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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer v.19 n.3 Porto sep. 2010

 

Cuidados Paliativos e Continuados Pediátricos – Presente e Futuro – Mesa Redonda

 

O Papel da Comunidade

 

Maria José Ribas1, Carla Ferraz1

1 Conselho Clínico do ACES Porto Ocidental

 

INTRODUÇÃO

A doença crónica e a morte de uma criança constituem dois dos maiores desafios que a família e os profissionais de saúde podem enfrentar e podem causar um efeito devastador.

A descoberta de uma doença crónica na criança provoca um abalo muito maior do que no adulto, já que é na criança que a família projecta muitos dos seus sonhos e expectativas. Com a descoberta da doença crónica ou terminal, nasce o sentimento de fragilidade, preocupação constante, culpa e mesmo medo de não deixar marcas para o futuro, seguidos da sobrecarga gerada pela dependência contínua de atenção para a viabilização dos cuidados à criança doente.(1) A doença crónica impõe modificações na vida do doente e da família, exigindo readaptações frente à nova situação e estratégias para a combater. Esse processo depende da complexidade e gravidade da doença e, além disso, da fase em que a família se encontra e das estruturas disponíveis para satisfazer as suas necessidades e readquirir o equilíbrio.

O aumento do número de crianças que sobrevivem com problemas de saúde que requerem cuidados continuados e/ou paliativos obriga-nos a uma reflexão sobre o papel dos cuidados que podem ser prestados na comunidade, fora do hospital, se possível na casa e com a família da criança.

No entanto, e apesar da importância crescente deste problema, os cuidados paliativos e continuados pediátricos na comunidade não têm sido tidos como uma prioridade nas políticas da saúde. O termo cuidados paliativos nasceu dos cuidados oncológicos a doentes terminais e este viés reflecte-se na ausência de oferta desses cuidados de forma generalizada e consistente a crianças não necessariamente do foro oncológico. Com demasiada frequência, estas crianças e suas famílias não chegam a ter cuidados consistentes e continuados que incluam as suas necessidades físicas, psicológicas e espirituais.(2,3)

O acesso a cuidados paliativos está amplamente reconhecido como um direito para os adultos e idosos, mas em idades pediátricas o reconhecimento e proliferação de cuidados paliativos específicos está ainda numa fase incipiente e os serviços actualmente disponíveis estão fragmentados.(4) Independentemente da sua idade, estas crianças, que não são “pequenos adultos”, sofrem de todos os aspectos clínicos, psicológicos, emocionais e espirituais da doença crónica e incurável, seja a morte um acontecimento a curto, médio ou longo prazo.(5)

 

O PESO DO PROBLEMA

A programação de cuidados na comunidade requer a identificação rigorosa do número de crianças que deles necessitam, bem como a caracterização das patologias e necessidades.

Uma condição essencial para o planeamento de estratégias para os cuidados no domicílio é a clarificação dos conceitos de “condições limitadoras da vida” e “condições ameaçadoras da vida”.

“Condições que limitam a vida” são aquelas para as quais não há razoável esperança de cura e em consequência das quais as crianças ou jovens morrerão. Algumas destas condições causam progressiva deterioração, levando a criança a dependência importante dos pais e cuidadores.

“Condições que ameaçam a vida” são aquelas para as quais há tratamento curativo disponível, mas que pode falhar, tais como para crianças com cancro. Crianças em remissão por longos períodos, ou com tratamento curativo bem sucedido não são incluídas neste grupo(6)

A Association for Children with Life-threatening or Terminal Conditions and their Families e o Royal College of Paediatrics and Child Health inglês identificaram quatro grandes grupos de doentes que em algum momento virão a manifestar necessidade de cuidados paliativos (Quadro 1).(7) Este agrupamento é uma ferramenta útil para a antecipação das necessidades e programação dos cuidados.

 

Quadro I - Categorias de doentes com condições limitadoras da vida

Association for Children with Life-threatening or Terminal Conditions and their Families / Royal College of Paediatrics and Child Health, 2003.

 

OS CUIDADOS NA COMUNIDADE

Os cuidados continuados e paliativos pediátricos exigem uma abordagem multidisciplinar e transversal a várias áreas, incluindo a saúde, o serviço social e a educação, o nível de cuidados hospitalares e da comunidade, a intervenção de cuidados altamente tecnológicos ou de suporte.

Este processo deve ser integrado desde o momento do diagnóstico até à morte da criança, numa rede de alta acessibilidade, intercomunicação e cooperação entre os profissionais envolvidos.

Como os cuidados são prestados muitas vezes e em paralelo por várias especialidades é necessária uma coordenação nas visitas programadas, testes e procedimentos, bem como nos tratamentos. Por vezes são necessários cuidados especiais como aspiração, posicionamento, medicação, técnicas de alimentação, tratamentos respiratórios, fisioterapia e reabilitação. O equipamento necessário, habitualmente usado apenas em meio hospitalar, passa a ser lugar­comum em casa, como os monitores, oxigénio, ventiladores, dispositivos para posicionamento ou marcha, bombas infusoras, aspiradores de secreções, etc.

Por outro lado, as necessidades de uma família com uma criança cronicamente doente não são as esperadas numa família sem doença. Questões como a educação, a vida social, os cuidados aos irmãos, o relacionamento do casal, a organização espacial da casa ou os horários têm de ser reorganizadas em torno das necessidades da criança, esvaziando por vezes os restantes elementos da família do seu espaço e tempo privados(8).

Uma das especificidades que diferencia os cuidados continuados e paliativos pediátricos dos adultos é a intensa participação e dependência da família nesses cuidados e o tempo de relacionamento desta com a equipa, que pode ser de muitos anos. A avaliação da família torna-se, pois, um instrumento essencial para a programação dos cuidados e deve incluir a sua composição, capacidades, funcionamento, relacionamentos, padrões de comunicação e recursos (Quadro 2).

 

Quadro 2 - Componentes da Avaliação Familiar

 

Mas, quem deve prestar estes cuidados, e quando, como e onde devem ser prestados?

A importância da família tem como consequência frequente a transferência de competências técnicas dos serviços de saúde para os familiares, para as quais estes não tiveram formação. Mesmo quando o cuidador é um profissional de saúde, deve ser encarado como um elemento da família, mas não deve ser um elemento técnico na equipa de cuidados.

Temos a responsabilidade de estabelecer políticas e programas nacionais de cuidados paliativos e continuados pediátricos que incluam uma abordagem abrangente e baseada na comunidade, sempre que possível. Estas políticas devem assegurar:

que o programa de cuidados paliativos pediátricos faz parte do Plano Nacional de Saúde;

que o programa inclui o tratamento e controle de sintomas, o apoio psicológico, social, educacional, físico e emocional à criança e família;

que as equipas de cuidados têm os meios humanos e materiais necessários para o exercício destes programas;

que os profissionais de saúde têm um treino adequado e actualização constante em cuidados paliativos e controle da dor;

que os programas incluem suporte hospitalar especializado em situações que dele necessitam;

que existem meios de controle da dor eficazes à disposição dos profissionais e famílias, não sendo aceitável que haja doentes abaixo do nível de controle de dor.

 

A reconfiguração dos Cuidados de Saúde Primários com a criação dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) veio trazer uma mais-valia importante aos cuidados na comunidade, com a criação das Unidades de Cuidados na Comunidade e as Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados.

As Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) têm como função prestar cuidados de saúde e apoio psicológico e social de âmbito domiciliário e comunitário, especialmente às pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, em situação de maior risco ou dependência física e funcional ou doença que requeira acompanhamento próximo, e actuar ainda na educação para a saúde, na integração em redes de apoio à família e na implementação de unidades móveis de intervenção(9). A equipa é composta por enfermeiros, assistentes sociais, médicos, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas da fala e outros profissionais, consoante as necessidades e a disponibilidade de recursos. O ACES participa, através da UCC, na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, integrando a equipa coordenadora local. À UCC compete constituir a equipa de cuidados continuados integrados, prevista no Decreto–Lei n.º 101/2006, de 6 de Junho. No entanto, estas equipas não incluem cuidados continuados a crianças nem sequer a possibilidade de referenciação.

As Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados prestam serviços de consultoria e assistenciais às restantes unidades funcionais dos ACES e organizam ligações funcionais aos serviços hospitalares. A equipa é composta por médicos de várias especialidades, que não de medicina geral e familiar e de saúde pública, bem como assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, técnicos de saúde oral e outros profissionais não afectos totalmente a outras unidades funcionais. Nestas Unidades, a presença de Pediatras da Comunidade seria uma mais-valia importante para a implementação de cuidados continuados e paliativos pediátricos.

Estas Unidades podem complementar, na comunidade, a intervenção das equipas de família e as equipas de cuidados hospitalares e articular os cuidados prestados pelos diversos intervenientes.

Em conclusão, um modelo possível será a existência de equipas multidisciplinares centralizadas nas Unidades de Cuidados na Comunidade, que servem como gestoras da informação e dos cuidados e de centro de comunicação e articulação aberta e sem barreiras entre os vários intervenientes no processo: família, equipa de saúde e hospital.

É fundamental colocar os cuidados continuados e paliativos pediátricos na agenda da organização dos cuidados na comunidade, com o pressuposto de que o processo não pode ter falhas entre os diferentes níveis de actuação. A responsabilidade primeira de aliviar o sofrimento não está completa sem que se atribua aos cuidados paliativos e continuados pediátricos o estatuto de prioridade na programação dos cuidados de saúde. Na presença de escassez de recursos, esta programação deve beneficiar o alívio e controle de sintomas à maioria dos doentes com doença avançada optimizando todos os recursos existentes na comunidade.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Marcon S, Sassá AH, Soares NTI, Molina RCM. Dificuldades e conflitos enfrentados pela família no cuidado quotidiano a uma criança com doença crónica. Cienc Cuid Saude 2007;6 (Suplem 2):411-419.

2. Institute of Medicine. Approaching Death: Improving Care at the End of Life. Consensus Report, 1998.

3. Institute of Medicine. When Children Die: Improving Palliative and End-of-Life Care for Children and Their Families. Consensus Report, 2002.

4. EAPC Taskforce for Palliative Care in Children. Palliative Care for Infants, Children and Young People. The facts. Ed. Fondazione Maruzza Lefe­bvre Dóvidio Onlus, 2009.

5. O’Leary N, MacCallion JFA, Walsh E, McQuillan R. Paediatric palliative care delivered by an adult palliative care service. Palliative Medicine 2006; 20:433-437.

6. Floriani C. Cuidados paliativos no domicílio: desafios aos cuidados de crianças dependentes de tecnologia. Jornal de Pediatria 2010; 86(1): 15-20.

7. Baum D, Curtis H, Elston S, e tal. A guide to the development of children’s palliative services. Association for Children with Life-threatening or Terminal Conditions and their Families/ Royal College of Paediatrics and Child Health. 2nd Ed, 2003.

8. Rabello C, Rodrigues P. Saúde da família e cuidados paliativos infantis: ouvindo os familiares de crianças dependentes de tecnologia. Ciência e Saúde Colectiva 2010; 15(2):379-388.         [ Links ]

9. Diário da República, 1.ª série – N.º 38. Decreto-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro.

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