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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.24 no.1 Porto mar. 2015

 

CASO CLÍNICO / CASE REPORTS

 

Esofagite herpética: um diagnóstico a não esquecer

 

Herpetic esophagitis: a diagnosis to remember

 

 

Marina PinheiroI; Filipa RaposoI; Ana CarneiroI; Manuel VeigaII; Luís LopesIII; Ana Rita AraújoI; Isabel MartinhoI

I S. Pediatria, ULSAltoMinho. 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. E-mail: marinapinheiro25@gmail.com; filipa_raposo@hotmail.com; anacatfcsousa@gmail.com; arita_araujo@hotmail.com; imartinhopipa@sapo.pt
II S. Anatomia Patológica, ULSAltoMinho. 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. E-mail: manuel.veiga@ulsam.min-saude.pt
III S. Gastrenterologia, ULSAltoMinho. 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. E-mail: luís.m.lopes@me.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: A esofagite herpética é uma doença frequente em doentes imunodeprimidos, sendo raros os casos descritos em indivíduos imunocompetentes.

Caso clínico: Os autores descrevem o caso de uma adolescente, admitida no serviço de urgência com febre, odinofagia, disfagia para líquidos e sólidos e dor retroesternal, com três dias de evolução. Realizou endoscopia digestiva alta, que revelou erosões lineares e redondas no terço inferior do esófago. O estudo anatomo-patológico das biópsias realizadas foi sugestivo de esofagite herpética.

Conclusão: A esofagite herpética é uma doença frequentemente subdiagnosticada na criança e adolescente imunocompetentes, pelo que não deve ser esquecida. O diagnóstico definitivo depende da realização de endoscopia digestiva alta com colheita tecidular. Habitualmente é autolimitada e o tratamento é de suporte. A utilização do aciclovir é controversa, mas o seu início precoce parece encurtar a duração da doença.

Palavras-chave: Criança, disfagia, esofagite herpética, vírus herpes simplex.


ABSTRACT

Introduction: Herpetic esophagitis is a well-recognized infection in immunocompromised hosts, having been rarely described in immunocompetent individuals.

Case report: The authors describe a case of a 16-year-old female adolescent admitted to the emergency room with a three-day history of fever, odynophagia, dysphagia for liquid and solid food and retrosternal pain. The upper endoscopy revealed linear and round erosions in the distal esophagus and the histologic findings were compatible with herpetic esophagitis.

Discussion/conclusion: Herpetic esophagitis is an underdiagnosed condition in immunocompetent children and adolescents, but it should not be overlooked. An esophagoscopy is required to make a definitive diagnosis. It is usually a self-limited infection and the mainstay of treatment is supportive care. The use of acyclovir is still controversial but its early initiation may shorten the clinical course of the disease.

Keywords: Child, dysphagia, herpetic esophagitis, herpes simplex virus.


 

 

INTRODUÇÃO

A esofagite por vírus herpes simplex (VHS) é uma doença frequentemente descrita em indivíduos imunodeprimidos, nomeadamente nos doentes infetados pelo vírus da imunodeficência humana (VIH). São raros os casos descritos em indivíduos imunocompetentes, apesar da elevada prevalência da infeção na população geral.1 Na literatura, encontram-se descritos apenas alguns casos em idade pediátrica.2-7

A maioria dos casos é causada pelo VHS tipo 1 e constitui uma manifestação de primoinfeção, o que está de acordo com a sua maior prevalência no herpes orolabial.7 O sexo masculino é o mais frequentemente afetado.2 Os sinais e sintomas mais frequentes são febre, odinofagia, disfagia e dor retroesternal de início recente. As lesões herpéticas orolabiais estão habitualmente ausentes.2,6

O método de eleição para o estabelecimento do diagnóstico é a endoscopia digestiva alta, não só pelo aspeto das lesões encontradas, como também pela possibilidade de colheita de material tecidular para estudo histológico, cultural e polymerase chain reaction (PCR).1,2 O esófago medial e distal é o local preferencialmente atingido.3,7

À observação endoscópica podem visualizar-se úlceras com aspeto em “vulcão”, exsudados e uma mucosa friável e eritematosa.1,3 No exame histológico, a infeção caracteriza-se pela presença de inclusões intranucleares eosinofílicas, núcleos em vidro fosco e células gigantes multinucleadas.7 Apesar da sua especificidade, as inclusões eosinofílicas (corpos de Cowdry tipo A) só são observadas em cerca de metade dos casos.1

Tratando-se de uma doença autolimitada com um curso habitualmente benigno, pode, no entanto, ser complicada com perfuração e hemorragia5,9.

O tratamento baseia-se fundamentalmente em três objetivos: manutenção de um adequado estado nutricional e de hidratação, analgesia efi e inibição da agressão ácida-esofágica.(4) Atualmente, apesar de não existirem dados suficientes que demonstrem um benefício inequívoco do aciclovir nos doentes imunocompetentes, a sua utilização parece encurtar a duração da doença, proporcionar um alívio sintomático precoce e diminuir o risco de complicações.6 Em doentes imunocompetentes, recomenda-se aciclovir oral 200 mg em cinco tomas diárias ou 400 mg em três tomas diárias durante 7-10 dias ou, nos casos de disfagia intensa, a sua administração endovenosa (ev) na dose de 5 mg/kg em três tomas diárias durante 7-14 dias.10

 

CASO CLÍNICO

Adolescente de 16 anos, sexo feminino, previamente saudável e sem história de internamentos ou cirurgias, comportamentos de risco, infeções herpéticas anteriores ou achados sugestivos de imunodeficência. Sem história familiar de infeção herpética.

Admitida no serviço de urgência por febre com três dias de evolução, odinofagia, disfagia para líquidos e sólidos e dor retroesternal de intensidade moderada, agravada pela deglutição da saliva e à inspiração profunda. Negava perda ponderal, sintomas gastrointestinais ou ingestão de substâncias corrosivas e objetos estranhos. Ao exame objetivo, apresentava-se febril, sem lesões vesiculares ao nível dos lábios e da orofaringe. Para esclarecimento etiológico, foram efetuados exames complementares de diagnóstico (Quadro I): hemograma sem anemia, com uma fórmula leucocitária normal e contagem plaquetária de 275000/uL. A velocidade de sedimentação foi de 46 mm/h e a proteína C reativa de 5,97 mg/dL.

 

 

Neste contexto, e tendo em conta a história clínica, os achados físicos e os exames laboratoriais, colocou-se como hipótese de diagnóstico mais provável uma esofagite infeciosa e, menos provável, uma esofagite secundária a refluxo gastroesofágico (RGE).

Realizou endoscopia digestiva alta, que revelou erosões lineares e redondas no terço inferior do esófago, sem atingimento do estômago ou duodeno (Figura 1). Foram efetuadas biópsias para estudo anatomo-patológico, onde se observaram células escamosas com núcleo em vidro fosco e multinucleação, concluíndo o diagnóstico de esofagite herpética (Figura 2 e Figura 3).

 

 

 

 

Relativamente ao tratamento, iniciou sucralfato oral 1 gr 8/8 horas, omeprazol ev 40 mg/dia e aciclovir ev 5 mg/kg/dose de 8/8h. Durante o internamento houve uma melhoria clínica progressiva, com alta ao sétimo dia e indicação para completar dez dias de tratamento com aciclovir oral.

O estudo imunológico não revelou alterações e a serologia para o VIH foi negativa. Verificou-se uma seroconversão da IgM e IgG para VHS tipo 1, o que apoiou a hipótese de infeção aguda a VHS tipo 1 (Quadro I). Até à data, não se verificou, em consulta de seguimento, nem a recorrência dos sintomas esofágicos nem evidências de imunodeficiência.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A esofagite herpética é uma doença subdiagnosticada na criança e adolescente imunocompetentes, pelo que não deve ser esquecida. A baixa prevalência aparente deste tipo de esofagite pode dever-se ao fato de muitos destes casos não serem corretamente diagnosticados. Isto deve-se, em grande parte, não só aos sintomas inespecíficos e/ou atribuídos a outras causas, como também ao curso autolimitado que esta infeção normalmente apresenta1,2.

O diagnóstico diferencial das úlceras esofágicas inclui a doença de RGE, ingestão de cáusticos ou corpos estranhos, leucoplasia, doença de Crohn, doença de Behçet, dermatomiosite e infeção por outros agentes que não o VHS.1

O “doente tipo”, segundo a revisão dos casos pediátricos publicados na literatura, é uma criança do sexo masculino, que apresenta, de forma aguda, odinofagia, disfagia e dor retroesternal. Pode ter febre, e na sua maioria não existem nem lesões herpéticas labiais, nem história de contacto com infeção herpética.

O diagnóstico definitivo depende da realização de endoscopia digestiva alta com colheita de biópsias para estudo histológico, cultural e/ou pesquisa de PCR.3 Neste caso, embora não se tenha realizado a PCR para VHS tipo 1 e 2, verificou-se a seroconverão para VHS tipo 1. Apesar dos estudos serológicos serem pouco específicos, a seroconversão aponta para uma primoinfeção7.

Pelo fato da esofagite herpética ser considerada uma infeção que afeta quase exclusivamente os doentes imunocomprometidos, foi efetuado o estudo da função imunológica, que foi normal. Assim, e perante uma avaliação inicial, clínica e laboratorial, relativamente benigna, questiona-se sobre a necessidade de realização de estudo imunológico nestes doentes.2

Apesar de se tratar de uma doença autolimitada, a utilização do aciclovir no tratamento da esofagite herpética, apesar de controverso, parece ter algumas vantagens. Neste caso, dada a intensidade da disfagia, foi decidido iniciar aciclovir, permanecendo a dúvida sobre se a evolução favorável verificada durante o internamento foi ou não influenciada por esta opção terapêutica.

Os autores pretendem, com este caso clínico, alertar para o facto de a incidência real da esofagite herpética, frequentemente sub-diagnosticada, poder ser superior à relatada. Mesmo em crianças imunocompetentes, perante a clínica de esofagite, o seu diagnóstico deve ser considerado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10.   Bonis PAL, Zaleznik DF. Herpes simplex virus type 1 infection of the esophagus. Uptodate 2010. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/herpes-simplex-virus-type-1-infection-of-the-esophagus.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Marina Pinheiro
Unidade Local de Saúde do Alto Minho Servico de Pediatria
Estrada de Santa Luzia
4901-858 Viana do Castelo, Portugal. E-mail: marinapinheiro25@gmail.com

Recebido a 22.05.2014 | Aceite a 29.10.2014