SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número3Tuberculose miliar no século XXI: a propósito de um caso clínicoQuisto do timo: um diagnóstico pouco frequente índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.23 no.3 Porto set. 2014

 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

 

Dificuldade respiratória neonatal… um caso para Oftalmologia?

 

Neonatal respiratory distress... A case for ophthalmology?

 

 

Carolina GonçalvesI; Ana VazII; Maria Eduarda ReisII

IS. Pediatria, Departamento da Pediatria, CH Lisboa Norte – H Santa Maria. 1649-035 Lisboa, Portugal. E-mail: carolinacaina@gmail.com
IIUnidade Funcional de Neonatologia, Departamento da Mulher e da Criança, HPP Hospital de Cascais. 2755-009 Alcabideche, Portugal. E-mail: ana.paula.jesus@hospitaldecascais.pt; meduardareis@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: O dacriocistocelo congénito é uma obstrução rara do canal lacrimo-nasal no recém-nascido, que pode dar sintomatologia precoce. A fisiologia deve-se à obstrução proximal e distal do canal lacrimo-nasal. A apresentação clínica é variada e inclui formações quísticas, infetadas ou não, dificuldade na amamentação ou respiratória. A apresentação clássica é uma massa quística de coloração azulada, abaixo do epicanto interno. O diagnóstico correto implica exames complementares. A intervenção terapêutica está dependente da evolução clínica. O prognóstico é bom e geralmente não tem sequelas futuras.

Caso clínico: As autoras apresentam o caso de um recém nascido, internado por dificuldade respiratória de início no segundo dia de vida. Ao exame objetivo tinha sinais de dificuldade respiratória e lesão circinada de aspeto semelhante a hematoma no canto interno do olho esquerdo. Nesta localização houve desenvolvimento posterior de formação quística com sinais inflamatórios, com diagnóstico inicial de dacriocistite. Após realização de tomografia computorizada das órbitas mostrou tratar-se de um dacriocistocelo.

Conclusão: A dificuldade respiratória pode mesmo ser um caso oftalmológico.

Palavras-chave: Canal lacrimo-nasal, congénito, dacriocistocelo, obstrução, recém-nascido.


ABSTRACT

Introduction: Congenital dacryocystocele is a rare nasolacrimal duct obstruction in the newborn, which can give early symptoms. Pathophysiology derives from the proximal and distal obstruction of the nasolacrimal duct. Clinical presentation includes cystic formations, infected or not, difficulty in breastfeeding or breathing difficulties. Classic presentation is a bluish, cystic, firm mass below the medial canthus, The correct diagnosis requires further investigation. Therapeutic intervention is dependent on the clinical outcome and may include antibiotics, local therapy and surgical intervention. Prognosis is good and usually does not imply future sequels.

Case report: The authors present the case of a newborn, admitted in the 2nd day of life for respiratory distress. Physical examination showed signs of respiratory distress and bruise on inner corner left eye. There was subsequent development of quistic formation with inflammatory signs, with an initial diagnosis of dacryocystitis who, after CT scan of the orbits showed to be a dacryocystocele.

Conclusion: Respiratory distress may be considered a case for ophtalmologic evaluation.

Key-words: Congenital, dacriocystocele, nasolacrimal duct, newborn, obstruction.


 

 

INTRODUÇÃO

O dacriocistocelo congénito também conhecido como dacriocelo neonatal com quisto endonasal, mucocelo do saco lacrimo-nasal, amniotocelo, amniocelo ou dacriocelo(1), é uma obstrução rara (0,1%) do canal lacrimo-nasal.

O desenvolvimento do sistema lacrimo-nasal inicia-se durante a 5ª semana de vida embrionária e o processo de canalização só fica completo após o nascimento(2,3). Na obstrução do canal lacrimo-nasal há obstrução única distal do canal lacrimal a nível da válvula de Hasner, apesar desta obstrução poder ocorrer em qualquer lugar ao longo do mesmo. A fisiopatologia do dacriocistocelo difere da obstrução simples do canal lacrimo-nasal. O dacriocistocelo ocorre quando ambos os topos do canal lacrimo-nasal estão obstruídos, causando acumulação de fluído no canal e distensão do sistema lacrimal com o saco distal a formar um quisto que causa protusão no meato inferior. As lágrimas continuam a entrar no canal lacrimal mas a sua saída é impedida pela válvula unidireccional no canalículo ou na válvula proximal de Rosenmuller(4-6).

A apresentação clínica desta patologia é, numa fase inicial, pouco indicativa do diagnóstico final podendo incluir: dificuldade na amamentação, dificuldade respiratória com estridor e infeção (dacriocistite)(6,8,9). No entanto, a apresentação clássica do dacriocistocelo é uma massa quística de coloração azulada, abaixo do epicanto interno(4,5,7) que resulta da acumulação de resíduos da epiderme e lágrimas(9). O diagnóstico diferencial inclui meningoencefalocelo, encefalocelo, hemangioma capilar, glioma nasal e quisto dermóide. Os defeitos anexiais oculares são raramente encontrados nas ecografias pré-natais. Na pouca literatura encontrada, há uma predominância do sexo feminino. Os exames complementares de diagnóstico utilizados são: ecografia, útil devido ao seu carácter não invasivo e permitindo um diagnóstico pré-natal; tomografia computorizada; ressonância magnética; dacriocistografia endoscópica que pode ser também usada como adjuvante no tratamento desta condição(9). A terapêutica do dacriocistocelo é controversa e, até à data, não há um protocolo de atuação baseado em estudos controlados e randomizados que comparem os diferentes tratamentos. A terapêutica conservadora inclui massagem do canal lacrimal com saída de conteúdo, compressas tépidas e antibiótico tópico que pode resolver cerca de 76% dos casos. A terapêutica cirúrgica inclui a exploração do canal, identificação endoscópica do quisto endonasal e remoção da mucosa excedente. A complicação mais frequente é a dacriocistite que implica terapêutica antibiótica endovenosa. Apesar dos estudos nesta área serem baseados em séries muito pequenas, a evolução é favorável sem recorrência e sem complicações(10,11).

 

CASO CLÍNICO

Apresenta-se o caso de um recém-nascido, sexo feminino, internado às 36 horas de vida, na Unidade Cuidados Especiais Neonatais, por dificuldade respiratória. Relativamente ao período pré-natal há a referir: gravidez de mulher jovem sem intercorrências; serologias do 1º e 3º trimestre negativas, com pesquisa de streptococos grupo B negativo. O parto foi eutócico às 38 semanas, Índice de Apgar 9/10, peso à nascença 2490g, exame objetivo inicial normal. Às 30 horas de vida iniciou dificuldade respiratória progressiva pelo que foi internado na Unidade Cuidados Especiais Neonatais. Ao exame objetivo, tinha sinais de dificuldade respiratória (tiragem intercostal, polipneia, adejo nasal), obstrução nasal importante, sem hipoxémia, fácies assimétrica com desvio do septo e hematoma aparente no canto interno do olho esquerdo. Na auscultação pulmonar alguns ruídos de transmissão. Na teleradiografia do tórax AP não mostrava assimetrias, sinais de condensação ou pneumotórax. A gasimetria capilar era normal e os parâmetros de infeção eram negativos. Apesar da melhoria do quadro respiratório manteve dificuldade na amamentação com cansaço durante as mamadas, e na mesma localização do “hematoma” periocular já anteriormente objetivado apareceu uma formação quística com sinais inflamatórios que condicionava deformação da fenda palpebral e limitação da abertura da mesma (Figura 1). Na observação oftalmológica teve o diagnóstico inicial de dacriocistite, tendo sido medicada com antibioticoterapia de largo espectro (gentamicina e flucloxacilina endovenosa) que cumpriu durante cinco dias. Manteve observação diária com aplicação de compressas húmidas e quentes e massagem local, numa tentativa de desobstrução do canal endonasal. No 5º dia de antibioticoterapia, por manter a formação quística com sinais inflamatórios condicionando franca limitação abertura palpebral e desvio da fenda, realizou Tomografia Computorizada das órbitas que mostrou “volumosa lesão ovalada de densidade quística, em continuidade com o canal lacrimo-nasal, com associado abaulamento da parede medial da órbita esquerda, relacionável com provável dacriocelo”. Entretanto iniciou drenagem espontânea de conteúdo purulento. A hemocultura e o exsudado ocular foram negativos. Houve melhoria clínica gradual (Figura 2) e teve alta ao 19º dia de internamento, tendo cumprido 14 dias de antibioticoterapia, mantendo vigilância em consulta de Oftalmologia. Após três meses de seguimento em consulta de Oftalmologia, sem necessidade de outras intervenções terapêuticas e sem aparecimento de novos sintomas, teve alta.

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os autores reportam este caso não apenas pela raridade do diagnóstico mas também, pela apresentação clínica inicial atípica, caracterizada por dificuldade respiratória e sem as alterações características do dariocistocelo no exame objetivo inicial, nomeadamente a massa de coloração azulada periocular (apresentação clássica). O aparecimento de dificuldade respiratória no recém-nascido associa-se frequentemente a obstrução nasal, mas não a obstrução do canal lacrimal, exceto se este condicionar o aparecimento de quistos, que agravam também o prognóstico do dacriocistocelo. Salienta-se a necessidade de pensar neste diagnóstico no período neonatal, mesmo que não haja ainda deformidade visível a nível ocular. A atitude terapêutica mantém-se controversa, nomeadamente pela escassez de casos publicados na literatura e pela disparidade de resultados face à opção conservadora ou cirúrgica. Neste caso optou-se por uma terapêutica conservadora com boa evolução do quadro. O prognóstico é bom, nomeadamente quanto à função, tendo motivado alta da consulta de Oftalmologia.

 

CONCLUSÃO

A dificuldade respiratória no recém-nascido é uma apresentação frequente de várias patologias, não só do sistema respiratório como cardiovascular, sistema nervoso central, hematológico, infecioso entre outros. Este caso clínico demonstra que, embora raramente, também poder ter causa oftalmológica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.      Levin AV, Wygnansky-Jaffe T, Forte V, Buckwalter JA, Buncic JR. Nasal endoscopy in the treatment of congenital lacrimal sac mucoceles. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 2003; 67:255-61.         [ Links ]

2.      Cavazza S, Laffi GL, Lodi L, Tassinari G, Dall’Olio D. Congenital dacryocystocele: diagnosis and treatment. Acta Otorhinolaryngol Ital 2008; 28:298-301.         [ Links ]

3.      Hain M, Bawnik Y, Warman M, Halperin D, Leiba H. Neonatal dacryocele with endonasal cyst: revisiting the management. Am J Otolaryngol 2011; 32:152-5.         [ Links ]

4.      Allali J. Lacrimal pathology in the infant and the child. Arch Pediatric  2010; 17:1609-16.         [ Links ]

5.      Álvaro B G, Esperanza G D, Eugenio P B. Dacriocele. Atlas Urgencias en Oftalmologia. Vol II. 1st. Barcelona: Editorial Glosa; 2003. p.280.         [ Links ]

6.      Mackenzie PJ, Dolman PJ, Stokes J, Lyons C J. Dacryocele diagnosed prenatally. Br J Ophthalmol 2008, 92:437-38.         [ Links ]

7.      Helper KM, Woodson GE, Kearns DB. Respiratory distress in the neonate. Sequela of a congenital dacryocystocele. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 121:1423-5.         [ Links ]

8.      Varnell H, Friedman NR, Shea C, Jones MD Jr. An unusual cause of neonatal respiratory distress. J Perinatol 2003; 23:688-90.         [ Links ]

9.      Wong RK, VanderVeen DK. Presentation and management of congenital darcryocystocele. Pediatrics 2008; 122:1108-12.         [ Links ]

10.   Paysse EA, Coats DK, Bernstein JM, Go C, de Jong AL. Management and complications of congenital dacryocele with concurrent intranasal mucocele. J AAPOS 2000; 4:4653.         [ Links ]

11.   Shashy RG, Durairaj V, Holmes JM, Hohberger GG, Thompson DM, Kasperbauer JL. Congenital Dacryocystocele associated with intranasal cysts: diagnosis and management. Laryngoscope 2003; 113:37-40.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Carolina Gonçalves
Rua Cidade de Roma, Nº 5 R/C Esq
2735-465 Cacém, Portugal
E-mail: carolinacaina@gmail.com

Recebido a 20.09.2013 | Aceite a 08.04.2014

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons