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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.22 no.2 Porto abr. 2013

 

CASO CLÍNICO / CASO CLÍNICO

 

Puberdade precoce secundária a quisto ovárico – caso clínico

 

Precocious puberty due to ovarian cyst – case report

 

 

Teresa M. GuimarãesI; Mónica TavaresI; Maria João OliveiraI; Luciana SousaII; Teresa BorgesI

IU. Endocrinologia Pediátrica, S. Pediatria, Dep. da Criança e do Adolescente, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal

IIS. Radiologia, Dep. Imagiologia, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO

Introdução: Os quistos do ovário são raros na criança pré-púbere, representando os quistos funcionantes 5% dos casos. A manifestação clínica mais comum é o desenvolvimento de puberdade precoce isossexual.

Caso clínico: Rapariga de cinco anos e cinco meses, observada por hemorragia vaginal. Sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes. No exame físico objetivou-se perda hemática vaginal e botão mamário bilateral. A ecografia abdominopélvica revelou quisto ovárico direito com 30mm. A investigação hormonal, incluindo função tiroideia não demonstrou alterações, exceto estradiol 38pg/mL. Prova LHRH com resposta pré-púbere. Sem aceleração da idade óssea nem da velocidade de crescimento. Acompanhada em consulta de Endocrinologia Pediátrica, sem recorrência de metrorragia, verificou-se regressão da telarca, associada a involução da lesão quística anexial direita.

Discussão/Conclusões: A maioria dos quistos ovários involuem espontaneamente com regressão dos sinais de puberdade precoce, tal como no caso descrito. A terapêutica médica, com agonista GnRH, poderá ser útil nos casos de transformação de puberdade precoce periférica em central por quistos ováricos recorrentes e em situações que cursem com compromisso significativo da estatura alvo.

Palavras-chave: Quisto ovárico, puberdade precoce, pseudopuberdade precoce, hemorragia uterina, análogo GnRH.

 

ABSTRACT

Introduction: Ovarian cysts are rare in prepubertal girls. Autonomous ovarian cysts represent 5% of cases and can cause isosexual precocious pseudopuberty.

Case Report: A five years old girl was observed because of vaginal bleeding. Personal and family history was unremarkable. Physical examination confirmed uterine haemorrhage and bilateral breast development. Pelvic ultrasound examination demonstrated a 30mm right ovarian cyst. Laboratory findings, including thyroid function, were normal, excepting elevated oestrogen levels. GnRH stimulation test showed prepubertal response. There was no advanced bone age nor accelerated height velocity. She was regularly monitored at paediatric endocrinology consultation, without recurrent menorrhagia, there was regression of thelarche, associated with involution of the ovarian cyst.

Discussion/Conclusion: Most autonomous ovarian cysts regress spontaneously with regression of pubertal signs, as in the present case. Therapy with a GnRH agonist may become necessary in the case of transformation from precocious pseudopuberty to central precocious puberty after recurrences of the ovarian cysts or when there is significant loss of height potential.

Keywords: Ovarian cyst, precocious puberty, precocious pseudopuberty, uterine hemorrhage, GnRh analog.

 

 

INTRODUÇÃO

Os quistos do ovário são raros em meninas pré-puberes. Numa revisão retrospetiva de um total de 1818 exames ecográficos em meninas pré-púberes, foram identificados quistos ováricos em 99 (5%), tratando-se, em 62% dos casos, de um achado incidental.1 Os quistos ováricos funcionantes representam 5% dos quistos do ovário e podem ser causa de pseudopuberdade precoce isossexual.2

É de extrema importância distinguir entre uma situação de puberdade precoce central (PPC) e periférica (PPP), uma vez que a sua abordagem é distinta. Define-se puberdade precoce (PP) na rapariga como o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários antes dos oito anos de idade. A PPC, mais frequente no sexo feminino e de causa idiopática em 80% das raparigas, resulta de ativação do eixo hipotálamo-hipófise-gónadas, cursando com alterações clínicas e hormonais idênticas a uma puberdade normal. A PPP é causada por uma secreção anómala de esteróides sexuais, independente do controlo hipotálamo-hipofisário. A etiologia da PPP isossexual feminina inclui quistos/tumores do ovário produtores de estrogénios, tumores supra-renais, síndrome de McCune-Albright, síndrome de van Wyk-Grumbach e iatrogenia (quimioterapia e radioterapia).

 

CASO CLÍNICO

Criança do sexo feminino de cinco anos e cinco meses, previamente saudável, que recorreu ao Serviço de Urgência por hemorragia vaginal. Ao exame objetivo, foi constatada a existência de botão mamário bilateral e fenótipo genital feminino; sem lesões vulvares; ausência de pêlo púbico e axilar bem como de lesões cutâneas. Efetuou ecografia abdominopélvica que revelou quisto ovário direito com 30 mm.

Tratava-se da segunda filha de um casal jovem, não consanguíneo, sem antecedentes heredo-familiares de relevo. Observada, pela primeira vez, em consulta de Endocrinologia Pediátrica apresentava perda hemática vaginal, estádio pubertário de Tanner M2P1A1, sem manchas café-au-lait nem alterações ósseas. Em termos de avaliação auxológica, não havia aceleração do crescimento ponderal nem estatural. O estudo hormonal revelou: função tiroideia normal, prolactina 4,3 ng/mL, hormona luteinizante (LH) < 0,1 mUI/L, hormona folículo-estimulante (FSH) 0,3 mUI/L, estradiol 38 pg/mL, testosterona < 0,020 ng/mL, hormona gonadocoriónica humana (β-hCG) < 0,2 IU/L (normal < 5), α-fetoproteína 1,5 ug/L (normal 1-15).

A radiografia da mão e punho esquerdos demonstrou uma idade óssea (IO) entre cinco anos e nove meses e seis anos e 10 meses.

Portanto, a investigação não evidenciou alterações laboratoriais, com exceção de valor doseável de estradiol, não habitual nesta faixa etária, com níveis pré-púberes de gonadotrofinas, nem aceleração da IO.

Repetiu ecografia pélvica que demonstrou útero em anteversão, com contornos regulares e dimensões normais, miométrio homogéneo, quisto anexial direito de 25 mm de maior eixo e ovário esquerdo sem alterações morfofuncionais (Figuras 1 e 2).

 

 

 

Efetuou prova de estimulação com hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH), com picos de LH e FSH, respetivamente, de 0,1 e 1,5 mUI/L, compatível com resposta pré-púbere (LH < 5 mUI/L e relação LH/FSH < 1).

Cerca de dois meses após a observação inicial, não apresentava sinais pubertários, com regressão do botão mamário, subsistindo quisto anexial direito simples de 17 mm.

Em avaliação ecográfica, aproximadamente quatro meses depois, verificou-se involução da lesão quística anexial direita, observando-se apenas folículo com 8 mm, sem alterações útero-anexiais relevantes para o grupo etário da examinada.

Manteve vigilância clínica, em consulta semestral, sem recorrência de hemorragia uterina, com estádio de desenvolvimento pré-púbere e velocidade de crescimento (VC) normal (aos sete anos VC de 6,39 cm/ano, correspondendo ao percentil 70).

 

DISCUSSÃO/CONCLUSÕES

O diagnóstico de pseudopuberdade precoce devida a quisto ovárico funcionante baseia-se na anamnese, manifestações clínicas, avaliação laboratorial e imagiológica.1,3

Meninas com PPP relacionada com quistos ováricos apresentam habitualmente sinais de impregnação estrogénica como desenvolvimento mamário, corrimento ou hemorragia vaginal. O estudo hormonal revela geralmente níveis elevados de estrogénio, com resposta gonadotropínica suprimida após estimulação com GnRH. A avaliação ecográfica pélvica demonstra lesões quísticas ováricas unilaterais ou bilaterais, com características útero-anexiais pré-púberes. Na maioria dos casos, não existe avanço significativo da idade óssea, não havendo comprometimento da estatura final.

A abordagem de um quisto ovárico em idade pré-púbere depende da aparência ecográfica da lesão quística, manifestações clínicas e presença de sintomatologia importante.3

Os quistos ováricos geralmente desenvolvem-se e regridem de forma espontânea num período de três meses, recomendando-se vigilância ecográfica dentro de quatro a oito semanas.3

As dimensões do quisto no episódio inicial são um dado importante, visto que um diâmetro ecográfico superior a 9 mm é um forte indicador de ativação autónoma.4 De um modo geral, os quistos ováricos associados a PPP são maiores que 2 cm, enquanto que quistos menores de 1 cm são clinicamente insignificantes.1

Numa revisão de quisto ováricos simples e complexos, em 92 raparigas (idade média de 14,9 anos), 51 foram tratadas de forma conservadora, oito das quais eram pré-púberes; 90% dos quistos resolveram espontaneamente em cerca de duas semanas.5 Numa outra série de 64 crianças com quistos do ovário simples com diâmetro inferior a 5,5 cm, todas regrediram de forma espontânea.6

Embora não seja frequente, os sinais clínicos de precocidade sexual podem persistir após os níveis hormonais terem normalizado e os quistos serem ecograficamente indetetáveis.4

Nos casos de quistos ováricos recorrentes impõe-se o diagnóstico diferencial com síndrome de McCune-Albright (SMA), cuja forma clássica consiste num mínimo de dois achados da tríada: displasia fibrosa poliostótica, manchas café-au-lait e disfunção endócrina autónoma. A hiperfunção gonadal é a mais frequente em meninas com SMA, sendo a pseudopuberdade precoce a manifestação inicial na maioria dos casos.7

No caso relatado, não se observaram lesões cutâneas características nem evidência de envolvimento ósseo ou outras endocrinopatias.

Os quistos ováricos têm uma evolução auto-limitada, dispensando tratamento médico e cirúrgico na maioria dos casos.1-4 A resolução espontânea dos quistos é normalmente procedida pela regressão dos sinais pubertários e normalização dos níveis hormonais. A intervenção cirúrgica está apenas indicada nos casos raros de torsão ovárica e nas situações em que a lesão quística e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundário persistam por mais de três meses.4,8,9

No entanto, os quistos ováricos funcionantes podem recidivar, com episódios recorrentes de PPP, com a exposição prolongada ou repetida ao estrogénio resultando em maturação do pulso de hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH). Esta evolução designa-se por pseudo-puberdade combinada e pode requerer terapêutica com análogo de GnRH, no sentido de minimizar o compromisso da estatura alvo.10 O tratamento com agonista de GnRH não previne a recorrência de quistos ováricos.

O caso clínico relatado é ilustrativo da importância de considerar os quistos do ovário no diagnóstico diferencial de PPP bem como da necessidade de acompanhamento clínico, laboratorial e ecográfico destas situações de evolução clínica habitualmente favorável.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Millar DM, Blake JM, Stringer DA, Hara H, Babiak C. Prepubertal Ovarian Cyst Formation: 5 Years’ Experience. Obstet Gynecol 1993; 81:434-8.         [ Links ]

2. Pienkowski C, Baunin C, Gayrard M, Lemasson F, Vayasse P, Tauber M. Ovarian Cysts in Prepubertal Girls. In: Sultan C (ed) Pediatric and Adolescent Gynecology. Evidence-Based Clinical Practice. Basel: Karger; 2004. P. 66-76.         [ Links ]

3. Laufer MR. Ovarian cysts and neoplasms in infants, children and adolescents. UptoDate 2010. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/ovarian-cysts-and-neoplasms-in-infants-children-and-adolescents        [ Links ]

4. Rodriguez-Macias KA, Thibaud E, Houang M, Duflos C, Beldjord C, Rappaport R. Follow up of precocious pseudopuberty associated with isolated ovarian follicular cysts. Arch Dis Child 1999, 81:53-6.         [ Links ]

5. Warner BW, Kuhn JC, Barr LL. Conservative management of large ovarian cysts in children: the value of serial pelvic ultrasonography. Surgery 1992; 112:749-55.         [ Links ]

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8. Partsch CJ, Kreller-Laugwitz G, Sippell WG. Transitorische Pseudopubertas praecox aufgrund autonomer Ovarialzysten. Monatsschr Kinderheilkd 1989; 137:235-8.         [ Links ]

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10. Kappy MS, Ganong CS. Advances in the treatment of precocious puberty. Adv Pediatr 1994; 41:223-61.         [ Links ]

 

 

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Teresa Mesquita Guimarães

Centro Hospitalar do Porto

Hospital de Santo António

Serviço de Pediatria

Unidade de Endocrinologia Pediátrica

Largo do Prof. Abel Salazar

4099-001 Porto, Portugal

E-mail: tmguim@gmail.com

 

Recebido a 24/01/2012 | Aceite a 10/09/2012

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