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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer v.20 n.1 Porto mar. 2011

 

Uns e… os outros

 

Margarida Guedes

 

Carolina, 12 anos, olhava-me com os olhos doces, enquanto recusava delicadamente a sopa que lhe ofereciam. Explicou-me que o pai e a tia tinham ido a casa buscar roupa, pois não esperavam que ela ficasse internada, mas voltariam depressa…

A tentar ganhar a sua confiança fui-lhe perguntando alguns dados informais, como por exemplo se aquele número de telefone, que constava na identificação, era o dos pais. Talvez o do meu pai, respondeu ela, mas não tenho a certeza… Sabe, ele tem 3 telemóveis. Um para o trabalho, outro para os amigos e ainda outro para nós. O que eu sei é que não é o da minha mãe, porque ela não está agora connosco….mas já sabe que eu estou no hospital – concluiu, após uma pequena hesitação. E esta é a tua direcção? Sim, mas moro na torre 3, respondeu ela muito rápido. Eu não queria mostrar ignorância, por isso apenas limitei-me a perguntar - quer dizer que gostas da torre 3? Claro - respondeu, como se não conseguisse compreender a minha dúvida - na torre 1 e 2 é que se fazem as asneiras. Não é nas outras! Percebi então que falávamos de um bairro problemático da cidade e fui-me aproximando do que a tinha levado ao hospital. A tosse começou há um mês, contou-me ela, mas a sair assim só há 2 semanas. A minha avó, que sofre do coração, também teve o mesmo e ficou muito tempo no hospital. O meu pai é que tem uma mancha no pulmão, disse-lhe o doutor que nos mandou fazer as fotografias que trouxemos. E a tua tia, mora com vocês? Indaguei. Não doutora. Ela não vive connosco. Só nos vai ajudar enquanto a minha mãe está na “precária”.

Fomos conversando, mas tudo já se tinha encaixado no meu diagnóstico perfeito! Os telemóveis extra, o bairro e a prisão da mãe só podiam estar associados a drogas, e daí a relação com a provável tuberculose pulmonar era fácil de estabelecer.

Um dias depois teve alta hospitalar, orientada para a consulta externa. Mas afinal tinha-me enganado mais uma vez com as rápidas conclusões – o tráfico de droga existia mas a Carolina nunca tinha tido tosse ou expectoração hemoptoica. Ela só queria, tal como a avó quando teve edema pulmonar, ir para o hospital muito tempo, e poder ficar longe das torres…

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