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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.25 no.4 Porto dic. 2016

 

CASOS CLÍNICOS | CASE REPORTS

 

Edema Agudo Hemorrágico do Lactente – a (re) conhecer

 

Acute Hemorrhagic Edema of Infancy – how to recognize

 

 

Alexandra Pires PintoI; Cláudia AguiarII; Maria José DinisIII; Sandra RamosIII

I S. de Pediatria do Hospital de Santa Maria do Centro Hospitalar Lisboa Norte. 1649-035 Lisboa, Portugal. alexandra.r.pinto@gmail.com
II S. de Pediatria do Hospital Integrado de Pediatria do Centro Hospitalar São João. 4200-319 Porto, Portugal. claudiaccmaguiar@gmail.com
III S. de Pediatria do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim / Vila do Conde. 4490-421 Póvoa do Varzim, Portugal. majodinis@gmail.com; smmramos@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Edema Agudo Hemorrágico do Lactente é uma vasculite leucocitoclástica de etiologia desconhecida, que ocorre em lactentes e crianças pequenas. Caracteriza-se pelo aparecimento súbito e rápida progressão de lesões eritematosas e purpúricas associadas a edema das extremidades e febre. Trata-se de uma entidade pouco conhecida e subdiagnosticada, embora o quadro clínico seja típico.

Os autores descrevem dois casos clínicos observados no Serviço de Urgência, com apresentação clínica, laboratorial e evolução semelhantes. Pretendem dar a conhecer esta entidade, permitindo assim o seu rápido reconhecimento e evitando investigação e tratamento desnecessários.

Palavras-chave: edema agudo hemorrágico; vasculite; benigna; lactente


ABSTRACT

Acute Hemorrhagic Edema of Infancy is a leukocytoclastic vasculitis of unknown origin that occurs in infants and toddlers. It is characterized by exuberant and unexpected erythematous and purpuric skin lesions associated with extremity edema and fever. It is not very recognized or diagnosed, although the clinical features are quite typical.

The authors describe two clinical cases observed in the emergency room with similar clinical presentation, laboratory findings and evolution. They intend to present this entity, allowing its quick recognition and avoiding and unnecessary investigations and treatments.

Keywords: acute hemorrhagic edema; vasculitis; benign; infancy


 

INTRODUÇÃO

O Edema Agudo Hemorrágico do Lactente (EAHL) é uma vasculite leucocitoclástica de pequenos vasos pouco frequente, que ocorre quase exclusivamente em crianças entre os quatro e 24 meses de idade.1 Foi inicialmente descrito por Snow em 1913 mas apenas décadas mais tarde é atribuída a outros autores, Finkelstein e Seidlmayer, a caraterização detalhada do quadro sendo nalguma literatura esta entidade descrita como acrónimo dos autores (Doença de Finkelstein ou Síndrome de Seidlmayer).1 Mantém-se controverso se considerá-lo uma entidade diferente da Púrpura de Henoch Schoenlein (PHS) ou como fazendo parte do espectro da mesma doença.

A maior prevalência da doença ocorre nos meses de Inverno. De etiologia e fisiopatologia desconhecidas acredita-se que 75% dos casos descritos foram precedidos de infeções (catarro respiratório superior, otite, amigdalite), imunização (VASPR, DTP, HiB) ou fármacos (penicilinas, paracetamol).2

Caracteriza-se clinicamente pelo aparecimento de lesões eritemato-papulares e purpúricas na face, pavilhões auriculares e extremidades, com raro atingimento do tronco, associado a febre e edema da face, mãos e pés.3

A instalação súbita e exuberância do exantema contrastam com o bom estado geral da criança.

O diagnóstico é clínico, o quadro benigno e autolimitado, com resolução espontânea em uma a três semanas, recomendando-se apenas tratamento sintomático.2,3

 

CASO CLÍNICO 1

Lactente do sexo masculino, 11 meses de idade, de antecedentes patológicos irrelevantes e Plano Nacional de Vacinação atualizado (sem vacinas extraplano). Trazido ao Serviço de Urgência por lesões purpúricas, não pruriginosas, de localização preferencial nos membros inferiores (Figura 1), com 24 horas de evolução e nesse dia com pico febril associado (temperatura 39ºC axilar). Apresentava ainda lesões eritematosas na face (Figura 2) e região palmar e edema do dorso das mãos. Hemodinamicamente estável, sem outra sintomatologia associada, sem história de vacinação recente ou medicação prévia e com bom estado geral.

 

 

 

 

Analiticamente apresentava hemoglobina (Hb) 11.1 g/dL, leucócitos 17,3^109/L (38,4% neutrófilos, 50,5% linfócitos), plaquetas 250^109/L e proteína C reactiva (PCR) 0,58 mg/dL com estudo da coagulação, função hepática e renal e análise sumária de urina sem alterações. Internado para vigilância com terapêutica de alívio sintomático. Manteve excelente estado geral, apirexia sustentada, com melhoria progressiva do quadro e sem progressão das lesões, com alta em 24 horas. Reavaliado em consulta após duas semanas apresentando resolução do quadro.

 

CASO CLÍNICO 2

Lactente de 12 meses de idade do sexo feminino, sem antecedentes patológicos relevantes e vacinas de acordo com o Plano Nacional de Vacinação (com três doses de vacina antipneumocócica conjugada 13 valente). Trazida ao Serviço de Urgência por lesões eritemato-maculares, purpúricas de surgimento súbito, edema das extremidades e febre com cerca de 24 horas de evolução. (Figura 3 e 4). Ao exame objetivo apresentava-se clinicamente estável com boa vitalidade. Terminara nas 72 horas anteriores um ciclo de oito dias de terapêutica com amoxicilina-ácido clavulânico (80 mg/kg/dia) prescrito pelo médico assistente por otite média aguda.

 

 

 

 

Analiticamente com Hb 12, 5 g/dL, Leucócitos 15,7x109/L (76,8% N), PCR 5,0 mg/dL. Sem alterações na bioquímica, estudo da coagulação ou análise sumária de urina. Foi decidido internamento para vigilância clínica com tratamento sintomático, com picos febris apenas nas primeiras 48 horas de internamento. Teve alta melhorada, com hemocultura sem crescimento e sem evidência de novas lesões. Reavaliada em consulta após duas semanas sem recidiva das lesões ou queixas associadas.

 

DISCUSSÃO

O EAHL é um diagnóstico pouco frequente, uma vez não ser rápido ou facilmente reconhecido. Tal como ilustrado por estes dois casos clínicos a apresentação caracterizou-se por febre, lesões purpúricas e edema das extremidades.

As lesões purpúricas, não pruriginosas, assemelham-se a medalhões de dimensões consideráveis. O atingimento dos pavilhões auriculares é muito típico e característico, como evidente no segundo caso (Figuras 4 e 5).4

 

 

Embora os achados cutâneos sejam exuberantes e de surgimento súbito, contrastavam com o bom estado geral das crianças e o prognóstico benigno e autolimitado do quadro.

O diagnóstico é clínico, embora nos exames complementares de diagnóstico possa encontrar-se eosinofilia, leucocitose e trombocitose discretas, ou nenhuma alteração.5

A velocidade de sedimentação e proteína C reativa são normais ou pouco elevadas. O estudo do complemento e imunidade são normais, bem como a função renal e hepática.

O sedimento urinário e estudo de coagulação não apresentam alterações.

Histologicamente trata-se de uma vasculite de pequenos vasos, que afeta capilares e vénulas pós-capilares da derme superficial e intermédia, com infiltrado de neutrófilos perivasculares e intersticiais e libertação de enzimas ativadas com necrose local.5

A PHS, também uma vasculite leucocitoclástica de pequenos vasos, é o principal diagnóstico diferencial do EAHL, com diferenças importantes entre ambos.1,6

A PHS ocorre habitualmente em crianças entre os três e sete anos, as lesões papulo-petéquias estão distribuídas pelos membros inferiores e raramente se associa a edema.2

O envolvimento sistémico é comum na PHS com manifestações gastrointestinais e articulares e possível envolvimento renal, com prognóstico incerto e recidivas frequentes. Trata-se também de uma vasculite leucocitoclástica, mas com depósitos de IgA na imunofluorescência (estes podem verificar-se em cerca de 30% dos casos de EAHL).2

Outros diagnósticos diferenciais a considerar podem incluir: meningococcémia, eritema multiforme, doença de Kawasaki, púrpura fulminante, erupções por infeções virais, vasculite induzida por fármacos, síndrome de Sweet (dermatose neutrófílica febril aguda), manifestações dermatológicas de doenças hematológicas e maus tratos infantis.

Todas estas patologias podem ser diferenciadas do EAHL por uma cuidadosa anamnese, exame físico e provas laboratoriais apropriadas, incluindo o exame histológico da biópsia de pele.

Não há evidência de terapeutica útil, sendo que os corticóides e anti-histamínicos são considerados por alguns autores, embora sem benefício adicional na evolução natural da doença, de carácter auto-limitado.2,3

O curso normal da doença é a cura espontânea em menos de três semanas, com regressão das lesões e raras recidivas, como verificado nestes dois casos.

 

CONCLUSÃO

Apesar de ser um quadro clínico típico, o edema agudo hemorrágico do lactente é por vezes subdiagnosticado, face ao desconhecimento da sua existência.

Devido a diversas vezes cursar com febre e quadro cutâneo abrupto de púrpura muito exuberante, coloca dificuldades iniciais quanto ao seu diagnóstico.

O alerta para esta vasculite tem como principal objetivo auxiliar o seu reconhecimento precoce, evitando tratamentos, investigação e preocupação desnecessárias. Importante destacar ainda a benignidade, rara recidiva ou complicações e excelente prognóstico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.             Miner I, Vivanco A, Muñoz J.A, Landa J, Albisu Y. Edema agudo hemorrágico del lactante. Revisión bibliográfica. Bol S Vasco-Nav Pediatr. 2004; 37: 13-6.         [ Links ]

2.             Pelajo C, de Oliveira SF. Acute Hemorrhagic Edema of Infancy: a Variant of Henoch – Schonlein Purpura? Rev Bras Reumatol, 2007; 47:69-71.         [ Links ]

3.             Rodrigues F, Coelho S, Moreno A, Salgado M. Edema Agudo Hemorrágico do Lactente. Acta Pediatr. Port. 2004; 35: 14951.         [ Links ]

4.             Cacharrón T, Díaz R, Suárez F, Rodríguez G. Edema hemorrágico agudo del lactante Acute infantile haemorrhagic edema. An Pediatr. 2011; 74:272-3. doi: 10.1016/j.anpedi.2010.10.024.         [ Links ]

5.             Emerich P, Prebianchi P, Motta L, Lucas E, Ferreira L. Edema agudo hemorrágico da infância: relato de três casos. An. Bras. Dermatol. 2011 ; 86: 1181-4. doi: 10.1590/S036505962011000600019.         [ Links ]

6.             Stringa MF, Castro C, Oliveira AD et al. Vasculitis primarias en la infancia. Estudio clínico-epidemiológico. Dermatol Argent 2009;15:411-9.         [ Links ]

 

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Alexandra Pires Pinto
Serviço de Pediatria Hospital de Santa Maria
Centro Hospitalar Lisboa Norte Av. Prof. Egas Moniz,
1649-035 Lisboa
Email: alexandra.r.pinto@gmail.com

Recebido a 10.06.2015 | Aceite a 03.06.2016

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