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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754versión On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.3 Porto set. 2017

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Rabdomiossarcoma do palato mole: um desafio diagnóstico

 

Rhabdomyosarcoma of the soft palate: a diagnostic challenge

 

 

Inês Palma DelgadoI; Isabel CorreiaII; Margarida BoavidaI; Rui Melo CabralIII; Pedro MontalvãoIV; Miguel MagalhãesIV

I Department of Otorhinolaryngology, Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca. 2720-276 Amadora, Portugal. ines_delg@hotmail.com; margarida.boavida@hotmail.com
II Department of Otorhinolaryngology, Centro Hospitalar Lisboa Central. 1169-050 Lisboa, Portugal. isabelmcorreia@gmail.com
III Department of Otorhinolaryngology, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 1449-005 Lisboa, Portugal. prmelocabral@gmail.com
IV Department of Otorhinolaryngology, Instituto Português de Oncologia de Lisboa. 1099-023 Lisboa, Portugal. pmontalvao@gmail.com; mmagalhaes@ipolisboa.min-saude.pt

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: Os Rabdomiossarcomas (RMS) representam 50% dos sarcomas de tecidos moles em idade pediátrica. 1030% dos RMS da cabeça e pescoço têm a sua origem na cavi- dade oral e faringe. Quando estas lesões apresentam um crescimento rápido, atingindo grandes dimensões, podem causar sintomas potencialmente graves.

Caso Clínico: Criança do sexo masculino, de dez anos que recorreu à urgência de Otorrinolaringologia por lesão volumosa do palato mole de crescimento rápido, condicionando odinofagia e disfagia (previamente tratada como lesão inflamatória). Foi submetido a excisão subtotal da lesão, tendo o exame histológico revelado rabdomioma. Após três meses, houve novo crescimento rápido da lesão. Foi realizada nova biópsia excisional com exame extemporâneo compatível com benignidade. O diagnóstico definitivo revelou Rabdomiossarcoma.

Discussão/Conclusões: Os autores demonstram com este caso que o diagnóstico dos RMS pode constituir um desafio. Enfatizam também a importância da orientação precoce e multidisciplinar em crianças com lesões de crescimento rápido.

Palavras-chave: Cirurgia; Crianças; Diagnóstico; Palato mole; Rabdomiossarcoma; Sarcoma


ABSTRACT

Introduction: Rhabdomyosarcoma (RMS) accounts for 50% of all soft tissue sarcomas in children. 10-30% of head and neck RMS have their origin in intraoral and pharyngeal structures. When these lesions grow rapidly reaching a large dimensions they may cause potencially serious symptoms.

Case Report: A ten-years-old boy presented in Otorynolaryngology emergency department with a fast growing large soft palate lesion, causing dyspneia and dysphagia (previously treated as an inflammatory lesion). He was submitted to a partial excision of the lesion and histologic exam revealed rhabdomyoma. After three months a new fast growth of the lesion was seen. A new excisional biopsy was performed and the extemporaneous pathological examination was compatible with a benign lesion. Definitive diagnosis was rhabdomyosarcoma.

Discussion/Conclusion: The authors illustrate that the diagnosis of RMS can be a challenge and emphasizes the importance of urgent reference and multidisciplinar approach in children with any fast growing lesion.

Keywords: Children; Diagnosis; Rhabdomyosarcoma; Sarcoma; Soft palate, Surgery


 

 

INTRODUÇÃO

Os sarcomas em geral são tumores malignos que se originam dos tecidos mesenquimatosos em qualquer local do corpo e re- presentam menos de 1% de todos os casos de malignidade.1,2

O rabdomiossarcoma (RMS) foi inicialmente descrito por Weber em 1854 e representa 6% de todos os tumores malignos pediátricos e 50% de todos os sarcomas em crianças e adolescentes com idade inferior a 15 anos.3,4 Na população pediátrica, a incidência deste tumor é superior em crianças de um a quatro anos, decrescendo depois até à idade adulta.5

O espectro histológico e molecular manifestado pelos RMS, levou a vários sistemas de classificação. Recentemente, a 4ª Edição do World Health Organization Classification of Tumours of Soft Tissue and Bone classifica histologicamente os RMS nos subtipos botrioide, embrionário, fusiforme/esclerosante, alveolar e pleomórfico.6 O subtipo embrionário, representa mais de 70% de todos os casos de RMS e é o mais frequentemente identificado em crianças e na região da cabeça e pescoço.4

Ainda não foram identificados os factores que contribuem para a ocorrência destes tumores malignos. No entanto, existe uma evidência crescente que anomalias genéticas podem ter um papel no seu desenvolvimento.7

As quatro principais localizações dos RMS são: a cabeça e pescoço (35-40%), o trato genitourinário (20%), as extremida des (15-20%) e o tronco (10-15%).4

Os RMS da cabeça e pescoço são anatomicamente divididos em duas categorias: parameníngeos e não parameníngeos.9 Dos 10-30% dos RMS da cabeça e pescoço têm a sua origem na cavidade oral e faringe.1,8 Os RMS orais, em regra, não são parameníngeos, uma vez que não tendem a invadir o sistema nervoso central.5

 

CASO CLÍNICO

Criança do sexo masculino, de dez anos, com antecedentes pessoais de amigdalites de repetição (amigdalectomizado quinze meses antes), que recorreu à urgência de Otorrinolaringologia por aparecimento de pequena lesão junto à úvula, de superficie lisa, não vegetante, com cerca de 0,5 cm. Esta lesão foi tratada como lesão de queimadura. Após duas semanas, a criança foi readmitida na urgência com queixas de dificuldade respiratória e na deglutição. À observação, apresentava grande lesão lobulada, exofítica, ocupando quase a totalidade da orfaringe, com obstrução da via aérea iminente (Figura 1). No dia seguinte, sob anestesia geral, foi submetida a excisão subtotal desta lesão infiltrativa do palato (Figura 2). O exame anatomopatológico foi compatível com rabdomioma. Foi pedida revisão de lâminas, que confirmou o diagnóstico de rabdomioma. Devido à alta suspeição clínica de malignidade, manteve-se um estreito seguimento. Passados três meses, houve novo crescimento rápido do tumor (Figura 3) e o doente foi referenciado para o Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Intraoperatoriamente, verificou-se mar cada infiltração do palato mole pela lesão, optando-se por realizar apenas uma biópsia para nova caracterização histológica (excisão subtotal). (Figura 4) O exame histológico extemporâneo realizado não foi sugestivo de malignidade. O exame definitivo revelou rabdomiossarcoma embrionário, com margens positivas (estadio III). A investigação clínica e imagiológica que se seguiu demonstrou não existir metastização (T1N0M0).

 

 

 

 

 

 

 

 

O doente foi tratado com quimioterapia e radioterapia local de acordo com o protocolo da European Pediatric Soft Tissue Sarcomas Study Group com o esquema IVA (ifosfamida, vincristina e actinomicina) e dose de radiação 41,4Gy, dividida em 23 frações durante quatro semanas e meia.

Doze meses após o fim do tratamento, o doente não apre- senta sinais de recidiva da doença, nem sequelas funcionais pós-cirúrgicas ou pós-radioterapia, apesar de ainda ser cedo, pelo que continua em seguimento.

 

DISCUSSÃO/CONCLUSÃO

O RMS é um tumor maligno do músculo estriado.4 É ubi- quitário nos seus locais de apresentação e subdivide-se em di versos tipos histológicos, que variam entre si na apresentação clínica, padrão de crescimento e prognóstico. 10

Enzinger and Weiss propuseram duas possibilidades histogénicas para os RMS, uma a partir das células primitivas e indi ferenciadas e outra a partir da alteração de células embrionárias do tecido muscular durante fases precoces do desenvolvimento.9 Alterações genéticas, síndromas familiares ou trauma ocasional parecem poder constituir mecanismos indutores do crescimento celular anómalo.4 O doente tinha antecedentes de amigdalectomia. Foi realizada uma técnica “a quente” de disseção extra cap sular, com pinça bipolar. De acordo com a literatura, este traumatismo local não tem sido considerado com fator predisponente.

Os sinais e sintomas de apresentação são influenciados pelo local de origem, idade do doente e presença/ausência de me tástases à distância.1

Na cavidade oral, os locais mais afetados são a língua, o palato e a mucosa bucal.4 Quando estes tumores apresentam um crescimento rápido, podem causar sintomas como tosse, disfagia e dispneia, incluindo obstrução aguda da via aérea.11 Habitualmente são indolores.3 No caso reportado, a criança apresentava uma lesão que rapidamente atingiu dimensões consideráveis e se tornou sintomática. A aparência clínica destas lesões pode exibir uma superfície lisa ou lobulada, por vezes, botrioide ou em cacho de uva, tal como neste caso.1

O osso não constitui uma barreira ao crescimento do tumor, sendo por isso frequente a invasão óssea nos RMS da cabeça e pescoço. Os locais mais comuns de metastização são o pulmão, gânglios linfáticos e medula óssea.4

É sabido desde a década de 70 que a suspeita de lesões infecciosas/inflamatórias constitui uma importante causa no atraso diagnóstico dos RMS.12

Neste doente o diagnóstico foi atrasado três meses porque inicialmente esta lesão foi assumida como inflamatória e, poste riormente, pelo resultado histológico que apontava para uma lesão benigna (rabdomioma). O diagnóstico definitivo é baseado na evidência histológica de miogénese no tumor, incluindo mioblastos gigantes ou multinucleados. No entanto, o RMS é frequen temente pouco diferenciado e pode exibir características ines pecíficas semelhantes a outros tumores embrionários. Por este motivo, tal como no diagnóstico clínico, o diagnóstico histológico pode ser por vezes delicado, sendo normalmente necessários métodos complementares de diagnóstico mais específicos.1,3

A abordagem terapêutica dos RMS é multidisciplinar.1 As indicações para o tratamento são aplicadas dependendo da lo calização do tumor, tamanho, subtipo histológico, estadiamento e estratificação de risco.10

O RMS oral pode ser tratado com cirurgia radical, desde que não haja qualquer morbilidade, seguida de quimioterapia múltipla. Dependendo do grupo de risco do caso em concreto e da resposta à quimioterapia, a radioterapia pode também ser necessária para a cura do doente.1,10

Devido à natureza invasiva dos RMS, a resseção completa é muitas vezes difícil. Os avanços recentes na quimioterapia e radioterapia têm permitido alcançar uma remissão completa na maioria dos casos de resseção incompleta, evitando assim cirurgias mutilantes (reservadas apenas para os casos de tumores não responsivos).1

Em idade pediátrica, os agentes quimioterápicos mais utilizados no tratamento dos RMS são: vincristina, ciclofosfamida, actinomicina-D, doxorubicina, ifosfamida e etoposido.

O tratamento e o prognóstico dependem de diversos fatores, como a idade, localização, ressecabilidade, histologia, alterações moleculares e grupo de risco, devendo o tratamento ser orientado de acordo com protocolos cooperativos multicêntricos internacionais.1,3,4,13,14

A localização parameníngea, a excisão incompleta, a fraca resposta à quimioterapia, a idade superior a dez anos, o atraso no diagnóstico e a falta de cooperação dos doentes e da família, são reportados na literatura como fatores com impacto negativo no prognóstico.1,14

O tipo histológico embrionário e a translocação PAX7-FKHR conferem um prognóstico mais favorável.1,5

Com tratamento multidisciplinar de acordo com protocolos multicêntricos cooperativos, a sobrevivência global aos cinco anos para os RMS orais é aproximadamente de 85%.1

No caso descrito, o RMS foi classificado como sendo do subtipo embrionário, não parameníngeo, e durante as investigações não houve evidência de metastização. Após cirurgia com excisão subtotal da lesão, o tratamento pós-operatório com quimioterapia e radioterapia levou à remissão completa.

O presente caso ilustra a dificuldade em obter, por vezes, um diagnóstico correto e atempado nos doentes com RMS. Perante lesões de crescimento rápido, um alto grau de suspeição diagnóstica e orientação precoces para um centro de referência oncológico, bem como revisão de resultados histológicos nes tes centros (mesmo no caso de biópsias sem evidência de ma lignidade), são necessários para um bom resultado oncológico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CORRESPONDENCE TO
Inês Delgado
Department of Otorhinolaryngology
Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca IC19, 2720-276 Amadora
Email: ines_delg@hotmail.com

Received for publication: 30.08.2016 Accepted in revised form: 06.12.2016

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