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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.41  Porto June 2021  Epub Feb 25, 2022

https://doi.org/10.21747/08723419/soc41a1 

Artigos originais

Avaliação de desempenho e justiça organizacional: o caso da Autoridade para as Condições do Trabalho

Performance appraisal and organizational justice: the case of Autoridade para as Condições do Trabalho

Évaluation des performances et justice organisationnelle: le cas de Autoridade para as Condições do Trabalho

Evaluación del desempeño y justicia organizacional: el caso de la Autoridade para as Condições do Trabalho

Renata de Araújo Moura

Sofia Alexandra Cruz

1Câmara Municipal de Gondomar

2Faculdade de Economia do Porto

3Instituto de Sociologia da Universidade do Porto


RESUMO

A avaliação de desempenho pode constituir uma ferramenta de extrema utilidade numa organização, desde que os procedimentos que lhe subjazem sejam percecionados de forma justa. O presente artigo discute a perceção de justiça organizacional relativamente à avaliação de desempenho, mediante dados recolhidos a partir de um inquérito por questionário aos inspetores do trabalho da Autoridade para as Condições do Trabalho. Procura desenvolver uma abordagem analítica diferenciada, examinando os resultados em função dos instrumentos de avaliação de desempenho utilizados (avaliação final e monitorização do desempenho).

Palavras-Chave: avaliação de desempenho; justiça organizacional; Autoridade para as Condições do Trabalho

ABSTRACT

Performance appraisal can be an extremely useful tool in an organization, as long as the procedures underlying it are perceived fairly. This article discusses the perception of organizational justice in relation to performance appraisal, through a survey application to labor inspectors from Autoridade para as Condições do Trabalho. It seeks to develop a different analytical approach, explaining the results according to the performance appraisal instruments used (final evaluation and performance monitoring).

Keywords: performance appraisal; organizational justice; Autoridade para as Condições do Trabalho

RÉSUMÉ

L'évaluation des performances peut être un outil extrêmement important dans une organisation, à condition que les procédures sous-jacentes soient perçues équitablement. Cet article traite de la perception de la justice organisationnelle par rapport à l'évaluation des performances, à partir des données recueillies d'une enquête par questionnaire auprès des inspecteurs du travail de Autoridade para as Condições do Trabalho. Il cherche à développer une approche analytique différente, expliquant les résultats en fonction des instruments de l'évaluation des performances utilisés (évaluation finale et suivi des performances).

Mots-clés: évaluation des performances; justice organisationnelle; Autoridade para as Condições do Trabalho

RESUMEN

La evaluación del desempeño puede ser una herramienta extremadamente útil en una organización, siempre que los procedimientos subyacentes se perciban de manera justa. Este artículo analiza la percepción de la justicia organizacional en relación con la evaluación del desempeño, utilizando datos recopilados de una encuesta a inspectores de trabajo de la Autoridade para as Condições do Trabalho. Se busca desarrollar un enfoque analítico diferente, explicando los resultados de acuerdo con los instrumentos de evaluación del desempeño utilizados (evaluación final y seguimiento del desempeño).

Palabras clave: evaluación del desempeño; justicia organizacional; Autoridade para as Condições do Trabalho

Introdução

A avaliação de desempenho (AD) assume grande destaque no seio de uma organização, sendo um sistema chave na gestão de pessoas (Reifschneider, 2008), podendo traduzir-se numa vantagem. Para isso é necessário que o sistema a ela associado seja considerado justo pelos seus intervenientes (Gomes et al., 2008). A perceção de justiça que os trabalhadores possuem acerca dos sistemas de AD é de extrema importância para a aceitação e eficácia dos mesmos (Folger, Konovsky e Cropanzano, 1992), pelo que uma meta a alcançar deverá ser a justiça.

Contudo, as investigações que se debruçam sobre o conceito de justiça organizacional (JO) revelam uma fenda que deriva do próprio desacordo entre os termos usados, uma vez que se verifica a ausência de convergência relativamente às vertentes de JO a adotar (Rego, 2000). Desta discordância resulta a existência de estudos que incluem as vertentes da justiça interpessoal e informacional em menor escala, sendo necessária a sua ampliação. Simultaneamente, quando se pretende aprofundar o estudo acerca da perceção de JO relativamente à AD, verifica-se que a maioria das pesquisas utilizam amostras provenientes dos EUA (Aryee, Budhwar e Chen, 2002; McDowall e Fletcher, 2004), enquanto Portugal tem ficado muito aquém nas investigações. No que se refere a investigações que se debruçam sobre a perceção de JO relativamente à AD, constata-se uma outra lacuna, nomeadamente grande parte dos estudos empíricos serem desenvolvidos em universidades, tornando-se necessário contemplar contextos organizacionais distintos (Sotomayor, 2006).

Face ao exposto, este artigo pretende trazer dois tipos de contributos à investigação existente, através do estudo sobre a perceção de JO fundamentada na AD, selecionando uma organização pública, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) 1 , um contexto organizacional ainda não analisado, e privilegiando uma abordagem analítica bifocal, que contempla separadamente o estudo dos instrumentos de AD utilizados na organização (avaliação final e monitorização do desempenho). Os inspetores do trabalho da ACT2 foram selecionados como população em análise pelo facto de terem identificado, num inquérito de satisfação realizado pela ACT em 2017, a necessidade de introdução de melhorias no sistema de AD. Esse inquérito de satisfação contemplou o universo dos seus funcionários e incluiu um questionário composto por quatro secções com questões fechadas, que incidiam sobre a satisfação geral com a ACT, com a gestão e o sistema de gestão, com as condições de trabalho e com o envolvimento, participação e relações interpessoais (ACT, 2017).

O presente artigo contempla, numa primeira parte, a discussão teórica dos conceitos de AD e de JO. Na segunda parte fundamenta o modelo concetual desenhado e apresenta os objetivos específicos e as hipóteses de investigação. O enquadramento empírico da pesquisa ocupa a terceira parte. Segue-se a análise e discussão dos dados recolhidos, e por fim as principais conclusões da investigação realizada.

Avaliação de desempenho e justiça organizacional

O processo de AD constitui uma ferramenta da gestão de recursos humanos (Serrano, 2011) e estende-se a todas as práticas de uma organização (Gruman e Saks, 2011; Islami, Mulolli e Mustafa, 2018; Kihama e Wainaina, 2019), possibilitando traçar caminhos para alcançar os objetivos organizacionais (Lebas, 1995). Todavia, para que desta avaliação resultem informações capazes de auxiliar favoravelmente a tomada de decisões e o rumo da organização, é necessário maximizar as suas vantagens e minimizar as suas desvantagens.

Com efeito, a AD pode acarretar as seguintes vantagens e desvantagens. Mohrman Jr et al. (1989) identificam vantagens como a capacidade de: desenvolver a motivação capaz de ampliar o desempenho; aumentar a produtividade; fomentar a autoestima do trabalhador; constituir conhecimento e ampliar o canal da comunicação; exigir uma atribuição equitativa de recompensas; clarificar objetivos organizacionais promovendo a sua aceitação; permitir validar o processo de recrutamento e assinalar necessidades formativas; alinhar as ações dos trabalhadores com os objetivos da organização e ajudar a tomada de decisão relativa a progressões na carreira e a demissões. Já Deming (2018) considera que a AD vai além da progressão das remunerações.

Relativamente às desvantagens, Mohrman Jr et al. (1989) preveem sentimentos de injustiça; criação de informação enviesada; diminuição da motivação e da autoestima; tensão e stress; necessidade de muito tempo e gastos; afetação do relacionamento entre os intervenientes e da credibilidade do processo de avaliação. Deming (2018) salienta que o papel dos avaliadores no processo de AD pode ser encarado como um esquema de poder e a perceção do desempenho subjetiva acarretando riscos para os intervenientes e respetiva organização. A reforma do Estado e a transformação do seu papel na economia e na sociedade tem conduzido a alterações na AD que assentam na necessidade de introduzir processos, modelos e técnicas de gestão privada (Carvalho, 2006). Tais alterações aumentam o controlo político e de gestão sobre os profissionais do setor público, pelo que a AD suscita questões éticas, emocionais e relacionais. Em sistemas de AD cujas avaliações produzem impacto nas progressões remuneratórias, estas podem sofrer manipulações de modo a não sucederem em determinado momento, por necessidade de controlo orçamental, pondo em causa a credibilidade do sistema de AD.

Para que o processo de AD não desencadeie efeitos antagónicos aos desejados, os trabalhadores devem acreditar que o sistema de AD é justo (Gruman e Saks, 2011). Espera-se que os sistemas de AD contemplem procedimentos justos (Caruth e Humphreys, 2008), capazes de ser fornecidos a todos os intervenientes de forma clara e transparente.

A JO pode ser entendida como o nível de justiça que os trabalhadores percebem num local de trabalho, considerando a alocação de recursos e recompensas, bem como os procedimentos e comportamentos adotados (Ekmekcioglu e Aydogan, 2019). O conceito de JO descreve como um indivíduo perceciona a equidade de tratamento recebido (Klein, Beuren e Dal Vesco, 2019), bem como a reação e comportamento adjacente. A perceção captada por cada trabalhador acerca do modo como é tratado na sua organização tem influência nas suas ações, quer com a organização, quer com as pessoas que a ela pertencem. Essa noção poderá delimitar o cumprimento de objetivos individuais e organizacionais, determinando, no limite, a vontade que um indivíduo tem em permanecer ou não na organização.

Para compreender de que modo se formam as perceções de JO é pertinente distinguir as várias janelas através das quais os indivíduos percebem esse construto, analisando-se as diversas vertentes apontadas na literatura, isto é, a justiça distributiva, procedimental, interacional, interpessoal e informacional.

A justiça distributiva surge com os estudos de Homans (1961), ganhando destaque através de Adams (1965), sendo a primeira vertente a ser estudada. Corresponde à forma como os indivíduos percecionam que a organização distribui recursos em função do esforço ou desempenho do trabalhador (López-Cabarcos et al., 2015), descrevendo a equidade percebida em relação aos resultados que os funcionários recebem (Aryee et al., 2002). Numa organização, perante perceções de injustiça distributiva, podem gerar-se, nomeadamente situações de insatisfação, furtos, diminuição do desempenho, turnover, absentismo e conflito (Cunha et al., 2007).

Naumann e Bennett (2000) apontam que a justiça procedimental aparece através de Thibaut e Walker (1975), assumindo, porém, destaque com os estudos de Lind e Tyler (1988). Prevê a equidade e transparência utilizada nos processos, através dos quais são tomadas decisões (López- Cabarcos et al., 2015). Refere-se à igualdade com que os procedimentos são aplicados a diferentes membros da organização (Kwantes e Bond, 2019). No que se refere à vertente da justiça procedimental, a literatura sugere estudos que incluam as dimensões da cidadania organizacional, do desempenho, da confiança e do stress (Correia, Mendes e Silva, 2019).

A justiça interacional discute-se nos estudos de Bies e Shapiro (1987) tendo continuidade através Greenberg (1990), que aponta que as pessoas não só dão importância aos resultados distribuídos e aos procedimentos, como também à justiça das interações, tornando-se a vertente mais controversa (Colquitt, 2001). Há perceção de justiça interacional quando um trabalhador considera que é tratado de forma justa pelos superiores (Kwantes e Bond, 2019). Greenberg (1993) equaciona para o debate o modelo tetradimensional de JO, ao dividir a justiça interacional em justiça interpessoal e justiça informacional. Embora tenha havido resistência de alguns autores, Colquitt (2001) e Rego e Cunha (2010) seguiram o construto proposto.

A justiça interpessoal e a justiça informacional dependem de interações, distinguindo-se conforme decorrem, respetivamente, do tratamento interpessoal recebido, ou da qualidade e quantidade da informação transmitida. A justiça interpessoal relaciona-se com a medida em que os trabalhadores são tratados com dignidade e apreço pelos superiores ou pelas partes envolvidas nos procedimentos e na determinação de resultados (Roch e Shanock, 2006). Segundo Rego et al. (2002), há justiça interpessoal se os superiores tratarem os indivíduos de forma digna e respeitosa.A justiça informacional refere-se ao facto de os indivíduos receberem informação adequada sobre os procedimentos e resultados (Roch e Shanock, 2006). Há justiça informacional se os superiores informam o indivíduo, explicando e fazendo-o participar nas decisões que lhe dizem respeito, pois segundo Rego et al. (2002) a justiça informacional transpõe as informações e justificações dadas acerca de decisões.

As vertentes da JO expostas têm sido objeto de estudo no contexto da AD pela autoria de Folger et al. (1992), Cawley, Keeping e Levy (1998) e Sotomayor (2007). Segundo estes autores, a justiça distributiva refere-se ao modo como os indivíduos percecionam a forma da organização distribuir as classificações de desempenho em função do esforço do trabalhador. A justiça procedimental respeita à equidade percebida quanto ao modo como os procedimentos avaliativos são aplicados a diferentes membros da organização, à possibilidade de ter “voz” e de possuir um instrumento de recurso. A justiça interacional corresponde à qualidade do tratamento recebido por parte do avaliador durante a AD. A justiça interpessoal traduz-se na medida em que os trabalhadores são tratados com sensibilidade, dignidade e respeito pelo avaliador. A justiça informacional corresponde à quantidade e qualidade de informação que o decisor transfere para o trabalhador.

Modelo concetual, objetivos específicos e hipóteses de investigação

A investigação que sustenta este artigo segue o modelo tetradimensional de JO composto pelas dimensões distributiva, procedimental, interpessoal e informacional, alinhando-se com os autores Colquitt (2001) e Rego et al. (2002), que sugerem tratar-se do modelo que melhor se ajusta ao longo dos anos predizendo diferentes resultados. Simultaneamente, este modelo encontra-se devidamente validado em contexto português e é aquele cujas pesquisas devem ser ampliadas, tal como referido anteriormente.

A ACT utiliza, enquanto sistema de AD, o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP), cujos princípios que guiaram a sua implementação têm origem na Nova Gestão Pública (NGP) iniciada a partir de 1970 (Carvalho, 2006). A NGP enfatiza a necessidade de a AD postular uma lógica de gestão de objetivos, cuja distinção se baseia em critérios assentes no mérito e não na antiguidade. Segundo Rocha (2010), os princípios fundamentais da NGP alcançam modificações nos serviços públicos, substituindo modelos tradicionalmente burocráticos, por uma gestão mais flexível e transparente. A Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, estabelece o SIADAP, visando a melhoria da gestão da Administração Pública; o desenvolvimento das práticas de avaliação; a identificação de necessidades de formação e desenvolvimento profissional; a promoção da motivação e o desenvolvimento das competências e qualificações; a distinção com base no desempenho e o apoio em processos de decisão. A Lei n.º 66- B/2007, de 28 de dezembro, veio aperfeiçoar o anterior modelo de AD, passando a incluir os serviços e os dirigentes no processo de AD (que anteriormente se centrava apenas no trabalhador), e a criação de instâncias denominadas de Comissão Paritária e Conselho de Coordenação, responsáveis por garantir o cumprimento de quotas para a AD excelente e relevante que distinguem o desempenho entre trabalhadores.

Tendo por base a fundamentação teórica da investigação, definem-se quatro objetivos específicos e as correspondentes hipóteses de investigação, seguindo-se uma abordagem dedutiva (Carmo e Ferreira, 2008).

Define-se como objetivo específico 1 desta investigação, aferir a vertente de JO que reúne uma maior perceção de injustiça relativamente à AD, para os inspetores do trabalho da ACT. Considerando que na ACT o sistema de AD usado é SIADAP, gerador de conflitos e insatisfação interna quanto às classificações, pelo facto de haver imposição quanto às quotas a atribuir, não sendo possível premiar todos os colaboradores efetivamente bons (Paraíso e Dias, 2011; Serrano, 2011), conjetura-se que a vertente distributiva poderá assumir um lugar de destaque. Esta sugestão coaduna-se com o resultado da investigação de Vicente (2014), que conclui que a adoção do SIADAP gera que a maior parte dos avaliados obtenham classificações médias e não altas. Conforme conclui Madureira (2016), da utilização do SIADAP, decorre a insatisfação dos avaliados relativamente às classificações que lhes são atribuídas. Deste modo, coloca-se a hipótese de investigação A ditando que A vertente distributiva é a que regista maior perceção de injustiça relativamente à AD.

O objetivo específico 2 da investigação procura verificar qual o instrumento da AD (avaliação final ou monitorização do desempenho) suscita aos inspetores do trabalho uma maior perceção de injustiça. De acordo com o fixado no artigo 52.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, a classificação atribuída na avaliação final tem como efeito a alteração do posicionamento remuneratório, pelo que quanto mais altas as classificações auferidas por um trabalhador, mais rapidamente lhe é concedido um aumento salarial. Considerando que as classificações atribuídas na avaliação final estão sujeitas ao limite de quotas legalmente impostas, sugere-se que os trabalhadores sejam mais sensíveis às ações associadas ao processo de avaliação final, em comparação com o processo de monitorização do desempenho. Para além de não estar sujeita a nenhuma imposição de quotas, a monitorização do desempenho tem uma periodicidade distinta da avaliação final. Num ciclo avaliativo de dois anos, há uma avaliação final e duas monitorizações de desempenho, pelo que se especula que nesta última a tendência para avaliar o desempenho apenas com base em acontecimentos recentes seja menor. Tendo em conta o descrito, sugere-se que na monitorização do desempenho, ao contrário da avaliação final, a predominância do erro da tendência central e o erro da recenticidade seja menor. Conforme apontam os autores Gruman e Saks (2011) e Boachie-Mensah e Seidu (2012), a presença de erros no processo de AD abalam a perceção de JO. Face ao exposto, coloca-se a hipótese de investigação B A avaliação final regista maior perceção de injustiça relativamente à AD que a monitorização do desempenho.

Define-se ainda como objetivo específico 3, indagar se o perfil deste grupo de trabalhadores (zona geográfica de atuação, género, antiguidade na categoria de inspeção e na organização e classificação na última avaliação final) influencia a perceção de injustiça relativamente à AD. Tal como sugerem Valverde, Cunha e Correia (2006), os inspetores do trabalho encontram- se dispersos pelo país, mais concretamente pelos serviços centrais e pelas 32 delegações/unidades orgânicas desconcentradas, pelo que a sua atividade é diversa e personalizada, sendo experienciada de forma distinta para cada um deles. Para os autores Ferreira, Neves e Caetano (2001), diferentes estímulos levam a diferentes interpretações e por conseguinte a distintas perceções, pelo que se coloca a hipótese de investigação C Há diferenças significativas na perceção de JO em relação à AD em diferentes zonas geográficas de atuação.

No que se refere à diferença da perceção de JO em função do género, coloca-se a hipótese de investigação D Mulheres e homens apresentam níveis de JO semelhante relativamente à AD. Apesar da falta de consenso, as investigações de Cohen-Charash e Spector (2001) e Sotomayor (2006) sugerem que essas perceções são semelhantes em mulheres e homens, apontando que quando um indivíduo é chamado a responder, compara-se a um outro do mesmo género. Os resultados destas investigações sintonizam com o descrito pela teoria da comparação social, em que as pessoas avaliam os seus desejos e apreciações através da comparação com outros indivíduos, identificando-se com o grupo que lhes está mais próximo (Festinger, 1954). Hipotetiza-se esse cenário, uma vez que no sistema de AD utilizado (SIADAP) não são realizadas distinções de acordo com o género.

Tendo em conta a antiguidade (na categoria de inspeção e na organização) dos inspetores do trabalho, pretende-se entender se essa origina diferenças na perceção de JO. Para isso formula- se a hipótese de investigação E Os inspetores do trabalho com maior antiguidade na categoria de inspeção e na organização têm perceções superiores de injustiça procedimental relativamente à AD. No curto prazo as pessoas são mais sensíveis aos resultados que auferem, ao passo que no longo prazo a justiça procedimental revela mais intensidade, pois as pessoas ao longo do tempo tendem a conhecer os procedimentos usados. Quando se possui muito conhecimento acerca dos procedimentos, ocorre maior sensibilidade à justiça procedimental. Se os indivíduos contactam há mais tempo com os procedimentos já obtiveram mais informação sobre estes (Rego et al., 2002; Cunha et al., 2007).

Finalmente, define-se o objetivo específico 4 de compreender se os indivíduos com menor classificação na última avaliação final são os mais sensíveis à justiça informacional. Para isso coloca-se a hipótese de investigação F Os indivíduos com menor classificação na última avaliação final registam maior perceção de injustiça informacional. Quando uma classificação é baixa, as pessoas são mais sensíveis às explicações que são dadas, nomeadamente no que se refere à informação adequada em relação aos procedimentos e resultados. Se a classificação é baixa, os indivíduos necessitam que lhes sejam dadas informações, de modo a compreenderem que a AD não sofreu erros (Greenberg, 1993; Erdogan, 2002).

Pesquisa empírica

O inquérito por questionário aplicado aos inspetores do trabalho da ACT construiu-se a partir da investigação levada a cabo por Sotomayor (2006), que inclui itens pertencentes às escalas originais dos autores Folger e Konovsky (1989), Moorman (1991), Sweeney e McFarlin (1997), Colquitt (2001) e Cropanzano, Prehar e Chen (2002), com as adaptações ao contexto e objetivos da pesquisa.

Para garantir a adequabilidade do inquérito por questionário e avaliar se o seu desenho correspondia aos objetivos inicialmente formulados, realizou-se um pré-teste. Os inquiridos do pré- teste foram escolhidos aleatoriamente, permitindo em que cada secção pudessem fazer as observações que considerassem pertinentes. Foram recolhidos quatro inquéritos respondidos, dos quais resultaram algumas alterações ao inquérito por questionário inicial.

Estimou-se a consistência interna da escala utilizada no pré-teste, através do cálculo do alfa de cronbach, utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). O alfa de cronbach averigua a fiabilidade e aplicabilidade das escalas, sendo aceitáveis valores superiores a 0,6 (Malhotra, 2010). O alfa de cronbach para o total de itens da escala utilizada no inquérito por questionário final foi de α = 0,984, o que traduz elevada consistência interna (Fortin, 2009). Em todas as dimensões da escala utilizadas e em cada instrumento de avaliação em análise, verifica- se, igualmente, elevada consistência interna, e consequentemente elevada fiabilidade, conforme a tabela 1 abaixo apresentada.

Tabela 1 Resultados do alfa de cronbach do inquérito por questionário final 

Dimensões Alfa de cronbach
Avaliação final: justiça distributiva α = 0,950
Avaliação final: justiça procedimental α = 0,903
Avaliação final: justiça interpessoal α = 0,957
Avaliação final: justiça informacional α = 0,939
Avaliação final: justiça distributiva + justiça procedimental +justiça interpessoal + justiça informacional α = 0,970
Monitorização do desempenho: justiça distributiva α = 0,965
Monitorização do desempenho: justiça procedimental α = 0,851
Monitorização do desempenho: justiça interpessoal α = 0,957
Monitorização do desempenho: justiça informacional α = 0,956
Monitorização do desempenho: justiça distributiva + justiça procedimental + justiça interpessoal + justiça informacional α = 0,966

Para a exploração das hipóteses de investigação o inquérito por questionário dividiu-se em quatro seções. A primeira secção contém uma breve introdução, onde é apresentado o tema e as instruções. A segunda secção integra perguntas que permitem caracterizar os inquiridos (género, idade, categoria de inspeção, antiguidade, local de atuação, habilitações literárias e classificação obtida na última AD), assim como questões específicas cujo objetivo é recolher dados e opiniões acerca das temáticas em estudo. Essas questões específicas pretendem averiguar se os respondentes consideram que o cumprimento dos objetivos fixados no processo de AD contribuem para o alcance da missão da ACT; a similitude entre o resultado da avaliação final e da autoavaliação; se a reformulação dos objetivos refletiu a monitorização do desempenho; por quem foram fixados os objetivos de AD; se consideram que as classificações atribuídas deveriam ser tornadas públicas, e se o sistema de AD adotado na ACT permite um controlo qualitativo dos resultados.

A pesquisa contempla uma análise bifocal, tendo em conta os instrumentos de AD utilizados na ACT (avaliação final e monitorização do desempenho), pelo que a secção três inclui questões relacionadas com a perceção de JO relativamente à avaliação final, enquanto a secção quatro se refere à perceção de JO relativamente à monitorização do desempenho. Em ambas as secções foi usada a Escala de Likert que consiste na apresentação de 7 proposições.

No final do inquérito por questionário inseriu-se a possibilidade (campo não obrigatório) dos inquiridos tecerem observações acerca do processo de AD utilizado na organização.

O inquérito por questionário final foi construído através do google forms, um aplicativo gratuito, capaz de criar inquéritos online e acumular as respostas obtidas, que podem ser utilizadas numa folha de cálculo para posterior tratamento em SPSS. Construído o inquérito por questionário, o google forms criou um link que foi encaminhado aos respondentes, via email, tendo ficado disponível para resposta no período entre 14 de abril a 22 de maio de 2020.

Obtiveram-se 99 inquéritos por questionário válidos, de um universo de 303 inspetores, que foram codificados e introduzidos numa base de dados para tratamento estatístico, mediante o programa SPSS. Relativamente à questão aberta colocada no final do inquérito por questionário que assumia caráter facultativo, efetuou-se o tratamento qualitativo dos dados, através de análise de conteúdo, utilizando para o efeito o software QSR NVivo Pro.

Do total dos inquiridos, 66,7% são mulheres, aproximando-se da distribuição associada à totalidade dos inspetores da ACT, onde 73,0% são mulheres e 27,0% homens (ACT, s.d.). Dos respondentes, 54,6% dos indivíduos situam-se entre os 41 e os 50 anos, sendo o grupo etário com maior predominância. Já relativamente às habilitações literárias, 40,4% possui pós-graduação e 35,3% licenciatura, sendo os conjuntos com maior peso no total de participantes, o que era previsível, uma vez que atualmente, é exigida a licenciatura enquanto habilitação mínima para desempenhar o cargo de inspetor do trabalho.

As categorias de inspeção que concentram maior número de respondentes é a de inspetor e de inspetor principal, o que se coaduna com a sua distribuição etária, pois compreensivamente as categorias de inspetor superior e de inspetor superior principal agrupam inspetores com idade mais avançada. Este cenário também pode ser explicado pelo facto do setor público ter atravessado um período de congelamento de carreiras na segunda década do século XXI (Vicente, 2014), não permitindo o posicionamento em massa em categorias de inspeção superiores. Os respondentes encontram-se divididos por 27 delegações distintas, havendo um maior número pertencente ao Centro Local do Grande Porto (19,2%) e ao Centro Local de Lisboa Oriental (12,1%). Quanto à antiguidade na categoria de inspeção, verifica-se que 57,6% tem entre 6 a 15 anos de antiguidade. No que se refere à antiguidade na organização, regista-se que 47,5% possui entre 6 a 15 anos de antiguidade. No que respeita à classificação obtida na última avaliação final, observa-se que 64,6% obtiveram desempenho adequado, 33,4% desempenho relevante e apenas 2,0% desempenho excelente.

Discussão dos resultados

Através do teste à hipótese A verificasse que, quer na avaliação final quer na monitorização do desempenho, a vertente distributiva regista maior perceção de injustiça. Os valores encontrados, apresentados na tabela 2, mostrados por meio de medidas de tendência central, a saber, média e significando que os inspetores se revelam insatisfeitos com os resultados que lhes são atribuídos.

Na avaliação final, este resultado (x̅=2,79)3 pode ser explicado pelo facto de haver um sistema de quotas em que 75,0% das pessoas nunca terão o seu desempenho considerado relevante, assim como 95,0% dos trabalhadores nunca poderão ter um desempenho considerado excelente. Tal como foi mencionado por oito dos participantes na resposta facultativa inserida no inquérito por questionário “As classificações são atribuídas superiormente sem margem para negociação.”. Não havendo o sistema de quotas na monitorização do desempenho, compreende-se que o valor encontrado (x̅=3,79)4 seja superior ao da avaliação final. De acordo com Flint (1999) e Correia et al. (2019), quando a perceção de injustiça distributiva é elevada, há tendência para os trabalhadores diminuírem o seu empenho. É possível que, perante perceção de injustiça distributiva, os trabalhadores se sintam insatisfeitos, podendo observar-se casos de turnover, absentismo e conflito (Cunha et al., 2007).

A hipótese B é confirmada, conforme os valores descritos na tabela 2, verificando-se que na avaliação final o valor encontrado para quantificar a perceção de JO em relação à AD (x̅=3,99)5, mostrado por meio de medidas de tendência central (Odelius e Rabelo dos Santos, 2008), situa-se abaixo do ponto médio (4), enquanto na monitorização do desempenho esse valor (x̅=4,42)6 se encontra acima do ponto médio. Como foi apontado anteriormente, a explicação pode residir no facto da monitorização do desempenho não estar sujeita a um regime de quotas, evitando erros de tendência central, aliado a uma periodicidade mais estreita, evitando erros de recenticidade. Essa periodicidade mais estreita permite que existam encontros periódicos onde os intervenientes conhecem a oportunidade de discutir os erros apontados (Kihama e Wainaina, 2019). Porém, observa-se que a diferença de perceção de JO não é muito elevada. Se, por um lado, a avaliação final é influenciada pelo respeito do sistema de quotas imposto pelo SIADAP, a monitorização do desempenho confere maior relevância à quantidade e não à qualidade com o que o trabalho inspetivo é determinado, havendo em ambos os instrumentos fatores de desagrado. Para além disso, na monitorização do desempenho os resultados são passíveis de ser comunicados em equipa e eletronicamente o que pode causar insatisfação pelo facto de não ser dada uma atenção individual e confronto face a face.

Tabela 2: Perceção de justiça organizacional relativamente à “avaliação final” e à “monitorização do desempenho nas diversas dimensões 

Dimensão Média Desvio padrão
Avaliação final: justiça distributiva 2,79 2,07
Avaliação final: justiça procedimental 3,75 2,12
Avaliação final: justiça interpessoal 5,40 1,95
Avaliação final: justiça informacional 4,02 2,17
Avaliação final: justiça distributiva + justiça procedimental + justiça interpessoal + justiça informacional 3,99 2,27
Monitorização do desempenho: justiça distributiva 3,79 2,08
Monitorização do desempenho: justiça procedimental 4,56 2,06
Monitorização do desempenho: justiça interpessoal 5,36 1,90
Monitorização do desempenho: justiça informacional 3,98 2,09
Monitorização do desempenho: justiça distributiva + justiça procedimental + justiça interpessoal + justiça informacional 4,42 2,19

Tabela 3: Perceção de justiça procedimental e antiguidade 

Justiça procedimental Avaliação final Monitorização do desempenho
Justiça procedimental Média Desvio padrão Média Desvio padrão
Antiguidade na categoria de inspeção 0 - 5 anos 3,64 1,59 4,08 1,64
Antiguidade na categoria de inspeção 6 - 15 anos 3,40 2,03 3,86 1,96
Antiguidade na categoria de inspeção 16 - 30 anos 4,19 2,25 4,14 2,27
Antiguidade na categoria de inspeção 31 - 46 anos 5,17 1,66 5,22 1,59
Antiguidade na ACT 0 - 5 anos 4,38 2,00 4,60 1,92
Antiguidade na ACT 6 - 15 anos 3,35 1,96 3,76 1,93
Antiguidade na ACT 16 - 30 anos 3,85 2,24 4,08 2,17
Antiguidade na ACT 31 - 46 anos 5,00 1,86 4,97 1,98

Os resultados obtidos, sinalizados na tabela 4, permitem confirmar a hipótese F, uma vez que se verifica que os inspetores que obtiveram na avaliação final a menção de desempenho excelente exibem maior perceção de justiça informacional, quando comparados com os que obtiveram desempenho relevante. Estes últimos, também evidenciam maior perceção de justiça informacional em relação aos indivíduos que obtiveram desempenho adequado.

Tabela 4: Perceção de justiça informacional e classificações 

Classificação na última avaliação final Justiça informacional
Classificação na última avaliação final Média Desvio padrão
Adequado 3,57 2,17
Relevante 4,74 1,94
Excelente 6,25 0,86

Com os resultados obtidos no teste à hipótese C verifica-se que nas 27 delegações inquiridas os resultados revelam-se bastante distintos. Duas das delegações destacam-se pela baixa perceção de justiça relativamente à AD, sendo elas o Centro Local do Alentejo Central (x̅=1,19)7 e a Unidade Local de Viseu (x̅=1,56)8. Pelo contrário surgem 4 delegações que possuem elevada perceção de justiça relativamente à AD, das quais o Centro Local do Lis (x̅=5,64)9, a Unidade de Apoio ao Local do Oeste (x̅=5,24)10, o Centro Local de Nordeste Transmontano (x̅=5,20)11 e o Centro Local de Entre Douro e Vouga (x̅=5,15)12. Conclui-se que há diferenças de perceção de JO relativamente à AD nas diferentes zonas geográficas de atuação, que podem ser explicadas pelo facto de “Os objetivos são iguais entre unidades locais, havendo unidades que, por terem menos trabalho, são beneficiadas.”, tal como foi mencionado por três inspetores na questão final de caráter facultativo. Como consideram Caetano (2008) e Islami et al. (2018) se os objetivos são iguais e o contexto de atuação diferente, pode gerar-se uma perceção de injustiça, pelo que urge a criação de um sistema que permita a comparabilidade das situações tendo em conta o seu contexto. Outra explicação possível relaciona-se com as delegações terem diferentes avaliadores capazes de influenciar imediatamente as vertentes da justiça interpessoal e informacional, ou seja, influenciar a consideração que os avaliados possuem em relação à forma como são tratados pelos avaliadores e a qualidade e quantidade da informação que rececionam.

Verifica-se que a hipótese D foi suportada. Tendo em conta o género dos respondentes, foi realizado um teste t de Student, de modo a fazer uma comparação entre a perceção de JO relativamente à AD para homens e mulheres. Face aos resultados, verifica-se que as diferenças entre os géneros são muito reduzidas, originando que a perceção de JO relativamente à AD, no seu global, isto é, tendo em conta todas as dimensões estudadas, seja idêntica entre os homens (x̅=4,15)13 e as mulheres (x̅=4,03)14, que se justifica pelo facto do SIADAP não fazer distinções em função deste critério, não originando como consequência diferenças salariais acentuadas.

Analisados os resultados obtidos e apresentados através da tabela 3, a hipótese E não foi suportada. Para compreender os resultados obtidos, importa ter em conta o contexto de AD subjacente, ou seja, se se trata de um conjunto de indivíduos que apenas conheceram o sistema de SIADAP atualmente em vigor, ou trabalhadores que, ao longo do seu percurso, já foram avaliados segundo os sistemas de AD anteriores ao atual SIADAP. Pelo que se impõe uma análise distinta para esses dois grupos de trabalhadores.

Centrando a abordagem analítica nos inspetores apenas avaliados pelo atual SIADAP, interessa focar os trabalhadores com antiguidade até 15 anos. Comparando os inspetores compreendidos nessas faixas, verifica-se que os inspetores com antiguidade inferior a 6 anos possuem uma perceção de justiça procedimental superior aos inspetores cuja antiguidade (na categoria e na organização) se localiza entre os 6 e os 15 anos. Este resultado sugere que no curto prazo as pessoas são mais sensíveis aos resultados, enquanto ao longo do tempo se verifica a tendência para obter mais informação sobre os procedimentos usados, originando maior sensibilidade a estes, e, por conseguinte, à justiça procedimental. Se se terminasse a análise por aqui, a hipótese E seria suportada.

Porém, ao contemplar a totalidade dos respondentes, verifica-se que os inspetores com antiguidade superior a 15 anos apresentam maior perceção de justiça procedimental, quando comparados com os inspetores com antiguidade compreendida entre os 6 e os 15 anos, não suportando a hipótese E. Estes resultados podem ser explicados com a evolução do sistema de AD adotado pela ACT, pois conforme dois inspetores mencionaram na questão facultativa acerca do processo de AD usado na ACT, “O SIADAP não é perfeito, porém os seus procedimentos são muito melhores que os do anterior sistema de AD.”. De facto, o SIADAP atualmente em vigor foi implementado pela via legislativa em 2007, por isso se se considerar os inspetores cuja antiguidade permitiu conhecer apenas este sistema (antiguidade até 15 anos), a hipótese E é suportada. Porém quando se abrange os inspetores que conheceram os anteriores sistemas de AD, verifica-se que consideram que a vertente de justiça procedimental assumiu maior justiça com a implementação do atual SIADAP, o que traduz uma evolução positiva dos sistemas de AD ao longo dos anos, no que se refere à equidade e transparência dos procedimentos usadas, bem como à possibilidade de recurso das decisões tomadas Tais resultados confirmam que quando as classificações exibem valores mais baixos, os avaliados revelam-se mais exigentes relativamente às explicações dadas, necessitando de informação mais completa acerca do processo de AD, de modo a verificarem que os resultados não foram enviesados em função de erros.

Conclusões

O presente artigo procura desenvolver uma análise diferenciada acerca da perceção de JO fundamentada na AD, manifestada pelos inspetores do trabalho da ACT, que distingue e explica os resultados obtidos em função dos instrumentos de AD utilizados (avaliação final e monitorização do desempenho). Para isso, operacionaliza o modelo tetradimensional de JO que considera as vertentes distributiva, procedimental, interpessoal e informacional. No processo de AD, a justiça distributiva diz respeito às classificações atribuídas e a justiça procedimental relaciona-se com os procedimentos utilizados que conduzem à tomada de decisão, nomeadamente os critérios de transparência, a possibilidade de serem ouvidos e de recorrerem de decisões. A justiça interpessoal reporta à qualidade do tratamento que os avaliados recebem por parte dos avaliadores ao longo do processo de AD e a justiça informacional avalia a quantidade e qualidade da informação que um avaliado recebe no processo de AD.

A investigação empírica permite constatar que a vertente de justiça distributiva é a que apresenta valores de maior perceção de injustiça relativamente à AD, quer na avaliação final, quer na monitorização do desempenho, revelando insatisfação face aos resultados obtidos. Quando comparados os instrumentos de AD utilizados, verifica-se que a avaliação final regista maior perceção de injustiça, em comparação com a monitorização do desempenho, apesar dessa diferença não ser muito elevada. A perceção de JO relativamente à AD apresenta valores distintos nas diversas zonas geográficas de atuação dos inspetores do trabalho, e não varia significativamente em função do género. No que se refere à antiguidade (quer na categoria de inspeção, quer na organização), concluiu-se que a sugestão de Rego et al. (2002) e Cunha et al. (2007), que dita que os indivíduos que já passaram por maior número de processos avaliativos são mais sensíveis à justiça procedimental, pode ser verdadeira ao considerar-se unicamente os inspetores que, ao longo do seu percurso profissional, foram avaliados somente através do atual SIADAP. Porém, quando se analisam os inspetores que conheceram os processos de AD anteriores ao atual SIADAP, verifica-se que o aumento da antiguidade, por si só, não determina o aumento da perceção de injustiça procedimental. Sintonizando com os estudos de Erdogan (2002), confirmou-se que os inspetores com menor classificação na última avaliação final correspondem aos que registam maior perceção de injustiça informacional.

Numa altura em que o Governo Português assume, como uma das prioridades governativas, a melhoria do sistema de AD no setor público, importa compreender de que forma se pode alcançar esse objetivo. Deste modo, esta pesquisa identifica falhas que carecem de ser corrigidas no processo de AD, relativamente à perceção de JO. Com efeito, sugerem-se modificações em diferentes vertentes do processo de AD, com o intuito de elevar a perceção de JO. Na avaliação final, revela- se pertinente uma maior preocupação com a vertente distributiva e procedimental, com vista à diminuição da perceção de injustiça. Sendo difícil uma alteração na vertente distributiva, pelo facto de ter de cumprir as quotas impostas, seria importante que a ACT introduzisse uma preocupação acrescida ao nível da objetividade e transparência dos procedimentos que conduzem aos resultados. Já na monitorização do desempenho, apontam-se alterações associadas à vertente distributiva e informacional da justiça. Entende-se que, na fixação dos objetivos, importa uma maior intervenção por parte dos avaliados, para que estes se sintam envolvidos no processo de AD e, consequentemente haja uma maior aceitação deste e um acréscimo da perceção de justiça procedimental (Correia et al., 2019; Klein et al., 2019). Sugere-se que o resultado da monitorização do desempenho seja comunicado de forma presencial, para permitir um contacto mais personalizado, capaz de possibilitar o debate acerca dos resultados a atribuir, podendo aumentar a perceção de justiça distributiva e informacional. A implementação de ações de formação e a utilização de sistemas de comunicação claros acerca da AD poderia aumentar a perceção de justiça interpessoal e informacional (Colquitt, 2001), uma vez que os inspetores consideram existir uma burocratização excessiva e um insuficiente fornecimento de informações necessárias. Finalmente, não dispondo os gestores públicos de autonomia e liberdade semelhantes às dos gestores privados na vertente da justiça distributiva no âmbito da avaliação final (por terem de cumprir as quotas fixadas), poderiam privilegiar as restantes vertentes da JO, de modo a tentar anular os efeitos negativos que se evidenciem na vertente distributiva

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Notas

1A ACT é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, sendo dirigida por um inspetor-geral, coadjuvado por dois subinspetores-gerais, e tem como missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral e o controlo do cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, bem como a promoção de políticas de prevenção dos riscos profissionais, quer no âmbito das relações laborais privadas, quer no âmbito da Administração Pública (ACT, 2017).

2De acordo com o Referencial da Atividade Inspetiva, as principais funções dos inspetores do trabalho definem-se por “Promover, controlar e fiscalizar o cumprimento das normas legais, regulamentares e convencionais respeitantes às relações e condições do trabalho; prestar informações e conselhos técnicos com vista ao esclarecimento dos sujeitos das relações laborais e das respetivas associações; sugerir as medidas adequadas em caso de falta ou inadequação de normas legais ou regulamentares; cooperar com os parceiros sociais e institucionais e com as instituições públicas e privadas que exerçam atividades análogas.”. Acresce referir que lhes compete a elaboração de instrumentos de autoavaliação que permitam aos interlocutores da ACT verificar o cumprimento da legislação laboral (ACT, 2015).

3O desvio padrão assume o valor de 2,07.

4O desvio padrão assume o valor de 2,08.

5O desvio padrão assume o valor de 2,27.

6O desvio padrão assume o valor de 2,19.

7O desvio padrão assume o valor de 1,06.

8O desvio padrão assume o valor de 1,33.

9O desvio padrão assume o valor de 1,79.

10O desvio padrão assume o valor de 1,97.

O desvio padrão assume o valor de 1,82.

12O desvio padrão assume o valor de 2,16.

13O desvio padrão assume o valor de 2,10.

14O desvio padrão assume o valor de 2,28.

Recebido: 13 de Fevereiro de 2021; Aceito: 15 de Fevereiro de 2021

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