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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer v.19 n.3 Porto set. 2010

 

Cuidados Paliativos e Continuados Pediátricos – Presente e Futuro – Mesa Redonda

 

Experiência do Serviço de Pediatria do IPO

 

Ana Maia Ferreira1

1 Em representação da Equipa de Cuidados Paliativos em Oncologia Pediátrica: Sónia Lara Helenoa, Maria José Ratoa, Odete Ferreiraa, Cristina Martinsb, Susana Almeidac, Laura Ribeirod, Filomena Maiae, Ana Maia Ferreiraf.

a Enfermeira, b Assistente Social, c Psicóloga, d Nutricionista, e Educadora de Infância, f Pediatra. Serviço de Pediatria do IPOPFG

 

INTRODUÇÃO

A OMS define Cuidados Paliativos como os cuidados activos e totais a crianças ou adolescentes afectados por doenças potencialmente fatais. Englobam aspectos médicos, emocionais, sociais e espirituais, centrados na qualidade de vida da criança e da sua família e incluem o tratamento de sintomas perturbadores, provisão de descanso, e apoio após a morte e no luto.(1)

Analisando o ano de 2008, para 70 novos casos de doentes oncológicos, e portanto com doença potencialmente fatal, houve no Serviço de Pediatria do IPO-Porto 14 óbitos. Limitar os Cuidados Paliativos aos doentes terminais é, à luz dos conhecimentos actuais, uma visão redutora correndo-se o risco de actuação tardia e menos eficaz.(2,3)

Neste sentido, a abordagem de qualquer doente oncológico admitido no Serviço de Pediatria do IPO-Porto programa-se, desde o diagnóstico, de forma personalizada, multidisciplinar e holística. Apesar de, na fase inicial da doença, os aspectos médicos terem maior relevo, é também efectuada avaliação de outras necessidades da criança ou adolescente e família e disponibilizadas condições para a sua adequada integração e garantia da melhor qualidade de vida possível. Nas primeiras semanas após admissão desenrola-se a abordagem, avaliação e orientação pelo Médico Assistente, bem como por vários outros profissionais: Enfermeira, Nutricionista, Psicóloga, Assistente Social, Educadora de Infância/Professora. O plano de acção posteriormente definido tem em conta estas várias vertentes e é partilhado e regularmente aferido sob coordenação do Médico.

Do ponto de vista hoteleiro o Serviço dispõe de 23 camas, 11 em quartos individuais, e 12 em enfermarias de duas camas. Todas as enfermarias têm quarto de banho com chuveiro e em 3 adaptação para cadeira de rodas. Cada doente tem direito à presença de um acompanhante 24h. Todas as enfermarias têm camas recolhíveis para o descanso nocturno do acompanhante que pode almoçar e jantar gratuitamente no refeitório. Existem instalações sanitárias próprias para os acompanhantes. Pode haver um segundo acompanhante presente entre as 8 e as 22h. Existe ainda horário de visitas alargado das 14 às 20h (máximo de 3 pessoas junto de cada doente).

Do ponto de vista lúdico todas as enfermarias estão equipadas com televisor, com vários canais TVcabo e leitor DVD e consola de jogos em todos os isolamentos. Existe ainda possibilidade de emprestar computadores portáteis com acesso à Internet. Podem ser solicitados DVD’s, jogos ou livros do acervo do Serviço.

Existem ainda outros espaços de actividades em conjunto como a Sala de Televisão e Refeições, Sala de Apoio Pedagógico e Sala de Actividades Lúdicas.

O desenvolvimento de «actividades da vida diária» está a cargo da Equipa Lúdico/Pedagógica e conta com a colaboração de equipas de Voluntariado especialmente da Liga Portuguesa contra o Cancro e da ACREDITAR. É dado especial ênfase à manutenção da ligação à escola e do rendimento escolar.

Em relação às necessidades espirituais existe um Capelão católico no IPO e é permitida a visita por ministro da religião professada pela família.

O controlo sintomático beneficia do investimento em formação dos profissionais do Serviço, da instituição da dor como 5º sinal vital e da colaboração com outros serviços do IPO como o Serviço de Cuidados Paliativos, a Consulta da Dor e o Serviço de Radioterapia.

Apesar do exposto, era sentida pela equipa de profissionais a necessidade de uma abordagem diferente, mais centrada no controlo sintomático e no conforto, nos casos de doença incurável e progressiva.

No sentido de responder a esta necessidade foi criada em 2009 a Equipa de Cuidados Paliativos em Oncologia Pediátrica (ECPOP).

 

OBJECTIVOS

Organização do projecto ECPOP, definição dos seus objectivos, avaliação de resultados.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Determinou-se que a equipa seria constituída por um médico Pediatra, designado pelo Director do Serviço de Pediatria, três enfermeiras, designadas pela Enfermeira Chefe do Serviço de Pediatria, a Assistente Social, a Psicóloga e a Nutricionista que dão apoio ao Serviço de Pediatria, e um elemento da Equipa Lúdico Pedagógica. Estabeleceu-se que estariam incluídos como colaboradores permanentes dois representantes de cada uma das organizações de voluntariado - Liga Portuguesa Contra o Cancro e ACREDITAR.

Definiram-se como objectivos principais da ECPOP: desenvolver a cooperação entre os vários profissionais, incluindo voluntários, de modo multidisciplinar, tendo em vista a prestação de Cuidados Paliativos de qualidade, de modo consistente e universal, à população Pediátrica seguida no Serviço de Pediatria do IPO­PFG, EPE; fomentar o enriquecimento em conhecimentos nesta área; investigar, recolher e catalogar os recursos existentes na comunidade/sociedade civil passíveis de ser utilizados em complementaridade com a orientação dos profissionais do Serviço; ser catalisador da comunicação entre os profissionais do Serviço e os recursos de proximidade (por exemplo Centros de Saúde, Serviços de Apoio Domiciliário), no sentido de possibilitar a permanência destes doentes em casa, sempre que o desejem e seja possível; interagir em estreita cooperação com os outros profissionais do Serviço evitando sobreposição de funções, responsabilidades ou acções; prosseguir esforços no sentido da criação de um Programa de Apoio no Luto; colaborar na comunidade em acções de formação, sensibilização e/ou divulgação em Cuidados Paliativos Pediátricos; fomentar a investigação em Cuidados Paliativos Pediátricos; participar em Reuniões/Congressos Científicos sobre Cuidados Paliativos Pediátricos em representação do Serviço; estimular a criação de oportunidades de gestão do stress e do luto dirigidas aos profissionais e colaboradores do Serviço; proceder à avaliação anual das actividades da equipa e sua divulgação.

 

RESULTADOS

Por considerarmos que, por motivos deontológicos, a avaliação de situações particulares não deveria ser discutida com toda a equipa, optou-se por distinguir no calendário de reuniões a equipa alargada (constituída por todos os elementos) e a equipa nuclear (a equipa hospitalar). Foi possível reunir quinzenalmente a equipa nuclear e, cada 2 meses, juntarmos todos os colaboradores. Foi efectuado o registo em acta das reuniões alargadas.

Foi elaborada, aprovada e posta em funcionamento folha de colheita de dados, com lista de problemas e plano de acção individual para cada doente orientado pela ECPOP.

Avaliámos, orientámos e seguimos 18 doentes e famílias em 2009, dos quais 12 faleceram nesse ano. Em 2010 seguimos até agora 27 doentes, 14 dos quais faleceram. As intervenções foram sempre feitas em colaboração com o médico assistente da criança. O tempo de internamento em final de vida foi reduzido.

Criámos um arquivo/portfólio de organizações que possam colaborar com o Serviço. Nesse arquivo consta o nome das organizações e instituições públicas ou privadas, o contacto, os objectivos e a área de actuação; contactos de Centros de Saúde, Misericórdias com apoio ao domicílio, etc. Canalizámos apoios materiais de ONG (especialmente LPCC e ACREDITAR) para apoio a situações problemáticas concretas detectadas. Obtivemos apoio material da Fundação do Gil com entrega ao IPO, para uso exclusivo de doentes pediátricos, de uma cama articulada com colchão anti-escara, uma mesa-de-cabeceira rolante e um cadeirão ortopédico.

Procedemos à criação de um ficheiro dos doentes pediátricos do IPO falecidos nos últimos 10 anos no qual consta nome, data de nascimento, data de falecimento e contacto dos familiares. Este permitiu-nos levar a bom termo um evento em memória das crianças falecidas. Consistiu num encontro e piquenique de famílias e profissionais, no Parque Biológico de Gaia, em 10/06/2010. Seguiu-se visita guiada ao parque e plantou-se uma árvore evocativa do evento.

Incentivámos a verbalização de sentimentos pelos pais e crianças, através da criação no Serviço de um caderno de registo escrito do seu testemunho.

Reunimos uma pequena biblioteca com temáticas relacionadas com o cancro, o seu tratamento e efeitos laterais e com a morte, que serve de instrumento auxiliar à comunicação com as famílias ou com a escola.

Participámos em Reuniões Nacionais sobre o tema dos Cuidados Paliativos Pediátricos (I Congresso de Cuidados Paliativos Pediátricos - Universidade Católica Portuguesa, Maio 2009, e Encontro de Enfermagem de Saúde Infantil do ISAVE, Póvoa de Lanhoso, Setembro 2009).

Colaborámos como formadoras em cursos da Liga Portuguesa contra o Cancro sobre Cuidados Paliativos Pediátricos.

Organizámos acção formativa realizada pelo Prof. Doutor Filipe Almeida aberta à comunidade do IPO-Porto em 2009.

Foi realizado um estágio de um mês pelo Pediatra da ECPOP no Serviço de Cuidados Paliativos do IPO-Porto, em Fevereiro 2010, para actualização de conhecimentos e melhoria da cooperação entre as duas equipas.

Procedeu-se à divulgação da Equipa institucionalmente através da Directora do Serviço na Apresentação do Relatório Anual de Actividades de 2009.

 

PLANOS PARA O FUTURO

O grande desafio é conseguir manter a ECPOP em funcionamento regular e envolver cada vez mais toda a equipa de profissionais do Serviço. Pretendemos investir na formação dos elementos da equipa, na divulgação do nosso trabalho, na criação de protocolos de actuação para algumas situações problemáticas e na melhoria da assistência no domicílio.

 

CONCLUSÕES

A criação de Equipas de Cuidados Paliativos em Pediatria é um processo longo, que requer disponibilidade e vocação para esta esfera de acção em Saúde. Têm sido criadas equipas que realizem a sua actividade profissional exclusivamente nesta área. Estas requerem pessoal próprio e um investimento económico importante. Geralmente torna-se necessário alargar o seu espectro de intervenção à colaboração com vários hospitais com Pediatria, numa determinada área geográfica alargada.

A solução encontrada no IPO surge como um conceito diferente do anterior. É uma equipa no sentido funcional, mas formada por profissionais que não se dedicam exclusivamente a esta área. Por isso o investimento é sobretudo do ponto de vista organizacional e o seu objecto centra-se exclusivamente nas crianças e adolescentes com doença oncológica, seguidas numa instituição, neste caso o IPO. Pretende-se que seja uma equipa prestadora de cuidados directos, mas sobretudo catalizadora de um crescimento conjunto dos profissionais do Serviço de Pediatria no seu desempenho nesta área. A sua eficácia, em termos de apoio domiciliário, pressupõe a articulação com equipas de Saúde de proximidade e está dependente do seu desenvolvimento. Esse é um esforço repartido por inúmeras iniciativas em curso no Sistema Nacional de Saúde e fora dele. Cabe-nos saber encontrar os meios de comunicação eficazes de modo a conseguirmos trabalhar verdadeiramente «em rede», para benefício dos doentes e das suas famílias.

 

BIBLIOGRAFIA

1. World Health Organization. WHO definition of palliative care. [Accessed April 5, 2007]. Available at: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/

2. Michelson KN, Steinhorn DM. Pediatric End-of-Life Issues and Palliative Care. Clin Pediatr Emerg Med 2007 September;8(3):212–219.         [ Links ]

3. Baker JN, Hinds PS, Sheri L Spunt SL, Raymond C, Barfield RC, Allen C, Powell BC, Anderson LH, Kane JR. Integration of Palliative Care Principles into the Ongoing Care of Children with Cancer: Individualized Care Planning and Coordination. Pediatr Clin North Am. 2008 February; 55(1): 223–xii

 

AGRADECIMENTO

 À Liga Portuguesa contra o Cancro e à ACREDITAR pela colaboração permanente.

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