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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754versión On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.4 Porto  2017

 

CASE REPORTS | CASOS CLÍNICOS

 

Hemangioma congénito rapidamente involutivo – um diagnóstico infrequente

 

Rapidly involuting congenital haemangioma – uncommon diagnosis

 

 

Andreia A. MartinsI; Marlene AbreuII; Paula NoitesIII; Marta TeixeiraIV

I Department of Pediatrics, Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos. 4464-513 Senhora da Hora, Portugal. andreiaamartins87@gmail.com
II Department of Neonatology and Pediatric Intensive Care, Hôpitaux Universitaires Genève. 1205 Genève, Switzerland. marleneaabreu@hotmail.com
III Department of Neonatology, Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos. 4464-513 Senhora da Hora, Portugal. paulanoites@gmail.com
IV Department of Dermatology, Hospital Privado da Boa Nova, Trofa Saúde Hospital em Matosinhos. 4455-421 Matosinhos, Portugal. martateixeira.derma@gmail.com

Correspondence to

 

 


RESUMO

Os hemangiomas congénitos rapidamente involutivos (RICH) são tumores vasculares raros, que se caraterizam por um desenvolvimento completo ao nascimento e por uma regressão, habitualmente total e espontânea, entre seis a dezoito meses. O diagnóstico é clínico, por vezes auxiliado por exames de imagem e biópsia. Descreve-se o caso de um recém-nascido de termo, fruto de uma gestação vigiada com ecografias obstétricas sem alterações, que apresentava ao nascimento, na face anterior da coxa esquerda, uma massa de 5x4,5cm, mole, depressível, acinzentada, com algumas telangiectasias periféricas e halo periférico esbranquiçado, sem frémito palpável ou ulceração. Hemodinamicamente estável, sem trombocitopenia. A ecografia e a ressonância magnética apoiaram a suspeita clinica de RICH, que foi corroborada imunohistologicamente. Após 15 meses verificou-se regressão espontânea e completa do tumor. O conhecimento da clínica, evolução e prognóstico deste raro hemangioma é fundamental para o diagnóstico e seguimento adequados, evitando intervenções desnecessárias, assim como para tranquilização dos cuidadores.

Palavras-chaves: Congénito; hemangioma; recém-nascido; tumor vascular


ABSTRACT

Rapidly involuting congenital hemangiomas (RICH) are rare vascular tumors which are characterized for being fully developed at birth and involute completely and spontaneously within six to eighteen months. The diagnosis is mostly achieved by history and physical examination, sometimes aided by imaging studies and biopsy. It is described the case of a term newborn, from a surveilled pregnancy with normal prenatal ultrasounds, who presented at birth a mass of 5x4.5cm on the anterior surface of the left thigh that was soft, compressible, grayish, with some peripheral telangiectasia and pale peripheral halo, without palpable thrill or ulceration. Hemodynamically stable, without thrombocytopenia. The ultrasound and magnetic ressonance image suggested the clinical suspicion of RICH, which was supported by immunopathology. After 15 months there was a complete and spontaneous regression of the tumor. Knowledge of the clinical presentation, evolution and prognosis of this rare hemangioma is crucial for the diagnosis and appropriate follow-up, avoiding unnecessary clinical interventions, and providing reassurance of caregivers.

Keywords: Congenital; haemangioma; neoplasm vascular; newborn


 

 

INTRODUÇÃO

Os hemangiomas são os tumores vasculares mais comuns na infância, assumindo o hemangioma da infância um lugar de destaque.1 Contrariamente a este, os hemangiomas congénitos são um subtipo raro,1-4 correspondem a cerca de 1% do total dos hemangiomas, encontram-se totalmente desenvolvidos ao nascimento e não apresentam fase de crescimento pós-natal.1,4,5 De acordo com a sua evolução pós-natal, podem ser classificados em hemangioma congénito não involutivo (NICH) e hemangioma congénito rapidamente involutivo (RICH).1-5

O RICH, como o próprio nome indica, apresenta uma rápida regressão, habitualmente completa, em seis a dezoito meses.3-5 O seu diagnóstico é clínico baseado nas caraterísticas morfológicas e evolutivas.2 No entanto, em caso de dúvida diagnóstica é necessário recorrer a exames complementares (ecografia, ressonância magnética, biópsia).2,5-8 Apesar de raro, pode estar associado a trombocitopenia e/ou coagulopatia transitórias e insuficiência cardíaca.3-7,9 A orientação de um RICH deve ser individualizada e requer uma abordagem multifactorial.2-4,6,10

 

CASO CLÍNICO

Recém-nascido (RN) de termo, do género masculino, fruto de uma gestação gemelar monocoriónica biamniótica, vigiada, com ecografias obstétricas sem alterações. Nascimento por cesariana, devido a antecedentes maternos de cesarianas prévias, sem intercorrências e com boa adaptação neonatal à vida extra-uterina. No exame objectivo ao nascimento apresentava na face anterior do terço médio da coxa esquerda uma massa de 5x4,5 cm (Figura 1), mole, depressível, acinzentada, com algumas telangiectasias periféricas e halo periférico esbranquiçado (Figura 2), sem frémito palpável ou ulceração. Restante exame objetivo sem alterações. Para vigilância clínica e orientação diagnóstica foi internado na Unidade de Cuidados Intermédios Neonatais.

 

 

 

 

Durante o internamento manteve-se sempre clínica e hemodinamicamente estável. O ecocardiograma era normal e o hemograma excluiu trombocitopenia. A ecografia de partes moles da coxa esquerda revelou uma lesão de ecogenicidade intermédia com múltiplas estruturas vasculares, que foi posteriormente melhor caraterizada por ressonância magnética (RM) como uma lesão expansiva grosseiramente discóide com 5cm de diâmetro crâniocaudal, por 4,5cm de diâmetro coronal e 1,8cm de diâmetro sagital, hipointensa em T1 e hiperintensa em T2, com imagem de estrutura vascular predominante intralesional, sem sinais de infiltração macroscópica. Foi solicitada a colaboração de Dermatologia Pediátrica, que colocou a hipótese diagnóstica de hemangioma congénito, mais propriamente RICH, tendo alta para o domicílio sob vigilância clínica em consulta externa de Dermatologia e Neonatologia.

Na reavaliação, um mês após a alta, a massa apresentava uma tonalidade mais esbranquiçada, mas sem diminuição do tamanho ou outras alterações morfológicas. Pela persistência do mesmo aspeto morfológico após 2 meses de evolução foi decidido efetuar biópsia. A análise histológica revelou proliferação vascular de capilares, formando lóbulos por vezes anastomosados ou separados por áreas de fibrose, e a imunohistoquimica evidenciou reatividade negativa aos transportadores de glicose 1 – GLUT1, dados compatíveis com hemangioma congénito.

No seguimento a longo prazo objetivou-se uma regressão progressiva da massa, com involução completa aos 15 meses, confirmando assim o diagnóstico de RICH, apresentando algum grau de atrofia e pele redundante no local da lesão (Figura 3).

 

 

 

DISCUSSÃO

Os hemangiomas congénitos são tumores vasculares infrequentes, cuja fase proliferativa ocorre exclusivamente in-útero.5,10 Deste modo, e tal como no presente caso clínico, estes hemangiomas estão totalmente desenvolvidos ao nascimento, não apresentando fase de crescimento pós-natal, o que os diferencia dos hemangiomas da infância.5,10 Presentes em ambos os sexos, no caso do NICH mais comum no sexo masculino, localizam-se preferencialmente, como lesões solitárias, na cabeça, pescoço e membros.2-5,8,10,11 Atualmente, com o desenvolvimento tecnológico da ecografia obstétrica, é possível em alguns casos, sobretudo quando os hemangiomas se localizam na cabeça, estabelecer o diagnóstico no período pré-natal.9-11

Alguns destes tumores vasculares involuem espontânea e rapidamente – RICH. Outros, menos comuns, não involuem e acompanham o crescimento da criança – NICH.2,5,9 Apesar da diferenciação clínica destes dois tipos de hemangiomas se estabelecer de acordo com as caraterísticas evolutivas pós-natais, o seu aspecto morfológico poderá sugerir a distinção.5 Os NICH habitualmente apresentam-se sob a forma de placa ou tumefação pouco elevada, de consistência dura e tipicamente mais quente que a pele envolvente, de dimensões variáveis, redonda ou oval, violácea ou rosa, recoberta por telangiectasias espessas e proeminentes.2,9-10  A maioria dos RICH, por sua vez, podem ser classificados em três variantes morfológicas: lesão plana violácea com infiltração subcutânea ou dérmica profunda; tumefação elevada, mole, cor vermelho-púrpura, por vezes com telangiectasias espessas à superfície ou na periferia; e por último, e tal como no caso descrito, tumefação elevada, mole, acinzentada, com várias telangiectasias de pequenas dimensões e halo periférico esbranquiçado.2,5,10 Ocasionalmente a lesão pode apresentar um sopro audível e/ou um frémito palpável.10

A maioria dos RICH podem ser diagnosticados pela história clinica e exame objetivo.2-11 No entanto, no seu diagnóstico diferencial incluem-se o angioma em tufos, o hemangioendotelioma kaposiforme, bem como outras massas e neoplasias que podem simular um hemangioma (angiossarcoma, fibrossarcoma, rabdomiossarcoma, neurofibroma e teratoma).1,3,4,6,8,9 Deste modo, quando o diagnóstico não é claro, é mandatório recorrer a exames complementares de diagnóstico, nomeadamente ecografia, ressonância magnética (RM) e biópsia.2,5-8-10 No caso dos RICH, tal como no presente caso, geralmente a ecografia evidencia uma estrutura heterogénea difusamente vascularizada e a RM uma estrutura heterogénea, hipointensa em T1 e hiperintensa em T2.2,6,8,9 Na RM a ausência de limites bem definidos e a presença de maior quantidade de gordura auxiliam no diagnóstico diferencial com hemangioma da infância.9 Histologicamente observa-se lobularidade com estroma fibrótico, depósitos de hemossiderina, trombose focal e esclerose dos capilares lobulares, número reduzido de mastócitos e capilares em proliferação com paredes espessas.2,4,5,9,10

Tipicamente a imunohistoquímica revela ausência de reatividade aos antigénios GLUT1, o que os distingue do hemangioma da infância.1-11 No caso clínico descrito, as dimensões da lesão não tranquilizaram a equipa de Neonatologia, pelo que foram efetuados exames de imagem (ecografia e RM), que se revelaram compatíveis com uma lesão tipo hemangioma, o que juntamente com as características morfológicas colocou o RICH como a hipótese diagnóstica mais provável.

Os RICH habitualmente começam a involuir dias a semanas após o nascimento.9 A involução pode manifestar-se por alteração da coloração, descamação, formação de crostas e regressão das dimensões.2 Quando as lesões são firmes ou não apresentam sinais de involução, pode ser difícil, mesmo após exames de imagem, diferenciá-los de tumores mais graves tais como fibrossarcoma congénito, sendo recomendado nestas situações a realização precoce de biópsia.2,3,9 No caso apresentado, dada a ausência de involução em dois meses, optou-se por avançar para este procedimento, tendo a análise histológica e a imunohistoquímica sido compatíveis com o diagnóstico inicial. À semelhança do caso descrito, os RICH habitualmente regridem espontânea e completamente até aos dezoito meses, embora com algum grau de atrofia ou redundância da pele local.2-10 Como sequelas pós-involutivas, pode ainda persistir uma alteração da textura ou tonalidade da pele, telangiectasias, veias, alopécia e cicatriz superficial.2,6,9-10 Numa pequena proporção de crianças, a involução pode ser rápida numa fase inicial mas permanecer incompleta, deixando uma lesão vascular com telangiectasias espessas superficiais e um halo periférico azulado, tornando-se indistinguível de um NICH.2,9 Menos comum, e mais recentemente, têm sido descritos casos de RCIH com regressão in-útero.12

As principais complicações dos RICH são a ulceração e a hemorragia.2-10 Segundo alguns autores, apesar de raro, os RN com RICH podem desenvolver nos primeiros dias de vida trombocitopenia, coagulopatia, (com hipofibrinogenemia) e insuficiência cardíaca.2,4-6,9-11 A trombocitopenia geralmente é ligeira e transitória, sendo mais comum na presença de hemangiomas com mais de cinco centímetros, recomendando-se nestas situações a realização de um hemograma com contagem de plaquetas.3,4,6,9 A coagulopatia, também ligeira e transitória, ocorre sobretudo na presença de hemangiomas de grandes dimensões, sugerindo alguns autores a realização de um estudo da coagulação perante estas lesões.9,11 Ao nascimento ou nos primeiros dias de vida, os RN podem ainda apresentar sinais de insuficiência cardíaca congestiva que, apesar de raro, é mais comum na presença de hemangiomas de grandes dimensões, definido por alguns autores como mais de sete centímetros, sendo recomendada vigilância hemodinâmica rigorosa.2-11 No presente caso, atendendo às dimensões do hemangioma realizou-se um hemograma com contagem de plaquetas que exclui trombocitopenia e, apesar de ausência de sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva, efetuou-se um ecocardiograma que não revelou alterações.

A conduta terapêutica de um RICH deve ser baseada numa abordagem multifactorial.2-11 Na presença de um RICH típico sem complicações associadas a atitude terapêutica é conservadora, sendo recomendada uma vigilância mensal em ambulatório.9 Na presença de complicações locais ou sistémicas poderá ser necessária uma intervenção multidisciplinar. Como estratégias terapêuticas salientam-se os corticóides sistémicos e a embolização, cuja utilização deve ser individualizada.5,11 A intervenção cirúrgica está indicada na presença de ulceração persistente, lesões sangrantes, instabilidade hemodinâmica e trombocitopenia, que não respondam à terapêutica médica. Por volta dos quatros anos de idade é recomendada a correção cirúrgica da pele redundante pós-involução.2,3,5,7,9

Apesar de se tratar de um diagnóstico infrequente, é fundamental que os Neonatologistas e Pediatras saibam reconhecer estas lesões que, apesar de poderem apresentar dimensões consideráveis, são benignas e com tendência involutiva, fatores prognósticos importantes para a tranquilização dos cuidadores.

 

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CORRESPONDENCE TO

Andreia A. Martins
Department of Pediatrics
Hospital Pedro Hispano
Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Rua Dr. Eduardo Torres,
4464-513 Senhora da Hora
Email: andreiaamartins87@gmail.com

Received for publication: 08.11.2016 Accepted in revised form: 29.12.2016

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