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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer v.20 n.2 Porto jun. 2011

 

Parece que é Cancro!

 

Armando Pinto1

1 Oncologista Pediátrico do IPO do Porto

 

Os médicos pediatras – ou melhor, os profissionais de saúde em geral – têm uma ocupação que os confronta diariamente com inquietações transversais a todos os humanos, como sejam a morte, a dor, a doença, o medo, mas também com condições de sinal contrário, como são a alegria após o nascimento de um bebé, o prazer de ver as crianças doentes curarem-se, crescer e brincar, o jubilo após vencer uma doença.

Contudo o que é mais difícil na Oncologia Pediátrica é a carga emocional e mesmo física que decorre da patologia, dos tratamentos intensivos e continuados, da prolongada proximidade com os doentes e suas famílias, do prognóstico e obviamente do facto de serem crianças.

Quando lidamos com cancro sabemos que o risco da perda é maior e temos que nos preparar para as várias hipóteses de desfecho, todas elas plausíveis…. Os profissionais de Oncologia Pediátrica sofrem amargamente com as perdas, porém são treinados para lidar com elas como fazendo parte do seu trabalho.

As crianças com cancro são um exemplo do valor da vida. Trabalhar com estes doentes é um privilégio, é a oportunidade de darmos ao mundo uma genuína e vantajosa prestação, de cumprirmos verdadeiramente o sonho de sermos médicos ou enfermeiros. Somos beneficiários dessa vivência, tornamo-nos melhores pessoas, somos actores, produtores e realizadores de cenas e de cenários, somos heróis e protagonistas mas somos igualmente malvados, falhados, inaptos, negligentes, desmazelados e tudo que pode intensamente ser experimentado na luta contra a doença e a morte.

As crianças com doença oncológica vivem a dificuldade de forma diversa! Ainda há pouco tempo estávamos na fila para o café do bar do IPO quando o Fábio, um rapaz de 7 anos, sobrevivente de uma leucemia de alto risco que impusera tratamentos intensivos e prolongados, com internamentos sem fim, dadas as complicações incontáveis que surgiram, esse mesmo menino, estando de visita programada ao hospital, irrompeu pelo bar dentro ao avistar um enfermeiro que o acompanhara em muitos episódios, chamando, «Enfermeiro Pedro, enfermeiro Pedro!». Seguidamente, agarrou-lhe o casaco branco da farda, puxando-o para baixo, descompondo o senhor, sem deixar hipóteses de recusa de reparo por parte do enfermeiro, «Diz Fábio, o que queres, o que aconteceu?», o enfermeiro, sendo um jovem alto e magro, teve que se curvar impelido pelo puxão do rapaz, ficando meio desequilibrado, estático, quase, «Tenho um tio meu internado aqui no piso 8», respondeu prontamente o menino, satisfeito por ter obtido a atenção do enfermeiro, «No piso 8? Na Enfermaria? E o que é que tem esse teu tio?», então o rapaz rejubilando por poder dizer o que realmente o impelira a conversar com o Enfermeiro Pedro, respondeu com toda a intensidade dramática, «Parece que é cancro!», enquanto fazia um enorme esgar que atingiu toda uma face, levantando energicamente o canto do lábio e inclinando a cabeça para cima, para ser bem visível pelo enfermeiro o gesto de nojo e de repelência, numa atitude de quem não tem, não teve, nem quer ter nada a ver com aquela doença, o cancro.

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