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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.21 no.1 Porto  2012

 

Endocardite infecciosa num recém-nascido pré-termo

 

Cristiana Ribeiro1, Marta Rios1, Luísa Lopes1, Sílvia Álvares2, Elisa Proença1, Ana Guedes1

1 S. Neonatologia, Maternidade Júlio Dinis, CH Porto

2 S. Cardiologia Pediátrica, H Maria Pia, CH Porto

CORRESPONDÊNCIA

 

RESUMO

Introdução: A endocardite infecciosa é uma situação rara mas grave no período neonatal.

Caso clínico: Os autores descrevem o caso clínico de um recém-nascido, pré-termo de 31 semanas que ao 15º dia de vida apresentou quadro séptico pelo que iniciou antibioticoterapia. Nas hemoculturas efectuadas isolou-se Staphylococus aureus, sensível aos antibióticos prescritos e o cateter epicutâneo-cava introduzido no sexto dia de vida foi nesta altura substituído. Ao 25º dia detectou-se sopro sistólico grau II/VI, tendo o ecocardiograma mostrado imagem sugestiva de vegetação na válvula tricúspide (dimensões-8,5x4mm). Por suspeita de endocardite bacteriana, efectuou tratamento com vancomicina, gentamicina e rifampicina. As hemoculturas posteriores foram estéreis e não se verificou aumento do tamanho da vegetação. Em ambulatório manteve-se clinicamente bem e actualmente, com nove meses de idade corrigida apresenta vegetação de 3x3mm.

Conclusão: A suspeita de endocardite bacteriana deve ser considerada nos recém-nascidos com sépsis hospitalar, internados numa Unidade de Cuidados Intensivos, com colocação de cateter venoso central, sobretudo se os agentes envolvidos são o Staphylococcus aureus ou fungos. A base do tratamento é um curso prolongado de antibioticoterapia com um regime bactericida apropriado. Contudo a mortalidade permanece elevada.

Palavras-chave: catéteres venosos centrais, endocardite, recém-nascido pré-termo, Staphylococus aureus.

 

Infective endocarditis in a preterm newborn

ABSTRACT

Background: Infective endocarditis is a rare but serious illness in neonatal period.

Case report: The authors describe the case of a preterm newborn, 31 weeks of gestation who presented at 15th day of life a condition consistent with neonatal sepsis and antibiotic therapy was administered. Staphylococus aureus, sensitive to antibiotics that were prescribed, were detected in blood cultures and the central venous line introduced at 6th day of life was replaced at this point. At 25th day an II/VI grade blowing systolic murmur was heard and the echocardiography showed a suggestive image of vegetation (size-8,5x4mm) in the tricuspid valve. Bacterial endocarditis was suspected and the newborn was treated with vancomycin, gentamicin and rifampicin. The subsequent blood cultures were negative and no increase on vegetation size was observed. In ambulatory, he remained clinically well and actually, with nine months of corrected age, the size of vegetation is 3x3mm.

Conclusion: Suspicion of infective endocarditis must be considered in newborns with hospital sepsis in an intensive care setting, with an indwelling catheter, especially if the agents involved are Staphylococcus aureus or fungi. The cornerstone of treatment is a prolonged course of antibiotic treatment with an appropriate bactericidal regimen. However mortality remains high.

Keywords: central venous lines, endocarditis, preterm newborn, Staphylococus aureus.

 

INTRODUÇÃO

O diagnóstico de endocardite infecciosa (EI) no período neonatal, apesar de pouco frequente, tem vindo a aumentar, devido à maior sobrevivência de recém-nascidos (RN) pré-termo que requerem técnicas invasivas, nomeadamente catéteres venosos centrais(1,2). A incidência estimada é de 0,07% em RN internados em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais(1). Estima-se que cerca de 8-10% dos casos de EI diagnosticada na população pediátrica ocorra no período neonatal(3). A etiopatogenia é complexa, mas na maioria dos casos associa-se a lesão a nível do endocárdio ou endotélio vascular que expõe o colagéneo subendotelial, promovendo a deposição de fibrina e plaquetas, dando origem a vegetações trombóticas não infecciosas(1,2,3,4,5). Durante episódios de bacteriémia ocorre colonização da superfície atingida, levando à formação de vegetações infectadas. Pode ocorrer em RN com cardiopatia congénita, mas mais frequentemente surge em RN com coração estruturalmente normal, que necessitam de catéteres venosos centrais para alimentação parentérica(1). Os sinais e sintomas são inespecíficos. Pode não haver febre, mesmo na presença de septicémia(3). Laboratorialmente caracteriza-se por aumento dos marcadores de infecção, trombocitopenia e geralmente hemoculturas persistentemente positivas. A presença de vegetações no ecocardiograma é sugestiva do diagnóstico, mas a sua ausência não o exclui (alguns ecógrafos não permitem visualização de vegetações inferiores a 2mm)(2,4). Nos doentes sem cardiopatia congénita, surgem frequentemente na válvula tricúspide. Os principais microorganismos envolvidos são o Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativos, gram negativos (Klebsiella pneumoniae, Enterobacter cloacae e Enterococcus faecalis) e fungos.

Os critérios de Duke modificados revistos em 2005 são os mais consensuais para o diagnóstico desta patologia. São divididos em critérios maiores e menores, considerando-se casos confirmados aqueles que reúnem dois critérios maiores ou um critério maior e três menores ou cinco critérios menores, e casos possíveis aqueles que cumprem um critério maior e um menor ou três menores(6).

Critérios maiores:

1) Hemocultura positiva

- isolamento de agentes comuns de EI em duas hemoculturas distintas, na ausência de foco primário;

- microorganismo compatível com EI isolado em hemoculturas persistentemente positivas;

- única cultura ou serologia positiva para Coxiella burnetii;

2) Evidência de envolvimento do endocárdio

- Ecocardiograma sugestivo (oscilação de massa intracardíaca na válvula ou estruturas adjacentes; em material protésico na ausência de explicação anatómica alternativa; abcesso; deiscência parcial de novo de prótese valvular; insuficiência valvular de novo).

 

Critérios menores:

1) Factor predisponente para EI;

2) febre;

3) fenómenos vasculares;

4) fenômenos imunológicos;

5) evidência microbiológica hemocultura positiva mas sem preencher os critérios maiores previamente descritos.

 

O tratamento baseia-se num curso prolongado de antibióticos bactericidas, geralmente entre quatro a oito semanas, por via endovenosa(1,2). Alguns estudos referem que a administração de aspirina em baixas doses pode reduzir a incidência de eventos embólicos e o tamanho da vegetação(1,7). O tratamento cirúrgico está indicado quando há compromisso hemodinâmico com sinais de insuficiência cardíaca, culturas persistentemente positivas apesar de tratamento antibiótico adequado, aumento do tamanho da vegetação, sobretudo se dimensões superiores a 10 mm e risco de embolização. A mortalidade nos RN com EI permanece alta (alguns estudos referem atingir os 55%) e em grande parte reflecte a população de alto risco que tipicamente afecta(1,2). Na população pediátrica em geral varia entre 10 e 20%, na maioria dos estudos publicados(1). A prevenção da infecção recorrente é importante, uma vez que após um episódio de EI, o risco de recorrência é elevado.

 

CASO CLÍNICO

Recém-nascido do sexo masculino, pré-termo de 31 semanas, nascido de cesariana por apresentar traçado cardiotocográfico patológico. O índice de Apgar foi de 5/8, ao primeiro e quinto minutos, respectivamente e o peso ao nascimento era adequado à idade gestacional (peso:1305g). O ecocardiograma fetal efectuado às 25 semanas de idade gestacional foi normal (antecedentes maternos de epilepsia, medicada até à oitava semana de gravidez com valproato de sódio). Foi internado na unidade de cuidados intensivos neonatais com necessidade de ventilação não invasiva no primeiro dia de vida, por doença das membranas hialinas. O rastreio séptico realizado ao nascimento foi negativo, no entanto, com trombocitopenia (plaquetas: 65.000/mm3), tendo necessitado de concentrado de plaquetas no terceiro dia. Ao sétimo dia de vida apresentava 139.000/mm3 plaquetas e o estudo efectuado excluiu causas mais comuns de trombocitopenia. Com 15 dias de vida, por clínica de hipotonia e hiporreactividade efectuou rastreio séptico que revelou um aumento da proteína C reactiva, desvio da fórmula leucocitária para a esquerda e trombocitopenia (plaquetas:32.000/ mm3) com necessidade de novo concentrado de plaquetas. Iniciou vancomicina e amicacina, tendo sido isolado em duas hemoculturas distintas Staphylococus aureus, sensível aos antibióticos prescritos. O cateter epicutâneo-cava introduzido ao sexto dia de vida, para nutrição parentérica, foi nesta altura substituído. Ao 25º dia foi detectado sopro sistólico grau II/VI, tendo o ecocardiograma mostrado coração estrutural e funcionalmente normal, ponta do cateter insinuada na aurícula direita e imagem hiperecogénica, móvel, na válvula tricúspide, com cerca de 8,5x4mm sugestiva de vegetação (Figura 1) e insuficiência tricúspide ligeira (Figura 2). Por suspeita de endocardite bacteriana, completou oito semanas de tratamento com vancomicina, duas semanas com gentamicina e cinco semanas com rifampicina. Efectuou um mês de tratamento com ácido acetilsalicílico na dose de 3 mg/kg/dia. As hemoculturas posteriores foram estéreis, a velocidade de sedimentação manteve-se normal e a vegetação apresentou dimensões sobreponíveis. Efectuou ecografias transfontanelares ao sexto e 16º dias que mostraram hiperecogenicidade periventricular bilateral, sendo as ecografias subsequentes normais. Manteve-se sempre hemodinamicamente estável e sem intercorrências neurológicas ou respiratórias. Verificou-se normalização sustentada do valor das plaquetas a partir do 53º dia de vida (250.000/mm3). Teve alta ao 71º dia de vida, orientado para Consulta de Cardiologia Pediátrica. Em ambulatório permaneceu sem sintomas cardiovasculares e verificou-se uma redução gradual do tamanho da vegetação. Actualmente, com nove meses de idade corrigida mantém à auscultação cardíaca sopro sistólico curto no bordo esquerdo do esterno e apresenta vegetação com dimensões de 3x3mm.

 

Figura 1 – Imagem hiperecogénica, móvel, na válvula tricúspide, com cerca de 8,5x4mm sugestiva de vegetação

 

Figura 2 – Insuficiência tricúspide ligeira

 

DISCUSSÃO

A variabilidade e inespecificidade da apresentação clínica da EI no período neonatal acarreta dificuldades e atraso no diagnóstico, a não ser que haja um elevado grau de suspeição. Ecocardiogramas seriados são recomendados nos RN, com sépsis hospitalar, internados numa Unidade de Cuidados Intensivos, com colocação de cateter central, sobretudo se os agentes envolvidos são o Staphylococcus aureus ou fungos, mesmo na ausência de alterações de novo na auscultação cardíaca. Após o diagnóstico de EI o cateter venoso central deve ser removido e o tratamento com antibioticoterapia endovenosa deve ser iniciado o mais precocemente possível. São necessárias doses mais elevadas de antibióticos relativamente ao tratamento de uma sépsis hospitalar isolada, de forma a penetrarem na vegetação. O tratamento cirúrgico está indicado nos doentes com compromisso hemodinâmico, ausência de resposta ao tratamento antibiótico, sinais de embolização e aumento do tamanho da vegetação (dimensão>10mm).

No caso clínico apresentado, o quadro clínico de sépsis com isolamento de Staphylococcus aureus nas hemoculturas, o aparecimento de sopro cardíaco/ insuficiência valvular de novo num RN pré-termo com colocação de cateter venoso central e o ecocardiograma mostrando vegetação intracardíaca confirmaram o diagnóstico.

Devido ao elevado risco cirúrgico nesta faixa etária, apesar do tamanho da vegetação no final do tratamento antibiótico ser sobreponível ao inicial, o facto do RN se ter mantido hemodinamicamente estável permitiu que se optasse por uma atitude expectante. Foi-se verificando diminuição progressiva do tamanho da vegetação, apresentando na última avaliação uma dimensão de 3x3mm, pelo que se mantém sem terapêutica. Apesar do risco de recorrência e de complicações embólicas ser pequeno atendendo às dimensões actuais da vegetação, nunca pode ser eliminado.

Este caso raro de EI no período neonatal reforça a importância do conhecimento dos factores de risco e dos sinais sugestivos deste diagnóstico, de forma a instituir medidas terapêuticas adequadas e atempadas.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Martin R. The recognition and treatment of infective endocarditis. Current Paediatrics 2002; 12: 212-9.         [ Links ]

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3. Marx GR. Infective Endocarditis. In: Keane J, Lock J, Fyler D. NADA´s Pediatric Cardiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2006. p. 467-76.         [ Links ]

4. Avezuela C, López S. Endocarditis infecciosa – tratamiento y profilaxis. In: Protocolos diagnósticos y terapéuticos en Cardiología pediátrica 2005; 24: 1-14.         [ Links ]

5. Krebs V, Pedroso C, Diniz E, Tamanaha J, Ceccon M, Feferbaum R, et al. Endocadite bacteriana como complicação de sepse neonatal – relato de caso. Rev Ass Med Brasil 1999; 45: 371-4.         [ Links ]

6. Baddour L, Wilson W, Bayer A, Fowler V, Bolger L, Levison M et al. Infective Endocarditis. AHA Scientific Statement. 2005. Disponível em: www.circ.ahajournals.org        [ Links ]

7. Adler A, Litmanovitz I, Bauer S, Dolfin T. Aspirin treatment for Neonatal Infectious Endocarditis. Pediatric Cardiol 2004; 25:562-4.         [ Links ]

 

CORRESPONDÊNCIA

Cristiana Ribeiro

E-mail: cristiana.c.ribeiro@gmail.com

 

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