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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.30 no.3 Lisboa set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.32932/rpia.2022.09.085 

EDITORIAL

Imunoalergologistas - O que nos distingue, o que queremos acrescentar?

Susana Lopes da Silva1  2  3  4 
http://orcid.org/0000-0003-3943-1185

1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal

2 Clínica Universitária de Imunoalergologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

3 Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa,Portugal

4 Centro de Imunodeficiências Primárias, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal


Enquanto Imunoalergologistas, valorizamos a diversidade e abrangência das manifestações clínicas dos doentes que acompanhamos.

Tratamos doentes com diferentes disfunções do sistema imunitário, sendo a hipersensibilidade de base imunológica, ou alergia, com os seus múltiplos mecanismos imunopatológicos, o principal foco da nossa prática clínica.

Esta diversidade de mecanismos e órgãos-alvo afectados pela doença alérgica origina apresentações clínicas de espetro muito alargado, também na sua gravidade.

Finalmente, na nossa prática clínica deparamo-nos diariamente com uma posição de fronteira - com a Dermatologia, com a Pneumologia, com a Otorrinolaringologia, com a Gastrenterologia…

O que nos distingue então?

Distingue-nos desde logo o olhar para o doente enquanto um todo e a capacidade de o situar numa Marcha Alérgica que acompanhamos desde a infância. Assumindo a alergia enquanto doença sistémica, não nos surpreende a diversidade de manifestações clínicas, porque a esperamos e até antecipamos!

Com frequência conhecemos o futuro doente ainda na barriga da mãe, qual Médico de Família que acompanha diferentes gerações… Para além da experiência acumulada nos diferentes grupos etários, é também por este aspeto que ultrapassamos de forma natural as dificuldades inerentes à transição para a vida adulta, tão debatidas no momento atual no âmbito das doenças crónicas.

A otimização dos cuidados prestados ao doente alérgico beneficia largamente da multidisciplinaridade, tanto no processo de diagnóstico como nas decisões terapêuticas.

Ao Imunoalergologista são assim exigidas qualidades exímias de trabalho em equipa, reconhecendo a sua importância, em particular nas referidas patologias de fronteira.

Às equipas que integra, o Imunoalergologista deverá acrescentar uma sólida preparação nas bases imunológicas da doença que vão nortear as suas opções. A avaliação imunológica deve ser valorizada no diagnóstico, na selecção do tratamento, e na monitorização dos seus resultados.

Na área das imunodeficiências primárias, na qual a especialidade tem vindo a dar um contributo muito importante no seguimento de um número crescente de doentes, sobretudo adultos, torna-se particularmente evidente esta necessidade de dominar com profundidade as bases imunológicas das diferentes entidades. Os dividendos deste conhecimento são cada vez mais transponíveis para a orientação clínica dos doentes!

O desafio passa por acompanhar a velocidade vertiginosa do progresso do conhecimento em Imunologia! E procurar as novas perguntas que cada descoberta suscita.

Podemos encontrar no presente número da RPIA boas ilustrações para todas estas reflexões. Ana Palhinha e Mariana Lobato et al. apresentam-nos dois casos muito interessantes que demonstram a importância da anamnese cuidadosa e crítica para o planeamento da investigação em alergia medicamentosa1. São apresentados dois doentes que apresentam reação alérgica grave com um fármaco considerado suspeito, sendo o ciclo de tratamento concluído com aparente tolerância.

O conhecimento do mecanismo imunológico subjacente às reações imediatas/IgE-mediadas suscitou nos autores a dúvida relativamente à possibilidade de ter ocorrido uma dessensibilização temporária. Foi colocada a hipótese de que a anafilaxia poderia ter conduzido ao consumo/esgotamento de mediadores envolvidos na inflamação alérgica, permitindo uma tolerância transitória dos mastócitos e basófilos aos fármacos em questão, a qual se manteve por exposição contínua aos mesmos, permitindo aos doentes completarem o seu tratamento.

Uma avaliação rápida/superficial destes dois casos faria pensar que o fármaco seria bem tolerado, considerando segura uma toma ulterior. A história clínica detalhada valorizou a anafilaxia grave e levantou dúvidas relativamente à aparente tolerância que se seguiu, baseada na continuidade do tratamento com o fármaco suspeito e, não esquecendo, ao abrigo de terapêutica para a reação inicial.

Estes mesmos conceitos de inibição de libertação e consumo de mediadores mastocitários estão subjacentes aos protocolos concebidos para dessensibilização a alimentos.

Esta possibilidade terapêutica tem vindo a ser cada vez mais utilizada, não só na alergia medicamentosa mas também na alergia alimentar, permitindo diminuir a incidência de reações por exposição não controlada e adotar dietas menos restritivas, melhorando em suma a qualidade de vida dos doentes e seus cuidadores.

Maria Cristina Granado et al. relatam a experiência de dessensibilização em três crianças com anafilaxia à clara de ovo, tendo duas crianças conseguido concluir o processo e tolerar ingestão de um ovo inteiro2. A partilha de protocolos e resultados nesta área é fundamental, contribuindo para aumentar a experiência coletiva nesta área em desenvolvimento e que amplia a capacidade de atuação em Imunoalergologia.

Na Página Educacional encontramos uma revisão sobre rinossinusite crónica com e sem polipose nasal, num exemplo de escrita colaborativa entre internos, sob a batuta da Dra Ana Margarida Pereira, metodologia que por si só justificaria este destaque3. A rinossinusite crónica é considerado um problema de saúde pública pelo seu grande impacto na qualidade de vida, no absentismo laboral e nos custos de saúde. Os autores reportam que a sua prevalência ronda os 11% na Europa e 2,5% em Portugal, dados que sugerem desde logo a possibilidade de subdiagnóstico no nosso país.

Nesta revisão, que incide sobre uma das áreas clínicas em que fazemos fronteira, é abordada a heterogeneidade de entidades caracterizadas pela presença de inflamação dos seios perinasais e mucosa nasal. Nunca será demais neste contexto realçar a relevância da avaliação de parâmetros imunológicos para delinear estratégias terapêuticas, sendo que este processo se vai tornando cada vez mais complexo, pela diversidade crescente de fármacos com potencial de modulação das reações alérgicas.

Em mais um exemplo de colaboração, Rita Brás et al. relatam-nos um trabalho desenvolvido no CHULN que teve por objetivos caracterizar as reações imunoalergológicas que motivaram referenciação dos cuidados de saúde primários para vacinação COVID, analisar o impacto da alergia medicamentosa nesta referenciação e avaliar o resultado da vacinação após estratificação do risco4.

A alergia medicamentosa (suspeita!) revelou-se o principal motivo de avaliação do risco pré-vacinação. A maioria dos doentes foi vacinada no centro de vacinação comunitário sem intercorrências, contribuindo para o sucesso e segurança da campanha vacinal durante a pandemia Covid 19.

Finalmente, este número inclui ainda uma muito estimulante revisão elaborada por Daniela Brandão Abreu et al., sobre microbioma cutâneo, patogénese e tratamento da dermatite atópica5. A acrescentar às múltiplas opções terapêuticas tópicas e sistémicas já disponíveis e revisitadas neste trabalho, abordam-se novos tratamentos, ainda em desenvolvimento, que procurarão atuar primariamente na modulação da composição do microbioma, como é o caso dos probióticos tópicos ou orais e transplantes de microbioma.

Leituras diferentes, que ilustram o alcance e diversidade da Imunoalergologia. Leituras que nos interpelam. Leituras que (nos) acrescentam.

REFERÊNCIAS

1. Palhinha A, Lobato M, Romeira A M, et al. Anafilaxia a beta-lactâmicos - Quando a tolerância não exclui alergia. Rev Port Imunoalergologia 2022;30(3):223-7 [ Links ]

2. Granado M A, Sousa D, Mendes A R, et. al. Oral tolerance induction protocol to egg White - A report os three pediatric cases. Rev Port Imunoalergologia 2022;30(3):229-34 [ Links ]

3. Santa C, Ferreira C, Sangalho I, et al. Rinossinusite crónica com e sem polipose nasal. Rev Port Imunoalergologia 2022;30(3):207-21 [ Links ]

4. Brás R, Limão R, Caldeira L E, et al. . Impacto da alergia medicamentosa na avaliação do risco de anafilaxia na vacinação COVID-19: Experiência de um serviço de imunoalergologia. Rev Port Imunoalergologia 2022;30(3):191-206 [ Links ]

5. Abreu D B, Silva D, Moreira A, et al. Microbioma cutâneo e dermatite atópica. Rev Port Imunoalergologia 2022;30(3):169-89. [ Links ]

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