bioterapêuticas produzidas com recurso a tecnologia de ADN recombinante1. Nos últimos anos, os mAbs têm revolucionado o tratamento de neoplasias e doenças inflamatórias, estando a sua crescente utilização associada a um aumento das reações de hipersensibilidade (RH). A ocorrência de RH pode levar à sua descontinuação, por receio de reações futuras, pelo que o correto diagnóstico e orientação destes doentes em imunoalergologia assumem um papel fundamental.

Nas últimas décadas, diversos mAbs têm vindo a ser desenvolvidos. De acordo com a sua estrutura, estes podem ser classificados em quiméricos, humanizados, humanos ou proteínas de fusão1,2. De entre aqueles mais frequentemente associados a RH, destacam-se os anti-TNFα (infliximab, adalimumab e etanarcept), rituximab,

trastuzumab e cetuximab. A sua heterogeneidade associa-se a diferentes tipos e mecanismos de RH, tornando a sua abordagem mais complexa2-4.

Em termos classificativos, as RH a mAbs são, mais frequentemente, reações relacionadas com infusão/síndrome de libertação de citocinas (RRI/SLC) (apoptose de células alvo mediada por complemento e/ou anticorpos), reações do tipo I (mediadas ou não por IgE) ou reacções mistas (tipo I/ relacionadas com infusão). Embora menos frequentes, estão também descritas reações do tipo III (mediadas pela IgG) e reações do tipo IV (mediadas por células T)2,5-8.

As RRI/ SLC ocorrem habitualmente na primeira administração, são autolimitadas na reexposição e caracterizam-se por eritema, arrepios, febre, taquicardia, hipertensão, dispneia, náuseas, vómitos e/ou síncope5,9. Por outro lado, as reações do tipo I ocorrem após mais do que uma administração, caracterizando-se habitualmente por sintomas mucocutâneos que podem estar ou não associados a sintomas de outros órgãos ou sistemas, consolidando o diagnóstico de anafilaxia5. Por vezes, estes quadros confundem-se com RRI, ou podem inclusivamente corresponder a quadros mistos, tornando a sua interpretação e racional de investigação complexos. As reacções do tipo IV ocorrem dias a semanas após administração, podendo traduzir-se em reações cutâneas graves5. As manifestações clínicas de RH a mAbs variam, assim, desde reações cutâneas ligeiras a reações graves potencialmente fatais4.

Atendendo a que os anticorpos monoclonais são produtos recentes, a abordagem diagnóstica perante uma RH não se encontra ainda devidamente estandardizada e tem sido alvo de análise por diversos autores. Ressalva-se a importância de melhor definir esta abordagem, pelo seu impacto na manutenção de tratamentos com mAbs,que se assumem em muitas patologias como tratamentos de primeira linha, mais eficazes. O presente trabalho pretende caracterizar o estudo alergológico de doentes com suspeita de RH a mAbs referenciados para a consulta específica de alergia a fármacos do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho, EPE (CHVNG/E), com o intuito de viabilizar a manutenção destes tratamentos sempre que possível.

MATERIAL E MÉTODOS

Doentes

Foram analisados os registos clínicos e demográficos de 18 doentes com suspeita de RH a mAbs, orientados para a consulta de alergia a fármacos do serviço de imunoalergologia do CHVNG/E, entre janeiro de 2013 e dezembro de 2019.

Diagnóstico

A abordagem diagnóstica teve em conta o timing e a gravidade da reação, estado geral do doente, antecedentes e fatores de risco. As reações foram classificadas quanto ao timing em imediatas e não-imediatas e quanto à gravidade segundo a classificação geral de Brown10,11.

As reações imediatas incluem reações ocorridas habitualmente em menos de 1 hora após administração do fármaco (até 6 horas), por oposição às não imediatas que ocorrem pelo menos 1 hora após essa mesma administração. As reações de grau I (ligeiras) são limitadas à pele, nas de grau 2 (moderadas) há envolvimento respiratório gastrointestinal ou cardiovascular moderado e nas de grau 3 (graves) pode haver dessaturação, hipotensão grave e/ou comprometimento neurológico. A febre, taquicardia e hipertensão arterial (HTA), que não são incluídas na classificação de Brown, foram classificadas como reacções ligeiras.

O diagnóstico foi considerado confirmado por história clínica (HC) sugestiva e testes cutâneos (TC)/prova de provocação (PP) positivos ou reação reprodutível durante dessensibilização (DSS), considerado provável se apenas HC sugestiva e excluído se PP negativa.

Testes cutâneos

Os TC foram realizados de acordo com as recomendações do grupo ENDA, em concentrações consideradas na literatura como não irritativas3,12. Os testes cutâneos por picada (TCP) foram considerados positivos sempre que o diâmetro médio da pápula ≥ 3mm em relação ao controlo negativo (leitura aos 15 minutos). Os testes intradérmicos (ID) foram considerados positivos na presença de um aumento do diâmetro médio da pápula ≥ 3mm face à pápula inicial (leitura aos 20 minutos). Foram efetuados controlo positivo com cloridrato de histamina nos TCP e controlo negativo com soro fisiológico nos TCP e ID. Apenas foram realizados ID se TCP negativos. Sempre que possível, os testes foram realizados entre 2-4 semanas após a reação suspeita.

Prova de provocação

Foram realizadas provas de provocação sob a forma de prova de provocação endovenosa (PEV) em doentes com testes cutâneos negativos e/ou reações ligeiras, seguindo as orientações do ENDA13. Os protocolos de PEV realizados foram individualizados e tiveram em conta a dose pretendida pelo médico assistente e as normas do fabricante. Foi iniciada administração nas concentrações de 1/10-1/100 da dose pretendida, definida com base na reação inicial reportada. Os protocolos não apresentaram mais do que 4 passos. Foram igualmente consideradas PP alguns tratamentos iniciados sob a forma de DSS, face à gravidade do quadro e/ou estado clínico do doente, que após 2 a 3 sessões progrediram para administração regular com redução do ritmo de perfusão.

Dessensibilização

Foi realizado tratamento sob a forma de DSS em doentes com reações moderadas/graves e/ou testes cutâneos positivos com indicação para manter o tratamento pela inexistência de tratamento alternativo ou de alternativo de igual eficácia. Os protocolos foram individualizados, tendo em conta a reação inicial, estado geral, antecedentes e fatores de risco dos doentes, tendo entre uma a três soluções e 6 a 16 passos. Foi efetuada redução progressiva das soluções e passos nas DSS, de acordo com a tolerância alcançada no procedimento anterior.

Foi realizado pré-tratamento com anti-histamínico e corticóide sistémico em todos os doentes e em doentes selecionados foi administrado montelucaste, ácido acetilsalicílico e paracetamol3,5,14,15.

Estatística

Foi realizada a análise estatística descritiva utilizando o programa IBM SPSS Statistics 24. Foram avaliadas as seguintes variáveis: género, idade, atopia, fármacos suspeitos, patologia que motivou tratamento com mAbs, manifestações clínicas, TC, PP e DSS.

RESULTADOS

Foram incluídos 18 doentes, 56% do sexo feminino, mediana de idades de 62 anos (23;74) [20-40 anos (n=2); 41-59 anos (n=3); 60-80 anos (n=13)]. Os fármacos suspeitos incluíram rituximab (n=8), cetuximab (n=4), nivolumab (n=4), trastuzumab (n=1), trastuzumab-emtansina (n=1). As patologias que motivaram o tratamento com mAbs foram neoplasias (n=15), púrpura trombocitopénica imune (n=1), lúpus eritematoso sistémico (n=1) e fibrose pulmonar idiopática (n=1). As neoplasias foram hematológicas (n=5), do pulmão (n=3), da orofaringe (n=3), da mama (n=2), da próstata (n=1) e do cólon (n=1).

Todas as reações foram imediatas. Os sintomas incluíram quadros sugestivos de anafilaxia (n=11), febre (n=3), exantema maculopapular (n=3), taquicardia (n=1) e hipertensão arterial (n=1). Estas manifestações foram classificadas em graves (n=11), moderadas (n=1) e ligeiras (n=6). As reações ocorreram no 1.º tratamento (n=11), 2.º tratamento (n=5) e após o 5.º tratamento (n=2). Destaca-se que dos sintomas sugestivos de anafilaxia 73% (n=8) ocorreram no 1.º tratamento.

As características dos doentes e estudo alergológico realizado encontram-se sistematizados na Tabela 1. Foram realizados TC em oito doentes, positivos em um deles.

Tabela 1 Caraterísticas e estudo alergológico realizado por doente com suspeita de RH a mAbs 

F - feminino; M - masculino; TC - testes cutâneos; PEV - prova de provocação endovenosa; DSS - dessensibilização; NA - não se aplica

Destes, dois foram submetidos a PEV e seis reiniciaram tratamento sob a forma de DSS. Nos doentes submetidos a protocolo de DSS, dois efetuaram posteriormente administração regular com diminuição do ritmo de perfusão e quatro mantiveram tratamento sob a forma de DSS.

Nos dez doentes em que não foram realizados TC, quatro foram submetidos a PEV como primeira abordagem (reação inicial ligeira) e seis submetidos a DSS, tendo em conta a gravidade da reação e/ou estado geral. Dos doentes submetidos a protocolo de DSS, quatro efectuaram posteriormente administração regular com diminuição do ritmo de perfusão e dois mantiveram tratamento sob a forma de DSS.

As PP foram negativas em todos os doentes (PEV 6/6 e administração regular 6/6). Foi realizado protocolo de DSS em doze doentes (42 DSS) sendo que três tiveram uma reação reprodutível durante o procedimento (um doente com TC positivo), das quais uma considerada ligeira e duas graves, com necessidade de administração de adrenalina. Seis doentes mantiveram tratamento sob a forma de DSS (três com interrupção precoce por indicação do médico assistente) e seis realizaram posteriormente administração regular com diminuição do ritmo de perfusão.

O diagnóstico foi confirmado em 17% (um doente por TC positivo e reação reprodutível durante o procedimento, dois por reação reprodutível durante o procedimento), considerado provável em 17% (três com história sugestiva, submetidos a DSS) e excluído em 67% (seis por PEV negativa e seis por administração regular com diminuição de ritmo de perfusão).

DISCUSSÃO

À semelhança de outros estudos, foram incluídos suspeitas de RH a vários mAbs. Apesar de a heterogeneidade entre os diferentes fármacos não poder ser desprezada, destaca-se que na presente amostra o rituximab foi o fármaco mais frequentemente implicado, suspeito em 44% dos doentes, contribuindo para uma maior homogeneidade amostral.

Todas as suspeitas de RH foram imediatas, a maioria graves, em concordância com a literatura(5). As RH imediatas podem corresponder a RH do tipo I, RRI/SLC ou mistas. A sua distinção nem sempre é fácil, ainda que relevante por condicionar a abordagem dos doentes5.

Dos 18 doentes, 11 apresentaram uma reação sugestiva de anafilaxia ou cutânea numa primeira exposição não compatível com um mecanismo do tipo I, em que a sensibilização prévia é essencial, mas sim sugestivo de um mecanismo RRI. Paralelamente a este facto, 12 doentes apresentaram PP negativas, metade com resolução do quadro clinico com redução do ritmo de perfusão, também a favor de RRI. Desta forma, pode afirmar‑se que a maioria dos doentes estudados apresentava clinica sugestiva de RRI ou mista.

O primeiro passo na abordagem de doentes com suspeita de RH a mAbs deve passar pela determinação do mecanismo de reação mais provável3. Em doentes com RRI/SLC, a administração regular, com recurso a pré-medicação e redução do ritmo de perfusão, permite, na maioria das vezes, que o tratamento seja bem tolerado.

O mesmo não se verifica com RH do tipo I, em que a DSS é a abordagem recomendada pelo risco de ocorrência de anafilaxia nas reexposições. Para apoiar esta diferenciação de mecanismos recomenda-se a realização de TC, o que pode contribuir para o esclarecimento do mecanismo envolvido, estratificação do risco de reação e planificação da restante abordagem3,5. A positividade dos TC com concentrações não irritativas sugere um mecanismo do tipo I, tendo sido por vezes associado a uma maior gravidade das reações, quer iniciais, quer breakthrough reactions3,5. Neste estudo, apenas 44% dos doentes realizaram TC em função da disponibilidade dos fármacos suspeitos. Aponta-se como maior limitação para a sua realização o custo, dado que a sua preparação implica desperdício de uma grande quantidade de fármaco. A existência de aliquotas com pequenas quantidades de fármaco poderia resolver esta limitação.

Os TC foram positivos em apenas um caso, pelo que foi realizada DSS, com reação reprodutível durante o procedimento. Este facto suporta a suspeita de diagnóstico e reforça a importância dos TC na estratificação do risco de reação, evidenciando que do total de doentes apenas foi confirmado RH tipo I em um.

À semelhança do que acontece com os restantes fármacos, a PP permanece o gold standard no diagnóstico. Neste estudo, as PP permitiram excluir diagnóstico em 67% dos doentes. Todos realizaram tratamentos posteriores sem qualquer intercorrência. Para melhor sistematizar o estudo destes doentes, alguns grupos têm proposto diferentes algoritmos de abordagem, não sendo ainda consensual qual o timing ou condições ideais para optar pela realização da PP3,5,14,16,17. Alguns autores defendem que, em doentes com TC negativos e/ou reações ligeiras a PP, deve ser realizada. No presente estudo, os doentes com reação ligeira foram submetidos a PEV, com exceção de um que realizou um primeiro tratamento sob a forma de DSS devido ao seu mau estado geral.

Por outro lado, em doentes com TC positivos e/ou reações moderadas a graves, independentemente do resultado dos testes, os mesmos autores defendem que a primeira abordagem deve ser a DSS, por forma a garantir a realização de tratamento com o máximo de segurança possível.

A DSS consiste na indução de um estado de tolerância temporário ao fármaco que desencadeou a reação, surgindo como um procedimento seguro e eficaz na manutenção de terapêuticas17. Apesar de o principal mecanismo subjacente à DSS ser a inibição da activação mastocitária, esta também pode ser eficaz em situações não mediadas pela IgE, ainda que os mecanismos subjacentes não sejam bem compreendidos16,17. Séries que têm sido publicadas com DSS a mAbs têm demostrado bons resultados, com descrição de número reduzido de reações durante o procedimento, sendo a maioria reacções ligeiras3,5,14,15.

Neste estudo, os doentes com reações moderadas//graves foram submetidos a DSS como primeira abordagem, com exceção de uma doente, em que se optou pela PEV após realização de TC, que foram negativos, e cuidadosa avaliação do risco/benefício.

Metade dos doentes que, pela gravidade da reacção inicial, retomaram tratamento sob a forma de DSS, progrediram para administração regular com redução do ritmo de perfusão após 2 a 3 sessões, sem registo de intercorrências. Esta abordagem permitiu excluir o diagnóstico de RH também nestes doentes. Desta forma, o estudo efetuado permitiu confirmar o diagnóstico em 17% (n=3) dos doentes com documentação de mecanismo RH tipo I em um doente, considerá-lo provável em 17% (n=3) e excluí-lo em 67% (n=12).

Estes resultados reforçam a importância das PP na exclusão de RH a mAbs, de forma a evitar descontinuação de tratamentos e utilização/manutenção de protocolos de DSS desnecessariamente, por serem procedimentos morosos e com custos elevados.

Destaca-se que, apesar de existirem diversos estudos sobre RH a mAbs, estes focam-se sobretudo na DSS e não no diagnóstico, havendo lacunas em termos bibliográficos neste âmbito. O presente estudo vem assim enfatizar a necessidade de diagnosticar corretamente estes doentes, com recurso a PP sempre que clinicamente adequado.

A segurança das DSS tem sido comprovada em vários estudos, dos quais se destaca o de Isabwe et al que apresenta a maior série de doentes submetidos a DSS a mAbs5. Neste estudo, verificou-se ocorrência de 23% de reações durante a DSS, na sua maioria ligeira. Na nossa amostra ocorreram reações durante DSS em 3 doentes (25%), uma reação ligeira e duas graves, reprodutíveis, mas que não implicaram suspensão do tratamento. A percentagem de reações encontradas na amostra é sobreponível à encontrada na maior série descrita.

Apesar de não terem sido verificadas suspeitas de RH tardias no presente estudo, destaca-se que na presença de reações sugestivas de RH de tipo IV geralmente é

necessária a suspensão do tratamento, não havendo segurança para a sua reintrodução mesmo sob a forma de dessensibilização4,5,16.

A dimensão da amostra poderá ser considerada uma das principais limitações deste trabalho. O número reduzido de doentes estudados poderá estar relacionado, por um lado, com a parca utilização destes fármacos na fase inicial do estudo, bem como com a desvalorização das reações pelos médicos assistentes. Verificamos, no entanto, um aumento progressivo do número de referenciações por suspeita de RH a mAbs nos últimos anos, associado provavelmente a uma crescente utilização destes fármacos e a uma maior perceção de possíveis mecanismos de hipersensibilidade.

CONCLUSÕES

O aumento crescente da utilização de mAbs tem-se traduzido num aumento das RH. O objetivo primário na abordagem destes doentes é a manutenção da terapêutica de primeira linha, sendo o estudo alergológico essencial para evitar a descontinuação desnecessária de tratamentos. As PP assumem relevância na exclusão de diagnóstico, estando indicadas na presença de TC negativos e/ou reações ligeiras. As DSS a mAbs têm sido bem toleradas e legitimadas como primeira abordagem na presença de RH moderadas a graves, sendo que a sua progressão para administrações regulares poderá ser equacionada tendo em conta a gravidade de reação, resultado dos TC e estado clínico do doente.

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Recebido: 11 de Fevereiro de 2021; Aceito: 27 de Maio de 2021

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