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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.24 no.1 Porto mar. 2015

 

CASO CLÍNICO / CASE REPORTS

 

Procedimento intraparto extra-uterino (EXIT) num caso de linfangiona cervical

 

Ex-utero intrapartum treatment (or exit procedure) in a case of cervical linfangiona

 

 

Fátima RibeiroI, Pedro FernandesII, Raquel HenriquesIII, Eulalia AfonsoIII, Ochoa CastroIV, Rosa RamalhoIII

IS. de Pediatria do Hospital Infante D. Pedro - Centro Hospitalar do Baixo Vouga. 3814-501 Aveiro, Portugal. E-mail: fati.tima@gmail.com
IIS. de Pediatria do Hospital São Teotónio - Centro Hospitalar Tondela-Viseu. 3509-504 Viseu, Portugal. E-mail: pmrf1983@gmail.com
IIIS. de Neonatologia, Maternidade Daniel de Matos - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075 Coimbra, Portugal. E-mail: rakelrhenriques@gmail.com; boavidaafonso@gmail.com; neonatologia@huc.min-saude.pt
IVS. de Cirurgia Pediátrica, Hospital Pediátrico de Coimbra - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-602 Coimbra, Portugal. E-mail: aochoacastro@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: Fetos com diagnóstico pré-natal de malformações anatómicas envolvendo a face e/ou o pescoço estão em risco de obstrução das vias aéreas desde o pós-natal imediato. A programação de medidas periparto que previnam a compressão das vias aéreas, mantendo uma adequada circulação fetal, é fundamental no prognóstico.

Caso Clínico: Feto com diagnóstico ecográfico, às 31 semanas de gestação, de volumosa massa cervical e facial, compatível com linfangioma quístico. O caso foi discutido em equipa multidisciplinar, tendo sido decidida a realização de cesariana associada ao procedimento EXIT às 39 semanas de gestação. Após exteriorização do polo cefálico, foi confirmada massa cervical e facial direita, sendo o feto sujeito a intubação oro-traqueal no primeiro minuto. Ao sexto dia de vida foi submetido a cirurgia, com excisão parcial da massa.

Conclusão: O procedimento EXIT permite a manutenção de uma adequada oxigenação fetal enquanto se estabelece uma via aérea patente. Uma adequada coordenação da equipa multidisciplinar é fundamental para o êxito da técnica.

Palavras-chave: cesariana, EXIT, feto, linfangioma.


ABSTRACT

Introduction: Foetuses with prenatal diagnosis of anatomical malformations/masses involving face or neck are at high risk of airway obstruction from the immediate postnatal. Programming peripartum measures that prevent airway compression, maintaining adequate preservation of fetal circulation, are fundamental for prognosis.

Clinical case: We present a case report of a fetus with ultrasound diagnosis at 31 weeks’ gestation of a cervical and facial bulky mass, compatible with cystic  lymphangioma. The case was discussed in an interdisciplinary team, who decided that a cesarean delivery associated with the EXIT procedure would be performed at 39 weeks of gestation. After exteriorization of the fetal head, a right cervical and facial mass was found and fetus was subjected to oro-tracheal intubation in the first minute. On the sixth day of life surgery was performed, with partial extraction of the mass.

Conclusion: The EXIT procedure allows an adequate fetal oxygenation while establishing an safe airway. Proper coordination of the multidisciplinary team is crucial to the success of the technique.

Key-words: caesarean, EXIT, fetus, lymphangioma.


 

 

INTRODUÇÃO

Os fetos com malformações anatómicas envolvendo a face e/ou o pescoço estão em risco aumentado de obstrução das vias aéreas, associado a alta morbimortalidade no pós-parto imediato1-5. Com o avanço da ultrassonografia pré-natal, o diagnóstico é cada vez mais precoce e, com o auxílio da ressonância magnética há a possibilidade de realizar uma avaliação mais pormenorizada, nomeadamente no que se refere à extensão da massa e ao grau de compressão das vias aéreas2,4,5.

A técnica cirúrgica conhecida como EXIT (ex utero intrapartum treatment) consiste numa extração parcial do feto (polo cefálico) por via abdominal mantendo a circulação feto-placentária, até que a via aérea do feto esteja assegurada1,4-8. Esse procedimento previne a perda de calor e fluidos por evaporação, além de evitar a exposição do cordão umbilical ao ar frio e seco, que pode ativar a síntese de prostaglandinas, com consequente vasoconstrição e diminuição do fluxo sanguíneo através do cordão2.

O EXIT foi originalmente realizado com o objetivo de reverter a oclusão traqueal realizada no tratamento intra-uterino da hérnia diafragmática congénita grave. Com o passar do tempo foram surgindo novas indicações3,4,7,8. As novas técnicas de controlo do tónus uterino tornou possível o prolongamento deste procedimento permitindo que, se a intubação traqueal do feto não fosse possível, a traqueostomia, a resseção do tumor ou até mesmo uma broncoscopia pudessem ser realizadas3.

O EXIT é, normalmente, programado após a 35ª semana de gestação (SG), embora a prematuridade não seja contraindicação para a sua realização2,3. Esta programação deverá envolver uma equipa multidisciplinar, em que todos os elementos deverão discutir o caso, fazer uma avaliação abrangente das preocupações pré-natais e do periparto, decidindo quais as melhores opções para cada situação em particular4,5,8.

 

CASO CLÍNICO

Mãe de 35 anos, saudável. Primeira gravidez, vigiada e sem intercorrências até às 31 SG, altura em que foi detetada ecograficamente uma massa heterogénea envolvendo as regiões cervical e facial direitas. Por esse motivo, foi encaminhada para a maternidade de referência onde foram realizadas ecografias seriadas e ressonância magnética às 33 SG, sendo descrita uma “lesão compatível com linfangioma quístico”. O ecocardiograma e o cariótipo fetais não revelaram alterações.

Foi verificado, ecograficamente, um aumento progressivo da massa associado a macroglossia, mas sem malformações do palato, faringe ou traqueia. Perante o quadro clínico, foi realizada uma reunião multidisciplinar envolvendo a obstetrícia, a neonatologia, a anestesia e a cirurgia, tendo sido decidida a realização de uma cesariana associada à técnica EXIT às 39 SG. Na data programada, a paciente foi internada; no bloco operatório foi posicionada em decúbito dorsal e submetida a anestesia geral. Foi feita uma incisão da pele longitudinal, uma cuidadosa abertura da cavidade abdominal por planos e histerotomia segmentar arciforme. Após histerotomia, a cabeça, o tronco e os membros superiores do feto foram facilmente exteriorizados,tendo sido realizada a intubação oro-traqueal fetal ao primeiro minuto, sem bradicardia fetal. Posteriormente foram realizados a extração total do feto, a laqueação do cordão umbilical e o encerramento da cavidade uterina e abdominal por planos anatómicos. A duração total do procedimento foi de 60 minutos, sendo 5 minutos do EXIT. Após a extração completa do RN, foi colocado um catéter venoso umbilical, foi sedado e curarizado. O índice de Apgar foi de 8/10/10 (1º, 5º e 10º minutos de vida). Ao exame físico evidenciava-se uma massa na hemiface e região submandibular direitas, macroglossia e protusão da língua (Figuras 1). Após estabilização hemodinâmica, o RN foi transferido para hospital pediátrico de referência, para avaliação cirúrgica. Ao sexto dia de vida foi submetido a excisão parcial de massa. O estudo anatomopatológico confirmou o diagnós- tico de linfangioma quístico. Atualmente com 22 meses, mantem seguimento em cirurgia e pediatria, não apresenta dificuldades alimentares e tem um desenvolvimento psicomotor adequado.

 

 

CONCLUSÃO

As massas congénitas localizadas na região cervical, cabeça e face, constituem uma importante causa de obstrução da via aérea fetal e podem ser potencialmente fatais, necessitando de intubação traqueal no momento do nascimento2.

As massas cervicais mais comuns nos fetos são os teratomas e as malformações linfovenosas4.

O linfangioma é uma malformação congénita rara do sistema linfático diagnosticada em crianças abaixo dos dois anos de idade, sendo que 50% estão presentes ao nascimento9-10. Ainda que benignos, o tamanho e a localização podem interferir com a via aérea e provocar desconforto respiratório e asfixia devido a compressão que ocorre ao nascimento, para além de poderem condicionar alguma distorção das estruturas do pescoço tornando-se extremamente difícil intubar ou estabelecer cirurgicamente uma via aérea segura. Alguns casos diagnosticados no período pré-natal poderão estar associados a síndromes malformativos (síndrome de Down, Turner e Noonam) e, alguns autores, consideram que poderão ser devidos a agentes teratogénicos9,10. Por este motivo, no caso descrito, foram realizados o ecocardiograma e o cariótipo fetais.

A regressão espontânea pode ocorrer em 6% dos casos. O tratamento mais efetivo é a cirurgia, no entanto a recorrência ocorre em até 27% dos casos9.

A técnica EXIT, por manter a circulação uteroplacentária e, consequentemente, uma adequada oxigenação fetal, deverá ser o procedimento de escolha para situações em que o feto, no final da gestação, apresenta alguma condição com risco de obstrução das vias aéreas. Neste procedimento, a técnica anestésica é fundamental e abrangente, envolvendo a anestesia materna (relaxamento uterino adequado e a prevenção do descolamento prematuro da placenta) e a anestesia e imobilidade do feto, condições fundamentais para o êxito do procedimento2-4.

A monitorização fetal é um ponto fundamental, uma vez que qualquer instabilidade, como bradicardia e hipoxémia, pode ser indício de má perfusão placentária, condição que deve ser detetada precocemente2,5.

As consequências maternas, a curto e a longo prazo, comparando com uma cesariana de rotina, são semelhantes no que diz respeito à taxa de infeção, hemorragia e complicação da ferida cirúrgica4,5.

A morbilidade neonatal a longo prazo está relacionada com a natureza e extensão das lesões, assim como com os efeitos compressivos a nível da traqueia4,5. A maioria das mortes precoces após o procedimento EXIT, em que a permeabilidade das vias aéreas é conseguida, são a hipoplasia pulmonar ou conse- quências inerentes à prematuridade4.

O atraso do desenvolvimento, habitualmente associado à existência de uma massa cervical, pode ser justificado pela hipóxia que pode acompanhar os métodos tradicionais do parto. A incidência de um atraso grave do desenvolvimento parece muito inferior após o procedimento EXIT, mas é necessário um acompanhamento do desenvolvimento destas crianças4.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Fátima Ribeiro
Rua da Macieira, nº 362
4520-707 - Souto, Santa Maria da Feira
E-mail: fati.tima@gmail.com Telefone: 965066873

Recebido a 12.05.2014 | Aceite a 04.09.2014