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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.25 no.3 Porto set. 2016

 

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

 

Hemangioma infantil e propranolol oral – recomendações atuais

 

Infant hemangioma and oral propranolol current recommendations

 

 

Sandrina CarvalhoI; Susana MachadoII,III; Manuela SeloresII,III

I S. de Dermatologia, Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal. carvalhosandrine@gmail.com
II S. de Dermatologia e Unidade de Investigação em Dermatologia, Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal. susanamlmachado@gmail.com; dermat@sapo.pt
III Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto. 4050-313 Porto, Portugal. susanamlmachado@gmail.com; dermat@sapo.pt

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O hemangioma infantil é um tumor endotelial benigno caracterizado por um rápido crescimento nos primeiros meses de vida e regressão espontânea nos anos subsequentes. Desde 2008, o uso do propranolol oral tem sido crescente com eficácia superior à corticoterapia sistémica e ótimo perfil de segurança, assumindo uma posição de primeira linha no tratamento do he- mangioma infantil em idade pediátrica. Na presente revisão, os autores propõem uma atualização sobre as mais recentes recomendações para a abordagem dos doentes com hemangioma infantil e indicação para tratamento com propranolol oral.

Palavras-chave: hemangioma infantil; propranolol; lactente; criança


ABSTRACT

Infantile hemangioma is a benign endothelial tumor characterized by rapid growth in the first months of life and spontaneous regression in subsequent years. Since 2008, the use of oral propranolol has been growing with superior efficacy compared to systemic corticosteroids and good safety profile, assuming a frontline position in the treatment of infantile hemangioma. In this paper, the authors propose an update on the latest recommendations for the management of patients with infantile hemangiomas and indication for treatment with oral propranolol.

Keywords: infantile hemangioma; propranolol; infant; children


 

 

INTRODUÇÃO

O hemangioma infantil (HI) é um tumor vascular frequentemente observado em idade pediátrica.1 Foram identificados como potenciais fatores de risco: o sexo feminino, a prematuridade e o baixo peso ao nascer.2

A fisiopatologia permanece desconhecida.3 Na evolução natural do HI, distinguem-se três fases: proliferação, maturação e re- gressão espontânea. Frequentemente inaparente ao nascer, o HI surge e desenvolve-se rapidamente durante as primeiras semanas de vida, com involução progressiva nos anos subsequentes.4

O HI pode aparecer em qualquer área da pele embora seja mais comummente encontrado ao nível da cabeça e do pescoço variando consideravelmente na sua extensão e profundidade.5 A maioria é superficial e bem delimitado, de cor vermelho-vivo. O hemangioma profundo é mais raro e surge com pele suprajacen- te normal ou azulada.2 O atingimento visceral (hepático, aerodigestivo e/ou urogenital) é mais frequentemente observado em crianças com múltiplos hemangiomas.6

A maioria dos hemangiomas infantis regride espontaneamente sem necessidade de tratamento (90% regridem totalmente até aos 9 anos de idade).7 No entanto, em determinadas situações será necessário ponderar a introdução de uma terapêutica (ex.: propranolol oral, corticoterapia sistémica, corticoterapia tópica ou intralesional, timolol tópico, laserterapia e/ou cirurgia).8-12

 

O PROPRANOLOL

O propranolol é um betabloqueador não selectivo que actua ao nível dos receptores β1 e β2. É utilizado desde há 40 anos para o tratamento de múltiplas patologias cardíacas com óptimo perfil de segurança em idade adulta.13 Em 2008, Leauté-Labreze et al observaram incidentalmente uma acentuada redução das dimensões de um volumoso HI facial no decorrer da administra- ção de propranolol (3mg/kg/dia) para controlo de uma miocardiopatia hipertrófica.14 Desde então, o propranolol tem demonstrado a sua superioridade comparativamente aos corticóides sistémicos (maior eficácia e menor número de efeitos laterais), assumindo uma posição de primeira linha no tratamento do HI.15 Foram propostos três mecanismos de acção para os efeitos precoces, intermédios e tardios do propranolol no HI: a) vasocon- trição, responsável pela mudança rápida da cor; b) bloqueio do eixo renina-angiotensina com consequente diminuição da produ- ção de fatores proangiogénicos, tal como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF); c) apoptose das células endoteliais.16 Os principais efeitos laterais do propranolol incluem: hipotensão, bradicardia, hipoglicemia e broncospasmo, tal como extremidades frias, fadiga, sonolência, insónias, náuseas, vómitos, diarreia, caries e erupções cutâneas psoriasiformes.17

 

ABORDAGEM DOS DOENTES COM INDICAÇÃO PARA PROPRANOLOL ORAL

As principais indicações para o tratamento do HI são: ulceração; localização com risco de compromisso visual, interferência com a alimentação ou risco de deformidade estética (ex.: nariz, pavilhão auricular, lábios…) e HI potencialmente fatal (obstrução da via aérea, localização hepática e insuficiência cardíaca de alto débito).6 A ulceração e a localização peri-ocular são as indicações mais frequentemente responsáveis pela prescrição do tratamento betabloqueador (Figura 1-2).

Previamente à introdução do propranolol oral, todos os doentes devem ser avaliados. É necessária a realização de uma história clínica detalhada, exame físico (tensão arterial, frequência cardíaca, auscultação cardiopulmonar) e eletrocardiograma (ECG) para excluir a presença de contraindicações (bradicardia sinusal, hipotensão, bloqueio auriculoventricular de 2º e 3º grau, insuficiência cardíaca, asma brônquica ou hipersensibilidade ao propranolol) (Gráfico 1).18

 

 

Devido ao pequeno número de crianças com alterações eletrocardiográficas, certos autores sugerem que a realização do ECG seja limitada aos casos de bradicardia, ritmo cardíaco irregular, história familiar de arritmias ou cardiopatias congénitas e/ou história materna de patologia do tecido conjuntivo.19 O ecocardiograma está indicado se forem observadas alterações no exame físico ou no electrocardiograma.15

Não está comprovado o benefício da administração do propranolol em regime de internamento, exceto em determinadas situações: idade <8 semanas de vida (corrigida para a idade gestacional), presença de comorbilidades e/ou casos sociais (20). Drolet et al recomenda que a pressão arterial e a frequência cardíaca dos doentes tratados em regime de am- bulatório sejam avaliadas 1h e 2h após a primeira toma de propranolol oral, tal como após cada aumento significativo da posologia ≥ 0.5mg/kg/dia.18 Por rotina, não está recomendada a medição dos níveis glicémicos. No entanto, de forma a minimizar o risco de hipoglicemia, a toma do propranolol é efetuada às refeições e deverá ser interrompida em caso de intercorrência infeciosa associada a diminuição do aporte calórico.20 Neste contexto, a educação parental é fundamental no sentido de realizar refeições frequentes e identificar os sinais de alarme associados a hipoglicemia, hipotensão e/ou bradicardia.

As recomendações publicadas em Janeiro de 2013 para o tratamento de crianças com propranolol oral sugerem uma po- sologia inicial de 1mg/kg/dia repartida em 3 tomas diárias de 8 em 8h (T½ propranolol de 3-6 horas) com aumento progressivo de 0.5mg/kg/dia após 3-7 dias de tratamento até atingir a posologia alvo de 2mg/kg/dia.18 O betabloqueador é geralmente mantido até ao final teórico da fase proliferativa por volta dos 12 meses de idade, sendo que a sua suspensão imediata não parece estar associada a um maior risco de efeitos laterais.15

É de salientar que certos hemangiomas mais profundos poderão proliferar durante mais tempo, justificando o prolongamento do tratamento para além dos 12 meses de idade.21 Por outro lado, dados recentes também têm demons- trado alguma eficácia do propranolol na fase involutiva.15-22

Embora os doentes que não respondem ao propranolol sejam pouco frequentes, a existência de não respondedores primários permanece sem explicação, sendo necessários mais estudos para determinar os mecanismos de ação do tratamen- to betabloqueador.23 Em caso de recidiva, a reintrodução do propranolol é geralmente eficaz, reforçando a hipótese de uma maior duração da fase proliferativa em determinados hemangiomas.24

Os hemangiomas faciais segmentares de grandes dimensões estão frequentemente associados a malformações complexas (PHACE Posterior Fossa Malformation + Hemangioma + Arterial Anomalies + Coarctation of the aorta + Eye abnorma- lities). A administração do propranolol em doentes com síndro- me PHACE é controversa devido ao risco de acidente vascular cerebral. A introdução da terapêutica betabloqueadora não está contraindicada em crianças com PHACE, no entanto estes últimos deverão ser submetidos a um exame cardiológico e neuro-imagiológico completo para excluir eventuais alterações vasculares que aumentam o risco de isquemia cerebral (aplasia, hipoplasia ou oclusão de uma artéria cerebral major; coartação da aorta).25

 

CONCLUSÃO

O propranolol é mais eficaz, barato e está associado a uma menor incidência de efeitos laterais comparativamente aos corticóides orais. No entanto, a decisão terapêutica é baseada numa avaliação individual tendo em conta fatores como a idade da criança, o tamanho e a localização do hemangioma, a fase de desenvolvimento em que se encontra e o atingimento de outros órgãos. Idealmente o tratamento deverá ser iniciado na fase proliferativa de modo a minimizar as sequelas resultantes do crescimento do HI. Uma avaliação multidisciplinar envolvendo dermatologistas, pediatras, médicos de família, cardiologistas pediátricos e cirurgiões pediátricos é fundamental para a atempada e adequada orientação destes doentes. Encontram-se em estudo outros betabloqueadores mais cardiosselectivos, tal como o atenolol, para o tratamento do HI.18

 

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Sandrina Carvalho
Serviço de Dermatologia
Centro Hospitalar do Porto
Largo Prof. Abel Salazar,
4099-001 Porto
Email: carvalhosandrine@gmail.com

Recebido a 05.10.2015 | Aceite a 18.04.2016

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