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Nascer e Crescer

versión impresa ISSN 0872-0754versión On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.31 no.2 Porto jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.25753/birthgrowthmj.v31.i2.27533 

Articles

A constelação CDG

1.Medical Genetics Department. Centro Hospitalar Universitário de São João. 4200-319 Porto, Portugal. pjplouro@gmail.com


Desde que o Prof. Jaak Jaeken e seus colegas descreveram pela primeira vez os defeitos congénitos da glicosilação (CDGs) em 1980, mais de 140 tipos foram identificados até ao momento.1,2 E, embora provavelmente não haja tantos CDGs quanto estrelas há no céu, esta família de doenças tornou-se vasta e, de certa forma, difícil de apreender. Tanto mais que a sua prevalência exata ainda está por estabelecer.

Como Mendes et al. reviram na edição anterior desta revista, os CDGs são um grupo de doenças genéticas, geralmente multissistémicas, fenotipica e genotipicamente heterogéneas, e habitualmente classificadas em quatro categorias: defeitos de N-glicosilação, defeitos de O-glicosilação, defeitos combinados da glicosilação e defeitos da biossíntese dos lípidos e da âncora glicosilfosfatidilinositol (GPI).2 A maioria dos CDGs são doenças autossómicas recessivas, mas algumas apresentam hereditariedade autossómica dominante ou ligada ao cromossoma X.

As manifestações multissistémicas dos CDGs podem ser explicadas pela importância das vias de N-glicosilação, O-glicosilação e biossíntese da âncora GPI. Como Mendes et al. explicaram na sua revisão, a glicosilação das proteínas e lípidos é omnipresente e fisiologicamente essencial.2

Quase todos os CDGs têm manifestações neurológicas. Outras manifestações incluem distribuição anormal de gordura, envolvimento do tecido conjuntivo, doença hepática, coagulopatia, hipoglicemia hiperinsulinémica, cardiomiopatia, displasia esquelética e imunodeficiência. Dado o amplo espectro fenotípico e a miríade de sintomas reportados, a hipótese de CDG deve ser considerada em todos os doentes com história clínica não explicada, nomeadamente naqueles com manifestações multissistémicas.

A focagem isoelétrica da transferrina sérica deve ser o primeiro passo no rastreio, mas nem um resultado positivo confirma o diagnóstico nem um resultado negativo o exclui. Ainda assim, é uma ferramenta fenotípica importante.

Como referido por Mendes et al., o estudo genético é o exame diagnóstico mais específico.2 Aliás, à medida que a sequenciação de nova geração está cada vez mais disponível, a abordagem diagnóstica vai transitando da clássica “fenótipo-para-genótipo” para uma abordagem “genótipo-para-fenótipo” / “fenotipagem reversa”. No entanto (e vale a pena dizê-lo), apesar do nosso genoma ser supostamente finito, a sequenciação do exoma, por si só, “espalha” continuamente variantes de significado clínico desconhecido, do laboratório às Unidades de Doenças Hereditárias do Metabolismo e aos Serviços de Genética Médica. Um enorme desafio.

Felizmente, o esforço diagnóstico parece estar a dar os seus frutos. Por enquanto, apenas alguns tipos de CDG têm um tratamento específico, mas o cenário está a mudar (embora não tão rapidamente quanto desejaríamos). A terapia de substituição de substrato de manose-1-fosfato está atualmente a ser investigada para o tratamento de PMM2-CDG. As chaperonas farmacológicas também são uma opção promissora. A terapia genética é provavelmente o futuro (mas, em larga medida, ainda está no futuro). Talvez a combinação de tratamentos seja uma potencial solução (como já sugerido para outras doenças hereditárias do metabolismo).

Um diagnóstico etiológico correto também permite um aconselhamento genético adequado e que os familiares em risco de serem doentes ou portadores possam ser testados. Se dado CDG apresentar uma hereditariedade autossómica recessiva, pode ser realizado estudo do gene específico nos companheiros dos portadores, permitindo assim ao casal conhecer o risco de doença na sua descendência. O teste genético pré-implantação (PGT) e o diagnóstico pré-natal são tecnicamente possíveis, mas o seu acesso pode ser difícil, especialmente ao PGT.

Uma vez que o prognóstico a longo prazo é difícil de prever, os pacientes com CDG irão necessitar de acompanhamento multidisciplinar ad aeternum. Apesar deste apoio, a morbilidade e a mortalidade são elevadas.

Há ainda a ressalvar que mesmo o acesso ao diagnóstico e tratamento é frequentemente desigual e apresenta várias limitações. Cabe às sociedades médicas, investigadores e grupos de doentes defender um melhor conhecimento e financiamento, assim como uma colaboração mais forte. Neste aspeto, a consciencialização é fundamental.

References

1. Jaeken J, van Eijk HG, van der Heul C, Corbeel L, Eeckels R, Eggermont E. Sialic acid-deficient serum and cerebrospinal fluid transferrin in a newly recognized genetic syndrome. Clin Chim Acta 1984;144(2-3):245-7. [ Links ]

2. Mendes AR, Quelhas D, Correia J, Paiva-Coelho M, Bandeira A, Martins E. Congenital disorders of glycosylation. Nascer e Crescer 2022;31(1):38-54. [ Links ]

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