SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 número1Teste intradérmico positivo tardio exuberante - A importância das leituras tardias índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.33 no.1 Lisboa mar. 2025  Epub 30-Mar-2025

https://doi.org/10.32932/rpia.2024.12.147 

CARTA AO EDITOR

Impacto da vespa velutina nigrithorax nos apicultores e na atividade apícola em Portugal

The impact of vespa velutina nigrithorax in beekeepers and in apiculture in Portugal

1 Serviço de Imunoalergologia, Unidade Local de Saúde de São João, Porto, Portugal

2 Serviço de Imunoalergologia, Unidade Local de Saúde de Braga, Braga, Portugal


INTRODUÇÃO

A vespa velutina nigrithorax (VVN) é uma espécie de vespa nativa do Sueste Asiático. A sua entrada na Europa pelo sudoeste de França permitiu a sua propagação pelo continente, sendo neste momento uma espécie invasora em múltiplos países1.

Em Portugal, a sua proliferação iniciou-se pela região norte em 2011, sendo cada vez mais frequentes os relatos de avistamentos por todo o território nacional. Por esta razão têm sido estabelecidos alguns planos de ação para a vigilância e controlo desta espécie2.

A VVN é predadora das abelhas autóctones, tendo a sua presença como espécie invasora um impacto nos ecossistemas e na biodiversidade, bem como na apicultura.

Pode também representar um problema de saúde pública, uma vez que a sua picada pode causar reações alérgicas graves - anafilaxia -, potencialmente fatais. Consequentemente é também expectável o impacto económico, pela necessidade de cuidados de saúde e de instituição de medidas de proteção e de combate3.

O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da invasão pela VVN nos apicultores e na atividade apícola em Portugal.

MÉTODOS

Foi realizado um questionário em formato digital, cujo link foi enviado por correio eletrónico para os apicultores inscritos numa reunião virtual nacional de formação em apicultura que decorreu em julho de 2021. Os investigadores não tiveram qualquer acesso prévio aos dados pessoais dos participantes, tendo a distribuição do link ficado à responsabilidade da organização. A participação dos apicultores inscritos foi totalmente voluntária. Apenas os investigadores tiveram acesso às respostas fornecidas. As questões inquiriram sobre dados demográficos, área de residência, formas de impacto da VVN na atividade apícola e dados sobre picadas prévias por VVN e por outros himenópteros. Foi feita uma análise descritiva das respostas através do programa IBM SPSS Statistics 27®.

RESULTADOS

Foram incluídos 149 participantes, 127 (85%) do sexo masculino, com idade mediana de 43 (intervalo interquartil 18) anos. A área de residência dos participantes incluiu todos os distritos de Portugal Continental e ainda a Região Autónoma dos Açores, sendo os distritos mais representados Braga (21), Coimbra (20), Lisboa (16), Porto (13) e Viseu (11).

Da totalidade dos inquiridos, 109 (73%) eram apicultores há mais de 2 anos. Do total, 118 (79%) referiram já ter avistado ninhos de VVN em território nacional, 78 (52%) na proximidade das colmeias.

Relativamente ao impacto na atividade apícola, a maioria dos participantes referiu ter prejuízos diretos ou indiretos devido à invasão pela VVN: 118 (79%) referiram necessidade de implementação de medidas de proteção das colmeias (como harpas elétricas, “cavalos-de-troia”, redes e atrativos); 106 (71%) reportaram aumento dos custos com a manutenção das colmeias; 93 (62%) estimaram diminuição da produção de mel; 76 (51%) tiveram colmeias destruídas pela VVN; 6 (4%) sentiram necessidade de comprar um novo fato que conferisse melhor proteção.

Do total de apicultores incluídos, 27 (18%) reportaram já ter sido picados por VVN. A Tabela 1 compila a informação recolhida sobre as picadas no que diz respeito ao número, data, caraterísticas da reação, sintomatologia associada e tratamento efetuado, conforme reportado pelos participantes. Dos cinco apicultores que reportaram reações sistémicas, os dois que referiram queixas de tonturas/lipotimia/síncope recorreram a um serviço de urgência, onde terão sido medicados com medicação injetável que não souberam especificar; os três que tiveram exantema/edema para além do local da picada não recorreram a cuidados de saúde, tendo-se automedicado com anti-histamínico. Dos apicultores picados, 13 (48%) referiram ter familiares que também já tinham sido picados por VVN. Relativamente aos dados obtidos sobre picadas por outros himenópteros, 21 (78%) dos participantes já tinham sido picados por outras vespas e todos (27, 100%) por abelhas. Quinze (71%) dos apicultores que já tinham sido picados por vespas e 19 (70%) dos que já tinham sido picados por abelhas eram da opinião que tiveram uma reação de maior gravidade após a picada da VVN.

Tabela 1 Dados sobre picadas de vespa velutina nigrithorax nos apicultores 

DISCUSSÃO

A invasão de ecossistemas por espécies não nativas tem impacto económico, na biodiversidade e na saúde pública. A invasão pela VVN é um problema internacional, que não excluiu o nosso país. Este estudo vem contribuir com dados nacionais através do uso de questionários a uma população específica que lida regularmente com abelhas. Sendo estas um dos alvos principais da VVN, os apicultores podem ser uma mais-valia na identificação e monitorização da expansão desta espécie. Também por este motivo são, provavelmente, das populações com maior risco de serem picadas.

Os dados obtidos confirmam a presença da VVN e a sua distribuição pela maioria do território continental.

São também esclarecedores no que toca ao impacto negativo, tanto económico como nas abelhas, associado à destruição das colmeias e ao aumento dos custos com a sua manutenção e com a necessidade de instalar ou melhorar medidas de defesa.

Verificou-se ainda que quase um quinto dos apicultores incluídos reportaram já terem sido picados por VVN, com quase metade destes a referirem ter familiares que também já foram picados. A maioria das reações após a picada foram ligeiras, mas cinco tiveram reações sistémicas. Estes resultados tornam implícito o impacto potencial na saúde pública, uma vez que, na opinião dos autores, o número de reações sistémicas tenderá a acompanhar o aumento do número de himenópteros desta espécie presentes ao longo do território nacional.

É importante que todos os doentes com reações sistémicas recorram a cuidados de saúde para tratamento da reação e referenciação para a especialidade de Imunoalergologia, para estudo e orientação. Nos casos de anafilaxia, a prescrição e ensino de um autoinjetor de adrenalina para uso em reações futuras pode salvar vidas.

A imunoterapia específica mantém-se como o único tratamento capaz de prevenir novas reações. Inicialmente começou a ser feita com Vespula spp., uma vez que a reatividade cruzada demonstrou ser suficiente para conferir proteção4. No entanto, atualmente já estão disponíveis extratos de VVN para diagnóstico e realização de imunoterapia específica5.

Os autores consideram que a amostra tem boa representatividade do território nacional, uma vez que incluiu participantes de todos os distritos de Portugal Continental e da Região Autónoma dos Açores. Os apicultores são também habitualmente capazes de reconhecer os diferentes himenópteros corretamente, sabendo identificar o culpado pela picada e reportá-lo corretamente.

Ainda assim, a inclusão apenas de apicultores pode ter subrepresentado algumas regiões do país com menor atividade apícola. Seria importante realizar estudos sobre o impacto da VVN que incluíssem outras populações de risco, como os agricultores, e a população geral. Seria também interessante realizar um levantamento de dados nacionais das entidades responsáveis pela vigilância e controlo.

Os resultados obtidos vêm, no entanto, reforçar a necessidade de manter uma monitorização contínua da propagação da VVN em Portugal, de forma a poderem ser implementadas as medidas adequadas para controlo.

REFERÊNCIAS

1. Quaresma A HD, Godinho J, Maside X, Bortolotti L, Pinto MA. Invasion genetics of the Asian hornet Vespa velutina nigrithorax in Southern Europe. Biol Invasions 2022;24:1479-94. [ Links ]

2. Plano de ação para a vigilância e controlo da vespa velutina 2018; [Internet]: https://www.iniav.pt/plano-acao-vespa-velutina. [ Links ]

3. Requier F, Fournier A, Pointeau S, Rome Q, Courchamp F. Economic costs of the invasive Yellow-legged hornet on honey bees. Sci Total Environ 2023;898:165576. [ Links ]

4. Miranda J, Mesquita AM, Placido J, Coimbra A. Vespa velutina nigrithorax venom allergy: Real-life clinical practice. Ann Allergy Asthma Immunol 2022;129(4):524-5. [ Links ]

5. Esteves Caldeira L, Silva MIT, Pedro E, Cosme J. Hypersensitivity to Vespa velutina nigrithorax: an emerging problem in Portugal? Eur Ann Allergy Clin Immunol 2023;55(4):189-93. [ Links ]

Recebido: 19 de Fevereiro de 2024; Aceito: 04 de Julho de 2024

Autor correspondente Ricardo Moço Coutinho Praceta Bernarda Ferreira Lacerda 11 4200-601, Porto Email: ricardofilipemcoutinho@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons