Introdução

O trabalho ocupa uma centralidade reconhecida na vida humana, nas sociedades contemporâneas industrializadas (^{Azevedo, 2016}a; ^{Harpaz e Fu, 2002}; ^{Morin, 2004}; MOW, 1987; ^{Sainsaulieu, 2001}), interagindo de modo relevante com a construção da identidade e com a perceção de realização dos sujeitos, designadamente, de líderes em organizações empresariais. Para além de um tempo físico de permanência frequentemente elevado, a esfera do trabalho agrega tempos mentais e emocionais acrescidos, abrangendo um amplo “espaço” vital das pessoas, considerando os seus estados psicoemocionais, assim como os seus processos de socialização, no quotidiano. Partilhando o reconhecimento da importância de conhecer e refletir sobre os significados atribuídos a trabalhar (MOW, 1987) e, de entre estes, aqueles que são valorizados no entendimento do trabalho como relevante - meaningful work - apresenta-se um estudo exploratório desenvolvido em Portugal, entre setembro de 2014 e junho de 2016, centrado (i) na identificação dos fatores privilegiados para um trabalho com significado relevante, (ii) na identificação dos fatores valorizados no âmbito do sentido de vida e (iii) na análise das respetivas relações de correspondência e divergência. O estudo incidiu numa população de 43 profissionais com funções de liderança em empresas portuguesas de grande dimensão - administradores e diretores executivos -, considerando os desafios e situações de incerteza com que se deparam no seu exercício profissional, bem como as possibilidades e impactos que poderão assumir na formulação de novas respostas e ações de mudança. Apresentam-se os resultados e as principais conclusões, a par da reflexão sobre pistas para análise, à luz da relevância da temática, que se entende crescente e marcante na atualidade.

1. Trabalho com Significado e Sentido de Vida

O trabalho possui uma multiplicidade de significados, de acordo com as interpretações dos sujeitos, ancorados nas suas vivências, e interinfluência com os contextos envolventes. No estudo realizado, não se pretendeu captar essa miríade, mas sim os significados mais fortemente associados ao entendimento do trabalho como especialmente significante, para os líderes participantes. Para este propósito, foi definido o conceito de trabalho com significado como o que abrange fatores relativos ao exercício profissional reconhecidos como positivamente importantes e desejados para a realização da pessoa, nas suas várias vertentes. Desde o desenho da pesquisa, com o objetivo de integrar os significados a identificar - no entendimento de um trabalho com significado, ou meaningful work -, e posicioná-los num contexto mais amplo e também significativo, de vida, definiu-se o conceito de sentido de vida, considerando que inclui aspetos assumidos como de significado relevante, congruente e pretendido para a realização da pessoa na sua vida global, em harmonia nas suas várias dimensões e relações. Não obstante o caráter central e estruturante que o trabalho assume na vida, os profissionais são seres humanos numa vivência integral e que inclui diferentes esferas, a considerar. Assim, desde a ilustração de caminhos através dos quais o trabalho com significado relevante é construído e mantido1 (^{Rosso, Dekas e Wrzesniewski, 2010}), ao estudo de interações entre o desenho funcional pelas organizações e o papel ativo dos profissionais na modelação e atribuição de significado à sua experiência de trabalho - jobcrafting - (^{Berg, Dutton, e Wrzesniewski, 2013}), observa-se a relevância da atribuição de sentido, inclusive como uma necessidade e motivação profunda do ser humano (^{Frankl, 2012}; ^{Morin, Tonelli e Pliopas, 2007}). Efetivamente, uma motivação decisiva, numa vertente espiritual - além das vertentes racional e emocional - e que importa ser considerada pelas organizações na definição das suas estratégias e processos de gestão (^{Rego, Cunha e Souto, 2007}). Numa era pós globalização, de mudanças, inclusive de mentalidades, poderão os líderes agir na reorganização e implementação de melhorias com impacto numa revalorização do trabalho, do seu significado e na qualidade de vida para as pessoas, bem como na eficácia organizacional (Morin, 2001; 2004).

2. Da Centralidade aos Significados do Trabalho

O trabalho é reconhecido como uma das atividades mais centrais e estruturantes da vida das pessoas, nas sociedades industriais da atualidade. Para tal contribui a preponderância do tempo físico de permanência e de dedicação mental e emocional que afeta, quando considerada a vida humana na sua globalidade. Constituindo-se como um meio de fornecimento de recursos económicos para a subsistência, por excelência, contribui também, em grande medida, para os processos de afirmação identitária (^{Areosa, 2013}; ^{Azevedo, 2016}b; 2018). Deste modo, abrangendo uma diversidade de gerações ativas, e mesmo não ativas, o trabalho é um fenómeno transversal, envolve múltiplos significados, objetivos individuais e objetivos coletivos de realização.

Assumindo um caráter intensivo e exploratório desta temática, numa população pequena e homogénea, o estudo centrou-se em líderes empresariais, pelo elevado nível de desafio com que se deparam no seu quotidiano profissional e pelo potencial de impacto das suas decisões nas organizações, pessoas e comunidades afetas. Deste modo, contando com a participação de quatro empresas portuguesas de grande dimensão, com reconhecimento junto dos mercados e população mais vasta, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e aplicados inquéritos por questionário, enquanto instrumentos de recolha de informação específicos, a um total de 43 profissionais ². Como técnicas de análise e tratamento das entrevistas e dos inquéritos utilizaram-se a análise de conteúdo categorial e a análise estatística. Pretendeu-se, acima de tudo, gerar contributos numa temática transversal - trabalho e seus significados na atualidade - e crítica - designadamente, pelo potencial de aumentar o conhecimento e a reflexão sobre significados efetivamente valorizados, no trabalho e na vida, e a consciência sobre o respetivo alinhamento - com potenciais efeitos na congruência e no bem- estar (designadamente, na redução de situações de ansiedade e stress laboral, no aumento da satisfação das pessoas com o seu trabalho, assim como na promoção pelas empresas de ambientes e culturas organizacionais saudáveis). Constituíram também objetivos, o teste e a validação de uma ferramenta de análise, assim como a obtenção de pistas relevantes para suporte a investigações posteriores.

3. Fatores de Significado no Trabalho

Com as entrevistas realizadas procurou-se, desde logo, conhecer as perspetivas dos participantes acerca da centralidade do trabalho nas suas vidas, tendo-se colocado a questão: “Quão importante e significativo é, para si, trabalhar na sua vida global?” Da análise das respostas, foi apurado um valor médio de 6,13, o que evidencia um posicionamento elevado no âmbito da centralidade reconhecida ao trabalho. Neste indicador, observou-se a inexistência de diferenças significativas, de acordo com a idade e o nível de habilitações. Já no que respeita à antiguidade na empresa ou grupo empresarial, verificou-se um valor médio mais elevado (6,3) em intervalos de antiguidade intermédios (situados entre os 10 e os 19 anos) e um valor médio mais baixo (5,6) na menor antiguidade (menos de 5 anos). Não obstante o estudo desenvolvido ter assumido um caráter exploratório e intensivo (recomendando-se o desenvolvimento de análises em populações mais vastas), poder-se-á sugerir, hipoteticamente, que a valorização da importância do trabalho atinge um pico em fases de carreira e antiguidade médias, após as quais começa a decrescer (embora com valores consistentemente altos). Um aspeto fundamental a destacar, face aos posicionamentos observados relativamente à importância e significância de trabalhar na vida global, é o reconhecimento da centralidade do trabalho, per si, como um significado relevante atribuído ao trabalho pelos líderes entrevistados. Passando a um grupo seguinte de questões, com incidência na explicitação dos principais aspetos positivamente valorizados pelos líderes no trabalho, perguntou -se: “O que é mais importante para si no que respeita ao trabalho, em geral?”; “Quais os fatores principais que o mantêm no presente trabalho?”; e “Quais os fatores que o poderiam fazer mudar de trabalho?”. Para o tratamento dos dados, definiram-se dois eixos de análise, de acordo com: a orientação predominante (Eixo 1: Pessoas - Empresa); e a abrangência (Eixo 2: Individual - Global). Da conjugação dos dois eixos resultou uma matriz de quatro quadrantes: I. Indivíduo (orientação Pessoas/ abrangência Individual); II. Coletivo (orientação Pessoas/ abrangência Global); III. Função (orientação Empresa/ abrangência Individual); e IV. Organização (orientação Empresa/abrangência Global). Estes quadrantes constituíram a base para a organização das vinte categorias significativas construídas, conforme se apresenta.

Quadro 1 Matriz de Quadrantes e Categorias Significativas 

Fonte: elaboração própria

Sistematizam-se os resultados principais observados, por questão trabalhada, a partir das categorias que mais se evidenciaram no discurso dos entrevistados 4 , e quadrantes principais associados.

Quadro 2 Fatores Valorizados no Trabalho 

Fonte: elaboração própria

Sucintamente, da análise das respostas às três questões mencionadas, evidenciam-se os quadrantes I. (Indivíduo) e III. (Função) como os que registaram as frequências de respostas mais elevadas (ambos, na vertente Individual, do Eixo 2), sugerindo uma maior valorização pelo líderes entrevistados de significados do trabalho relacionados com a sua própria realização como indivíduos (designadamente, as categorias “Utilidade social e realização profissional”, “Gosto e prazer no trabalho efetuado” e “Condições de estabilidade e capacidade financeira”), assim como, através da função exercida (com as categorias “Estímulo profissional e colocação de desafios”, “Concretização de objetivos e adição de valor” e “Crescimento e aumento de responsabilidade”). Por sua vez, os quadrantes II. (Coletivo, com a categoria “Qualidade de relações e ligação com pessoas”) e IV. (Organização, com a categoria “Identificação com a cultura e dinâmica da empresa”) integram os registos mais elevados apenas no apuramento obtido na questão “Quais os fatores principais que o mantêm no presente trabalho?”, pelo que poderemos refletir, hipoteticamente, sobre uma importância distinta de categorias nestes quadrantes (ambos, na vertente Global, do Eixo 2) como fatores chave valorizados na e para a manutenção na situação de trabalho presente. Com o objetivo de identificar outros significados atribuídos pelos líderes ao trabalho, que pudessem não emergir nas questões anteriores, foi incluída uma questão adicional: “Presentemente, o que significa para si o trabalho?”. As respostas foram tratadas com um procedimento distinto, através de uma categorização por sete tipos de realização⁶.

Quadro 3 Significados do Trabalho por Tipo de Realização 

Fonte: elaboração própria

Em alinhamento com a forte centralidade reconhecida pelos líderes ao trabalho, na sua vida, os resultados sugerem uma estreita relação do trabalho com a própria realização pessoal (observa-se, efetivamente, resultados mais elevados em significados associados à realização pessoal, face à realização estritamente profissional). Neste âmbito, fatores que incluem preparação, expetativa, objetivos e contributo, relacionados com o contexto de trabalho, são assinalados por entrevistados, designadamente, pelo amplo envolvimento inerente e como fatores de desenvolvimento global, constituindo significados evidenciados.

4. Fatores valorizados no Sentido de Vida

O sentido de vida é um conceito fundamental no estudo desenvolvido, permitindo uma integração e perspetiva mais amplas, dos fatores de significado do trabalho entendidos como relevantes pelos participantes. Assim, nas entrevistas realizadas, de modo a identificar relações entre fatores de significado privilegiados no trabalho e respetiva valorização no âmbito do sentido de vida, foi considerada a seguinte questão complementar: “Qual a importância dos fatores anteriormente enunciados na sua vida global?” (colocada duplamente aos entrevistados, após as questões enunciadas: “Quais os fatores principais que o mantêm no presente trabalho?” e “Quais os fatores que o poderiam fazer mudar de trabalho?”). Da análise dos resultados, pelos diferentes tipos de realização, destacamos as três categorias em que se verificaram os resultados mais elevados⁸.

Quadro 4 Importância de Fatores Valorizados no Trabalho na Vida Global 

Fonte: elaboração própria

Na ponderação efetuada de fatores valorizados (na manutenção e numa potencial mudança de trabalho) e respetivo impacto na sua vida global, os resultados sugerem que os líderes entrevistados continuam a privilegiar fatores relacionados com a sua realização pessoal e profissional. Contudo, evidenciaram-se também, com valores altos, fatores no âmbito da realização emocional (que, na análise anterior, sem incluir o impacto na vida global, tinham assumido reduzida expressão). A respeito, os participantes enunciaram, designadamente, aspetos relacionados com disposição e bem-estar, transportados do contexto de trabalho para a vida global. Com o objetivo de captar outros significados, relativos ao sentido de vida dos líderes entrevistados (e independentes de fatores valorizados no âmbito do trabalho) foi colocada diretamente a questão: “Atualmente, o que é que dá sentido à sua vida?”. Da análise do discurso e categorização das respostas pelos tipos realização já identificados, obtiveram-se os resultados, que sistematizamos¹⁰:

Quadro 5 Significados na Vida por Tipo de Realização 

Fonte: elaboração própria

De relevar, a observação da categoria da realização familiar como a que evidenciou maior preponderância nas respostas, o que, hipoteticamente, poderá traduzir uma incongruência ou colocar um paradoxo, face a resultados em questões anteriores. Assim, constatamos o reconhecimento pelos líderes entrevistados da centralidade do trabalho na sua vida global, significado per si associado ao trabalho, além de significados associados à sua realização pessoal e profissional. No âmbito do seu sentido de vida, estes profissionais privilegiam significados relacionados com a sua realização familiar, bem como profissional e pessoal. Neste seguimento, assinalamos como questão para reflexão: na vivência dos fatores valorizados pelos líderes, para um trabalho com significado relevante, com o nível de centralidade presentemente reconhecido, poderão estas pessoas atingir níveis elevados de realização em aspetos importantes por elas privilegiados no seu sentido de vida? Finalmente, perante uma última questão, “Que aspetos do seu trabalho se inserem hoje no seu sentido de vida e que outros poderiam contribuir mais?”, apresentamos os resultados que se destacaram no Quadro 6. A análise foi efetuada por referência a cada uma das duas componentes da questão colocada.

Quadro 6 Fatores do Trabalho Valorizados na Vida 

Fonte: elaboração própria

Globalmente, observa-se a maior incidência das respostas no Quadrante I. (Indivíduo), em categorias distintas, mas cujos resultados mais elevados expressam significados valorizados no âmbito da possibilidade de realizar um contributo humano (“Utilidade social e realização profissional”) e em aspetos ligados à família, à disponibilidade pessoal e ao equilíbrio entre vida e trabalho (“Qualidade de vida em várias dimensões”). Observa-se que a identificação destes fatores, na segunda componente da questão (enquanto outros aspetos do trabalho que poderiam contribuir mais para o sentido de vida dos participantes), sugere uma correspondência com os resultados relativos aos aspetos mais valorizados no sentido de vida, designadamente, relacionados com a realização familiar. Entendemos relevantes estes resultados, tendo sido apurados fatores de significado importantes para os líderes entrevistados que não tinham emergido em questões anteriores e cujo reconhecimento poderá ser decisivo para a realização em aspetos chave valorizados no seu sentido de vida.

5. Teste de um protótipo de modelo de Conexão Profissional

Para além da identificação de significados valorizados pelos líderes empresariais considerados, no âmbito do respetivo trabalho e do seu sentido de vida (através das entrevistas realizadas, subsequente matriz de categorias de significado e das categorias de realização mencionadas), o estudo teve como objetivo a elaboração e o teste de um modelo para aferir a conexão profissional, desenvolvido a partir das abordagens teóricas analisadas e da recolha de informação efetuada em fases prévias. Nesse seguimento, foi também construído e aplicado um questionário aos 43 participantes, que foram convidados a: . num primeiro momento: distribuir um total de 100% por oito dimensões de significado apresentadas (e respetivo conjunto de fatores13), considerando a importância atribuída no contexto do trabalho (Quadro 7); . num segundo: identificar o seu posicionamento14 face ao reconhecimento da existência de cada um de vinte e quatro fatores apresentados, no seu trabalho atual; num terceiro: identificar o seu posicionamento15 face à importância atribuída a cada um de vinte e quatro fatores apresentados, para o seu sentido de vida (Quadro 8).

Quadro 7 Dimensões de Significado e Importância para o Trabalho 

Fonte: elaboração própria

Com relativa diferença, em termos médios, observa-se que a dimensão Familiar e Pessoal e a dimensão Emocional obtiveram os resultados mais elevados na distribuição pelos participantes de um total de 100% pelas oito dimensões apresentadas. Como as dimensões que registaram valores médios inferiores, destacamos a Espiritual, Social, Organizacional e Ética¹⁷.

No Quadro 8, que sistematiza o posicionamento efetuado pelos líderes participantes relativamente à existência dos fatores apresentados no seu trabalho atual, observam-se as dimensões Intelectual, Ética e Organizacional com os resultados médios mais elevados. No que concerne aos fatores e dimensões de significado com o reconhecimento de menor existência no trabalho atual dos líderes, sobressaíram os da dimensão Familiar e Pessoal, dimensão percecionada no momento de resposta anterior (Quadro 7), como de importância mais elevada. Na análise de médias exclusivas por fatores, destacam-se “capacidade mental para boa resposta” e “senso de afinidade e de pertença organizacional”, e “aplicação de conhecimentos profissionais”, “capacidade para sustento financeiro”, “atuação de acordo com princípios morais” e “congruência com valores essenciais”, como fatores de significado valorizados e com maior reconhecimento de existência, pelos líderes participantes no estudo, no seu trabalho atual. Como fatores de significado valorizados, embora com reconhecimento de menor existência no contexto profissional dos líderes, evidenciaram-se “ações de contributo para a sociedade” e “disponibilidade para a família e vida pessoal”, bem como “potencial para crescimento financeiro”, “inserção num propósito de existência” e “benefício harmonioso dos outros e em geral”. Relativamente aos fatores e dimensões de significado mais valorizados para o sentido de vida dos participantes, apuraram-se as dimensões Ética e Familiar e Pessoal, com as médias globais mais elevadas. Com as médias mais reduzidas observamos as dimensões Social e Intelectual.

Na análise exclusiva por fatores de significado apuraram-se “atuação de acordo com princípios morais” e “congruência com valores essenciais”, bem como “relacionamentos de confiança mútua” e “consciência e expressão de padrões éticos”, como os mais valorizados. Com médias mais baixas evidenciaram-se “reconhecimento de status e de prestígio”, “aplicação de conhecimentos profissionais” e “potencial para crescimento financeiro”, como os menos valorizados pelos participantes, para o seu sentido de vida.

Quadro 8 Classificação dos Fatores face ao Trabalho, Sentido de Vida e Cálculo de Diferenças 

Fonte: elaboração própria

Na observação das diferenças entre os posicionamentos efetuados pelos participantes, por cada fator e dimensões de significado, pudemos aferir a maior ou menor convergência/divergência, entre a existência percecionada de fatores no trabalho atual e a respetiva importância atribuída pelos líderes para o seu sentido de vida. Pretendeu-se, deste modo, aferir a conexão profissional, que foi definida no estudo como o reconhecimento de uma ligação e de sentido percecionado pelos profissionais relativamente à sua situação de trabalho, através da análise das relações de interseção entre as dimensões e os indicadores dos conceitos anteriores (trabalho com significado e sentido de vida).

Dos resultados (Quadro 8), salienta-se a dimensão Familiar e Pessoal, como a que registou a maior divergência (-1,2, obtida pela diferença entre médias) entre a existência dos fatores no trabalho atual e a importância dos mesmos para o sentido de vida. Também com uma divergência assinalável (-0,6), observam-se as dimensões Emocional, Ética e Espiritual. A dimensão Intelectual foi a única em que os valores médios de reconhecimento no trabalho atual foram superiores aos da importância atribuída para o sentido de vida (desvio de 0,2). Na análise de diferenças entre as médias, por fator, registou-se uma variação entre um desvio positivo máximo de 0,7 (em “aplicação de conhecimentos profissionais”) e negativo máximo de -1,5 (em “disponibilidade para a família e vida pessoal”). Finalmente, no protótipo de modelo de conexão profissional construído, as oito dimensões de significado trabalhadas no estudo foram organizadas de acordo com três domínios principais, desde um foco mais individualizado a uma maior abertura humana às inter -relações e ao todo: Domínio Individual (relativo ao próprio/self), integrando as dimensões Intelectual e Material; Domínio Relacional (relativo a outros/trabalho), integrando as dimensões Emocional e Organizacional; Domínio Global (relativo ao todo/vida), integrando as dimensões Familiar/Pessoal e Social. Como domínios mistos, pela ligação e integração de caraterísticas dos domínios principais, foram considerados os três que se seguem, com dimensões comuns, assumindo-se a transversalidade dos respetivos fatores: Domínio Individual/Relacional, integrando as dimensões Ética e Espiritual; Domínio Relacional/Global, integrando as dimensões Ética e Espiritual; Domínio Individual/Global, integrando as dimensões Ética e Espiritual. Na Figura 1, sistematiza-se o modelo desenvolvido, incluindo a inserção dos resultados obtidos (diferenças entre médias por dimensão conforme indicado no Quadro 8).

Fonte: elaboração própria 

Globalmente, da análise pelos domínios principais considerados, observa-se que o Domínio Global evidencia a maior divergência (-1,4), seguido do Domínio Relacional (-0,7). O Domínio Individual não apresenta divergência (0,0). Os domínios mistos, Individual/Relacional, Relacional/Global e Individual/Global possuem um valor de divergência equivalente (-1,2), pelas dimensões comuns consideradas.

6. Notas finais

Como uma das conclusões fundamentais do estudo, salienta-se a elevada centralidade do trabalho na vida global, reconhecida pelos líderes empresariais considerados. Como fatores mais valorizados para um trabalho com significado relevante, destacam-se “Estímulo profissional e colocação de desafios”, “Utilidade social e realização profissional”, “Concretização de objetivos e adição de valor” e “Gosto e prazer no trabalho efetuado”. Relativamente aos fatores privilegiados pelos participantes para um trabalho relevante e com maior contributo para a realização do seu sentido de vida, os resultados sugerem a importância das dimensões Familiar e Pessoal, e Emocional, com fatores como “Disponibilidade para a família e vida pessoal” e “Relacionamentos de confiança mútua”, respetivamente. Por referência ao modelo de conexão elaborado, as dimensões Familiar e Pessoal, Emocional, Ética e Espiritual revelaram os principais gaps (desvios negativos), podendo a melhoria nos fatores incluídos, hipoteticamente, contribuir para um maior alinhamento entre aspetos de significado valorizados no trabalho e no sentido de vida, potenciando uma maior realização global (incluindo a conexão com o contexto de trabalho existente e a congruência com o próprio sentido de vida). Não obstante a dimensão reduzida da população considerada no estudo, que assumiu um caráter predominantemente exploratório, os resultados obtidos sugerem a existência de fatores comuns valorizados pelos líderes considerados, para um trabalho com significado relevante e para o seu sentido de vida. Da análise efetuada, assume-se a existência de relações evidentes entre os mesmos. Considera-se a relevância e a oportunidade de desenvolvimento de estudos posteriores em populações mais vastas e diversificadas, podendo o modelo de conexão profissional elaborado constituir-se útil, com as necessárias adaptações a especificidades e questões concretas a investigar¹⁹. Na procura crescente de significado pelo ser humano e face ao aumento de situações de sofrimento derivadas do contexto de trabalho, inclusive com consequências na saúde mental (^{Dejours, 2011}), consideramos que o conhecimento e a ação, como fatores chave, poderão contribuir para a implementação de modelos de organização do trabalho com capacidade distinta de resposta a problemas muito atuais, através da promoção de significados valorizados e da realização humana, nas várias vertentes. Salientamos a importância das empresas como sistemas sociais (^{Freire, 1993}; ^{Kovács, 2005}; ^{Parente, 2008}), numa influência recíproca face a pessoas, comunidades e outros sistemas sociais, assim como num atual período histórico de mudanças e desafios globais críticos. Neste contexto, perante novas necessidades que se colocam, os líderes assumem um papel decisivo (^{Argyris, 1999}; ^{Cunha et al., 2010}; ^{Hope, Bunce e Röösli, 2011}; World Economic Forum, 2010), nomeadamente através das estratégias e culturas organizacionais promovidas. Conhecer e agir em fatores de significado relevantes (incluindo, em gaps identificados), não apenas no âmbito do trabalho, mas em alinhamento com o sentido de vida poderá contribuir, simultaneamente, para organizações eficazes e sistemas com capacidade para gerar maior bem-estar, qualidade de vida e realização humana global