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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754versión On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.4 Porto  2017

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Doença de Behçet – um desafio diagnóstico numa adolescente

 

Behçet’s disease– A difficult disease in terms of diagnosis in an adolescent patient

 

 

Helena FernandesI; Conceição Santos SilvaII; Gabriela CasanovaI; Ana Catarina PeixotoI

I  General and Family Medicine, Unidade de Saúde Familiar do Mar, Agrupamento dos Centros de Saúde Grande Porto IV, Póvoa de Varzim/Vila do Conde. 4480-807 Vila do Conde, Portugal. helenafernandes25@gmail.com; gabrielacasanova@usfdomar.com; catarinapeixoto@usfdomar.com
II Department of Pediatrics, Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, 4490-421 Póvoa de Varzim, Portugal. mcss1963@gmail.com

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: A Doença de Behçet (DB) é uma vasculite multissistémica, de diagnóstico apenas clínico, e rara em idade pediátrica.

Caso Clínico: Adolescente de 17 anos com úlceras aftosas orais de repetição desde há quatro anos, sem outros sinais ou sintomas associados. Hipóteses diagnósticas como infecções, hipovitaminoses, alergia alimentar e doença celíaca foram excluídas. O diagnóstico de DB foi também ponderado, tendo realizado teste de patergia, com resultado negativo. Aos 16 anos, a doente apresenta lesões papulopustulares mentonianas, indistinguíveis de acne vulgar, e aos 17 anos, um episódio de úlceras genitais. Foi referenciada a Reumatologia pediátrica e, perante um provável diagnóstico de DB, iniciou colchicina oral, com redução do número e da recorrência das úlceras aftosas orais.

Discussão: A adolescente poderá apresentar critérios suficientes para se diagnosticar DB. Este caso exemplifica a importância do acompanhamento contínuo dos doentes, realça o carácter insidioso de algumas doenças reumáticas e a dificuldade de diagnosticar DB em idade pediátrica.

Palavras-chave: Diagnóstico; doença de Behçet; tratamento


ABSTRACT

Introduction: Behçet’s disease (BD) is a chronic multisystem disorder. The diagnosis is made only by using diagnostic criteria and children are rarely affected.

Case report: A 17-years-old adolescent with recurrent oral aphthous ulcers since 13 years of age, without any other symptoms. Differential diagnoses such as infections, hypovitaminosis, food allergy and celiac disease were excluded. In order to diagnose Behçet’s disease, the pathergy test was done and it was negative. At the age of 16, the adolescent developed facial papulopustules and acneiform nodules, undistinguishable from acne, and at 17 years of age, she developed a genital aphthous ulceration. The patient was sent to a pediatric rheumatology physician, and, considering a likely BD, started a treatment with oral colchicine, with reduction of the number and recurrence of oral aphthous ulcers. This patient has clinical criteria to be diagnosed with BD.

Discussion: This clinical report is a reminder of how important it is to continuously follow patients because of the insidious character of some diseases, including rheumatic, and highlights that BD can be hard to diagnosis in the paediatric population.

Keywords: Behçet’s disease; diagnosis; therapeutics


 

 

INTRODUÇÃO

A Doença de Behçet (DB) é uma vasculite multissistémica, que é mais prevalente em populações residentes ao longo da histórica Rota da Seda, que se estende da Ásia Oriental à bacia do Mediterrâneo, daí ser conhecida também como a Doença da Rota da Seda.1-4 As causas da DB permanecem desconhecidas. Vários agentes têm sido apontados na literatura incluindo agentes infecciosos, mecanismos imunológicos e genéticos.5 Classicamente, a DB tem um pico de incidência na terceira década de vida, sendo pouco frequente em idade pedi átrica, com uma prevalência descrita de 3.3 a 26%.3-5

O diagnóstico assenta apenas em critérios clínicos, não havendo características histológicas, laboratoriais (incluindo genéticas) ou imagiológicas específicas. O diagnóstico faz-se de acordo com a classificação proposta em 2015 com critérios para DB em idade pediátrica, segundo os quais são necessários três dos seis critérios seguintes para se fazer o diagnóstico: três ou mais episódios de úlceras aftosas orais por ano; ulceração genital, tipicamente com cicatriz; envolvimento cutâneo, sob a forma de foliculite necrótica, lesões acneiformes ou eritema nodoso; lesões oftalmológicas, com uveíte anterior ou posterior ou vasculite retiniana; sinais neurológicos e sinais vasculares, tais como: trombose venosa ou arterial ou aneurisma arterial.6 Nem todos os doentes com DB necessitarão de tratamento, sendo que este dependerá da gravidade e prognóstico da doença, e do envolvimento orgânico.7 Opções terapêuticas serão agentes imunossupressores tópicos, tais como a colchicina e corticosteróides, anti-inflamatórios orais não esteróides e esteróides, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, inibidores do TNF-α (tumor necrosis factor alpha) e agentes biológicos. O tratamento tem como objectivo controlar as lesões, reduzir ou eliminar exacerbações e evitar danos irreversíveis, incluindo lesões oculares, cardiovasculares ou neurológicas.8

A DB é uma doença crónica, de curso incerto, com uma evolução entre surtos e remissões, e de prognóstico muito variável entre os doentes.3

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Adolescente de 17 anos, pertencente a uma família nuclear, na fase V do ciclo de Duvall, com antecedentes pessoais de amigdalectomia aos quatro anos e simpatectomia laparoscópica cervical bilateral aos 16 anos por hiperhidrose palmar essencial. A adolescente apresenta uma história de úlceras orais de repetição desde os 13 anos de idade, com cerca de dois a três episódios por ano. Vários tratamentos tópicos com colutórios e corticóides, bem como tratamentos sistémicos com polivitamínicos, foram tentados, sem melhoria clínica. Foi realizado estudo analítico com hemograma, função renal, ionograma e serologias para EBV, CMV, VHS I,II, VIH 1 e 2, doseamento de vitamina B12 e ácido fólico, multiteste para alimentos pediátricos, doseamento de Imunoglobulinas (Ig A, G, M, E) e anticorpos antigliadina (Ig A) antitransglutaminase (Ig A, Ig G),  que não revelaram alterações. Desta forma, foram excluídas algumas hipóteses diagnósticas entretanto colocadas, como alergia alimentar, doença celíaca e deficiência vitamínica. A pensar na eventualidade de se tratar de Doença de Behçet, foi realizado o teste de patergia, que se revelou negativo, uma vez que à data do caso clínico ainda vigoravam os critérios diagnósticos internacionais de 2014 para a DB, que incluíam o teste de patergia positivo como um dos critérios de diagnóstico.9 Apesar de assintomática, a adolescente foi referenciada à consulta de oftalmologia para exclusão de lesões oftalmológicas, um dos critérios de diagnóstico de DB, sem confirmação das mesmas.

A partir dos 16 anos passou a desenvolver episódios repetidos de foliculite na região facial, bem como lesões papulopustulares na região do mento, não sendo possível distingui-las da acne vulgar. Aos 17 anos teve um episódio único de úlceras genitais, sem cicatriz subsequente.

Excluída uma infecção sexualmente transmissível e, perante a suspeita clínica de DB, foi enviada à consulta de Reumatologia Pediátrica, tendo sido instituída terapêutica com colchicina oral, uma das opções terapêuticas da DB, na dose 1,5mg/dia, com redução do número e da recorrência das úlceras aftosas orais.

 

DISCUSSÃO

A adolescente do caso clínico apresentou pelo menos dois dos critérios diagnósticos de DB em idade pediátrica. As lesões papulopusturares são indistinguíveis da acne vulgar, típica desta faixa etária. No caso de serem consideradas do tipo acneiforme, e em conjunto com o eventual episódio de foliculite, a adolescente passará, então, a apresentar o terceiro critério necessário para se estabelecer o diagnóstico. A terapêutica instituída teve em conta este pressuposto, apresentando a doente, à data, uma diminuição franca do número e da recorrência das úlceras orais.

O caso descrito exemplifica a importância do acompanhamento contínuo adequado dos doentes ao nível dos cuidados de saúde primários e secundários, realça o carácter insidioso de algumas doenças reumáticas, e constitui um exemplo da dificuldade de diagnosticar DB em idade pediátrica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Borlu M, Ukşal Ü, Ferahbaş A, Evereklioglu C. Clinical features of Behçet’s disease in children. Int J Dermatol. 2006; 45:713-6.         [ Links ]

2. Davatchi F, Shahram F, Chams-Davatchi C, Shams H, Nadji A, Akhlaghi M, et al. How to deal with Behcet’s disease in daily practice. Int J Rheum Dis. 2010; 13:105-16.         [ Links ]

3. Neves FdS, Moraes JCBd, Gonçalves CR. Síndrome de Behçet: à procura de evidências. Rev Bras Reumatol. 2006; 46:21-9.         [ Links ]

4. Piram M, Koné-Paut I. Maladie de Behçet de l’enfant. Rev Med Interne. 2014; 35:121-5.         [ Links ]

5. Ozen S, Eroglu FK. Pediatric-onset Behçet disease. Curr Opin Rheumatol 2013; 25:636-42.         [ Links ]

6. Koné-Paut I. Behçet’s disease in children, an overview. Pediatric Rheumatology 2016; 14:10.         [ Links ]

7. Hatemi G, Silman A, Bang D, Bodaghi B, Chamberlain AM, Gul A, et al. EULAR recommendations for the management of Behçet disease. Ann Rheum Dis. 2008; 67:1656-62.         [ Links ]

8. Comarmond C, Wechsler B, Cacoub P, Saadoun D. Traitement de la maladie de Behçet. Rev Med Interne. 2014; 35:126-38.         [ Links ]

9. Yazici H, Yazici Y. Criteria for Behçet’s disease with reflections on all disease criteria. J Autoimmun. 2014; 48-49:104-7.         [ Links ]

 

 

CORRESPONDENCE TO

Helena Fernandes
General and Family Medicine
Unidade de Saúde Familiar do Mar,
Agrupamento dos Centros de Saúde Grande Porto IV,
Rua Dr. António José de Sousa Pereira,
4480-807 Vila do Conde
Email: helenafernandes25@gmail.com

Received for publication: 12.09.2016 Accepted in revised form: 27.12.2016

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