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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer v.19 n.3 Porto sep. 2010

 

Cuidados Continuados Pediátricos – Abordagem Multidisciplinar – Mesa Redonda

 

Reabilitação

 

Rosa Amorim1

1 Assistente Graduada de Medicina Física e Reabilitação, S. Fisiatria do Hospital Maria Pia, CHPorto

 

INTRODUÇÃO

A Medicina Física e de Reabilitação (MFR) é reconhecida como especialidade médica desde há cerca de 60 anos, tendo o seu crescimento sido impulsionado pela II Guerra Mundial, com o elevado número de jovens mutilados a necessitar de cuidados. O mesmo se passou em Portugal durante a Guerra Colonial.

Trata-se de uma especialidade com uma visão holística do indivíduo e que tem por objectivo o desenvolvimento do seu potencial funcional e a sua reintegração familiar, profissional e social, tendo em conta a sua deficiência e as limitações ambientais.

Ao longo do tempo a MFR tem vindo a evoluir de acordo com as mudanças da sociedade em que vivemos. Assim, actualmente o seu âmbito não se limita aos grandes traumatizados da guerra mas estende-se a áreas mais específicas, como a reabilitação neurológica, cardíaca, reumatológica, pneumológica e pediátrica, entre outras.

A Reabilitação Pediátrica tem como principais objectivos a habilitação/reabilitação da criança com deficiência. A sua actividade é efectuada por uma equipa multidisciplinar que integra diversos profissionais e que deve ser coordenada por um médico fisiatra. Todo o trabalho dessa equipe é centrado na criança e na família, e deve ter em conta as características e especificidades próprias da criança e do seu desenvolvimento.

CUIDADOS CONTINUADOS

Definem-se como os cuidados de convalescença, recuperação e reintegração de pessoas em situação de dependência, e destinam-se a pessoas de todas as idades com dependência funcional, doença crónica ou doença incurável em estado avançado (portal da saúde www.portaldasaude.pt).

Podem ser prestados em Unida­des de internamento – curta, média e longa duração –, Unidades de ambulatório e equipas domiciliárias, e estão organizados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI).

A necessidade de cuidados continuados na criança e no adolescente tem vindo a aumentar na medida em que a taxa de sobrevivência nas situações crónicas e incapacitantes, congénitas ou adquiridas, se elevou de forma significativa. Doentes que há alguns anos não ultrapassavam a infância, chegam agora à adolescência e à idade adulta colocando novas questões tanto a nível de cuidados de saúde como de integração sócio-familiar.

 

INCAPACIDADE NA CRIANÇA

Nos últimos anos a classificação de incapacidade sofreu uma alteração significativa – até 2002 o conceito de incapacidade dependia apenas da deficiência do indivíduo e todo o processo de reabilitação era centrado neste; após a aprovação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) o conceito de incapacidade passou a depender também do impacto das barreiras do ambiente nas actividades da pessoa com deficiência. A incapacidade na criança é assim definida como a redução crónica na capacidade de participar nas actividades normais das crianças com a mesma idade.

 

CAUSAS MAIS FREQUENTES DE INCAPACIDADE NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE

Congénitas

Paralisia Cerebral, Spina Bífida, Doenças neuromusculares, Síndromes genéticos, Doenças metabólicas, Paralisia obstétrica do Plexo Braquial,

 

Adquiridas

Traumatismo Craneo-encefálico (TCE), Traumatismo Vértebro-medular (TVM), Infecções de SNC, Patologia tumoral do SNC, AVC, Artrite Crónica Juvenil.

Todas estas situações podem originar quadros com limitação funcional a vários níveis – motor, sensorial, de comunicação/ linguagem, cognitivo – com repercussão nas actividades da vida diária da criança e no seu grau de dependência.

Embora haja necessidades específicas relacionadas com cada uma das patologias em questão, o seguimento da criança com deficiência grave tem muitos pontos comuns e vários problemas idênticos podem ser encontrados em casos com diagnósticos diversos.

 

PROBLEMAS COMUNS

Contracturas

A prevenção das contracturas músculo-esqueléticas é fundamental e básica em qualquer programa de reabilitação. Elas surgem pela imobilidade associada à deficiência motora e levam a alterações estruturais tanto do músculo contracturado como das articulações envolvidas, com o aparecimento de fibrose e dor. Podem ser mais graves em algumas patologias neurológicas, como nas doenças neuromusculares, devido ao desequilíbrio muscular entre agonista/antagonista.

A mobilização passiva ou activa-assistida, conforme a situação do doente, e o estiramento do músculo(s) em risco de contracturar devem ser efectuados regularmente, assim como a utilização de ajudas técnicas como ortóteses adaptadas aos segmentos que queremos posicionar (exemplo: ortóteses para posicionamento das tíbio-társicas a 90º para evitar a postura em equinovaro).

 

Espasticidade

Define-se como resistência ao estiramento dependente da velocidade com que este é executado, ou seja, há um aumento da resistência do músculo ao seu alongamento se elevarmos a velocidade desse movimento de alongamento (hipertonia em”navalha de ponta e mola”). Faz parte do síndrome do primeiro neurónio motor e associa-se a hiperreflexia.

É frequente em várias patologias neurológicas que condicionam deficiência motora na criança, como a paralisia cerebral, TCE, lesões medulares ou outras patologias que envolvam o SNC.

Pode dar origem as espasmos dolorosos, contracturas e deformidades, e interferir a nível da marcha e nos cuidados de higiene.

No entanto a espasticidade pode trazer alguns benefícios, por exemplo, a nível circulatório, impedindo o aparecimento de quadros de trombose venosa profunda, frequente em doentes paralizados, diminuindo o risco de osteoporose e, em alguns casos, permitindo a marcha ou a verticalização pela hipertonia dos membros inferiores.

Portanto todos estes factores devem ser ponderados antes de se iniciar o tratamento.

O tratamento da espasticidade tem várias vertentes que podem ser utilizadas em conjunto:

Técnicas de estiramento muscular

Ortóteses e gessos

Tratamento farmacológico

Bomba de baclofeno

Rizotomia

Toxina botulínica

 

Problemas vertebrais

As deformidades do ráquis são frequentes em crianças e adolescentes com deficiência motora, principalmente a escoliose, quase inevitável nas que deambulam em cadeira de rodas. A progressão da escoliose deve-se a vários factores, como o desequilíbrio muscular, a postura, factores biomecânicos e estruturais.

O seu seguimento faz-se com controlo radiológico seriado, principalmente nas fases de crescimento rápido.

As ortóteses tóraco - lombares podem ser usadas criteriosamente, nas curvas entre os 20 e os 40 graus, desde que não agravem a função pulmonar, que nestes doentes está já muitas vezes diminuída. É importante ter a noção de que as ortóteses de tronco, os chamados coletes, não impedem a progressão da escoliose mas apenas atenuam a sua progressão.

Nas curvas acima dos 30/40 graus é recomendado tratamento cirúrgico.

A hipercifose é também frequente e deve ser tratada tanto com ortóteses cérvico-toraco-lombares como, nos casos mais graves, com cirurgia.

Na prevenção destas deformidades vertebrais é fundamental o cuidado no posicionamento dos doentes, principalmente quando a falta de mobilidade é mais grave. Existem modelos diversos de sistemas de posicionamento de tronco que devem ser adaptados a cada caso e nas várias etapas do crescimento.

 

Úlceras de pressão

São frequentes sempre que há diminuição da mobilidade e principalmente quando há alteração da sensibilidade, como em vários quadros neurológicos – spina bífida ou lesão medular traumática. Nestes últimos surgem lesões por vezes muito graves, com atingimento de várias camadas até ao plano ósseo e que necessitam de várias intervenções cirúrgicas e de longos períodos de imobilidade para a sua recuperação.

É, então, fundamental investir na prevenção destas lesões, evitando as posturas prolongadas, vigiando a pele em zonas mais susceptíveis, como proeminências ósseas, zonas de fricção por fralda ou ortóteses, que podem não estar adequadas devido ao crescimento da criança.

Também é importante a exposição a produtos irritantes, como urina, fezes ou suor, e o estado nutricional da criança. Este, por sua vez, é agravado pela perda de nutrientes através da ferida.

No tratamento, para além da eliminação da causa da pressão na pele e da limpeza e tratamento da ferida, promovendo a cicatrização e impedindo a infecção, é necessário manter um bom aporte nutricional e manter a zona da fralda limpa, uma vez que grande parte destas lesões surgem nas regiões sagrada e anca.

 

Osteoporose

A osteoporose na criança é ainda frequentemente ignorada, principalmente se associada a deficiência motora.

A imobilidade condicionada pela incapacidade, principalmente a incapacidade de marcha, é o principal factor para a osteopenia na criança, muitas vezes agravada pela própria doença (má nutrição, fraqueza muscular, medicação anti-epiléptica, corticoesteroides).

Trata-se de uma forma de osteoporose secundária que atinge preferencialmente os ossos longos dos membros e menos as vértebras.

São frequentes as fracturas com traumatismos minor e que muitas vezes passam despercebidas, mais nos quadros com défice sensitivo.

Os critérios de diagnóstico da osteoporose na criança são necessariamente diferentes dos do adulto, uma vez que na sua avaliação não podemos falar de um pico de massa óssea, valor de densidade mineral óssea utilizado no score T na Densitometria Óssea. A criança não atingiu esse pico e por isso a avaliação é feita pelo score Z, valor de densidade mineral óssea comparada com indivíduos do mesmo sexo e idade.

No entanto as unidades utilizadas são g/cm2, que é uma unidade de área. Na criança seria desejável que o valor da DMO fosse dado em função do peso.

A existência de deformidades, principalmente a nível do colo do fémur, pode condicionar a avaliação da DMO. Nos doentes com paralisia cerebral grave pode ser preferível medir a DMO na extremidade distal do fémur.

Sempre que há factores de risco de osteoporose é necessário apostar na sua prevenção.

As medidas preventivas mais importantes são:

Bom estado nutricional

Aporte adequado de cálcio e vitamina D

Diminuir a imobilidade, instituindo um programa de exercícios no sentido de estimular a contracção muscular activa, sempre que possível, e de preferência nos músculos antigravídicos

Promover o ortostastismo pelo maior período de tempo possível, fundamental para o aumento da DMO; existem equipamentos para verticalização nas crianças que não têm essa capacidade, como o plano inclinado e o standing-frame.

 

O tratamento farmacológico da osteoporose está muito direccionado para o adulto, principalmente para a pós-menopausa. São raros os estudos aplicados à criança com incapacidade motora.

Os estudos sobre o uso de bifosfonatos na criança são sobretudo feitos na Osteogénese Imperfecta, sendo o Pamidronato o mais utilizado. Há já alguns estudos com o alendronato.

Actualmente ainda não se sabe qual o impacto destas drogas no osso em crescimento, uma vez que têm efeito na remodelação óssea e na cartilagem de crescimento. O seu uso baseado apenas em dados densitométricos não está aconselhado.

 

Dor

É hoje consensual que a dor, principalmente a dor crónica, em idade pediátrica é subdiagnosticada e por isso não tratada em muitas situações. Na criança com incapacidade esta realidade torna-se mais grave.

Existem ainda vários mitos sobre a dor na criança:

O SNC do recém-nascido ou na criança com deficiência cognitiva é demasiado imaturo para sentir dor

As crianças com deficiência não têm uma percepção de dor igual à das crianças “normais”

Se a criança não se queixa é porque não tem dor

As crianças exageram nas queixas para chamar a atenção

As drogas utilizadas no tratamento da dor têm efeitos secundários irreversíveis no cérebro imaturo

 

Estes mitos têm sido desmentidos pela investigação recente.

Existem estudos que mostram que quanto mais imaturo é o SNC mais intensa é a sensação dolorosa e de que a criança com deficiência de causa neurológica tem maior sensibilidade à dor do que outra criança sem patologia neurológica, pela imaturidade e desorganização do seu SNC.

Sabemos que, tanto na criança pequena como naquela com deficiência profunda, a verbalização da dor não é possível, sendo necessário estar atento a sinais fisiológicos (frequência cardíaca e respiratória, tensão arterial), expressão motora (expressão facial, motricidade grosseira), alterações do comportamento (agitação, irritabilidade) e da participação nas actividades diárias. Existem diversas escalas para avaliação da intensidade da dor nestes doentes.

O tratamento deve ser multidisciplinar, efectuado por equipas com formação específica em dor pediátrica. Uma das principais dificuldades actuais reside no facto de muitas das terapêuticas utilizadas serem extrapoladas do adulto.

São necessários mais estudos orientados para a investigação da dor crónica pediátrica.

 

BIBLIOGRAFIA

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