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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia vol.43  Porto June 2022  Epub July 31, 2022

https://doi.org/10.21747/08723419/soc43r2 

Recensão

ZAQUEU-HIGINO, Paulo Victor et al. (2021), Catolicismo, Quo vadis? Os rumos da Igreja Católica, Juiz de Fora, Brasil: Editora Resistência Acadêmica.

Davi Arão Elias Cardoso1 

1Faculdade de Letras da Universidade do Porto


Apesar de enfrentar uma dura queda no número de fiéis no Brasil, a Igreja Católica ainda detém importante capital simbólico na cultura brasileira. Na intensão de compreender melhor suas facetas, foi criado o Núcleo de Estudos do Catolicismo (NEC), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil. O livro a que damos atenção nessa recensão é fruto do primeiro Simpósio Internacional de Estudos do Catolicismo, promovido virtualmente pelo NEC em outubro de 2020, com o tema “Catolicismo: Quo vadis?”. Dessa forma, a obra nos traz textos com diferentes lastros teóricos e epistemológicos, advindos de pesquisadores de diversas instituições da América e da Europa.

No primeiro capitulo, Maria Clara Lucchetti Bingemer 1 pretende uma discussão sobre o ethos católico. Passados quase 60 anos do Concílio Vaticano II, e num momento em que a Igreja busca ser uma “via de comunhão com as outras confissões cristãs e mesmo com as outras religiões não cristãs” (Bingemer in Zaqueu-Higino et al., 2021: 21), entender o que significa ser católico passa a ser uma questão pertinente. Para atingir seu objetivo, a autora analisa a etimologia das palavras ethos e katholikos para então apresentar o catolicismo como um cristianismo de mediações que possibilitam o acesso a Deus, tais como: os sacramentos, a transmissão dos testemunhos, o culto aos santos, a devoção à Maria, a mística e o cuidado com os mais pobres e desfavorecidos. O texto culmina na compreensão que a Igreja tem de si mesma, impactada pelo Concílio Vaticano II e suas reformulações, postas em curso pelos papas desde aquele evento até o papado atual.

O segundo capítulo, de autoria de João Manuel Duque2, trata da relação do catolicismo com a modernidade e a pós-modernidade, sem deixar de levar em conta o contexto pandémico. Segundo o autor, se no passado a Igreja Católica foi a grande influenciadora da sociedade ocidental, na modernidade é a ciência que pretende assumir esse papel, buscando ser a única chave de leitura da realidade. Durante a pandemia foi possível identificar como a ciência, muitas vezes, se apresentou como suprema instância de orientação. Assim, Duque discute as configurações do catolicismo e suas possibilidades de existência no mundo atual, dando centralidade ao conceito de fraternidade aberta, exposto pelo Papa Francisco na encíclica “Fratelli Tutti”, que, diferente das narrativas modernas e pós-modernas, promoveria universalidade em tempos de profundas fragmentações.

No terceiro capítulo, Helena Vilaça3 nos propõe a indagação que dá título ao livro:

Catolicismo: Quo vadis? Vilaça nos apresenta uma análise histórica do contato da Igreja com o mundo, partindo de sua relação com o Império Romano, passando pelos principais momentos e pontos de tensão, como sua fase hegemónica na Alta Idade Média, o grande cisma do Oriente e a Reforma Protestante, até chegar à sociedade moderna, em pleno processo de secularização. Ao final, a autora reflete sobre os próximos passos e o futuro do catolicismo, ou catolicismos, uma vez que vê neste, três correntes cada vez mais individualizadas: conservadora, liberal e carismática.

No próximo capítulo, João Décio Passos4 também lança mão de um itinerário histórico para analisar as mudanças e continuidades do catolicismo. Fugindo da impressão de que somente o catolicismo atual vive uma relação de conservação e renovação, analise que esta correlação de forças é parte da própria Igreja Católica, que é, na verdade, “resultado de uma fusão de elementos distintos disponíveis em diversas épocas históricas e que foram sendo assimilados em direções e em doses diferenciadas, vindo a resultar em uma identidade de visões e práticas, de sistema de crença e organização institucional” (Passos in Zaqueu-Higino et al, 2021: 84). Após traçar sua lógica de autoconstrução, o texto trata das tensões presentes que deverão moldar o futuro desta religião. O ensaio apresentado no quinto capítulo por Carlos Alberto Steil5 e Rodrigo Toniol6 analisa as últimas mudanças na relação do catolicismo como tradição com a Igreja Católica como instituição. Para tal, relacionam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS). No decorrer do ensaio, os autores identificam a “perda das condições objetivas de reprodução e transmissão do catolicismo por via da tradição” (Steil; Toniol in Zaqueu-Higino et al., 2021: 105), que resulta em uma grande queda no número de membros da Igreja Católica no Brasil. Porém, as estatísticas mostram um movimento inversamente proporcional quanto ao tamanho da instituição católica no país, que demonstra franco crescimento, visto principalmente no aumento de sacerdotes e paróquias.

Os temas envolvendo o catolicismo social e a moralização das relações de classe em Portugal dão forma ao sexto capítulo, de autoria de Joaquim Costa7. Nesse ensaio, Costa apresenta sua investigação focada em três organizações católicas portuguesas: a Juventude Operária Católica, a Liga Operária Católica e a Associação Cristã de Empresários e Gestores. Através do estudo da história de cada instituição, de análise documental e entrevistas, o autor identifica algumas transformações no catolicismo social português, como o declínio das instituições ligadas ao operariado, muito por conta do processo de moralização da política e da valorização de um catolicismo social de caráter assistencialista, mais ligado à entidade patronal estudada.

O sétimo e último capítulo, de autoria de Alzirinha Souza 8, busca colher ensinamentos da pandemia para uma nova visão teológico-pastoral. Baseada no pensamento dos teólogos Bruno Forte e José Comblin, Souza apresenta duas perceções marcantes dos tempos de COVID-19: a prática da solidariedade e a provisoriedade histórica. Esses elementos são colocados como os balizadores na difícil missão de estabelecer novas práticas no catolicismo pós-pandemia, um momento em que a autorreferencialidade deve ser posta de lado em benefício do encontro com a realidade e aqueles que nela vivem, uma proposta que já havia sido colocada pelo Papa Francisco no início de seu pontificado.

Bibliografia

ZAQUEU-HIGINO, Paulo Victor et al. (2021), Catolicismo, Quo vadis? Os rumos da Igreja Católica, Juiz de Fora, Brasil: Editora Resistência Acadêmica [ Links ]

Notas

1Maria Clara Lucchetti Bingemer é doutora em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana e professora titular na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

2João Manuel Duque é doutor em Teologia pela Hochschule Sankt Georgen e professor catedrático na Universidade Católica Portuguesa.

3Helena Vilaça é doutora em Sociologia pela Universidade do Porto e professora associada na mesma universidade.

4João Décio Passos é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Católica de São Paulo, e livre docente em Teologia na mesma universidade.

5Carlos Alberto Steil é doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

6Rodrigo Toniol é doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor adjunto na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

7Joaquim Costa é doutor em Sociologia pela Universidade do Minho e professor auxiliar na mesma universidade.

8Alzirinha Souza é doutora em Teologia pela Université Catholique de Louvain e professor assistente na Universidade Católica de Pernambuco.

Recebido: 10 de Março de 2022; Aceito: 02 de Maio de 2022

Davi Arão Elias Cardoso. Internacionalista. Mestre em História e Relações Internacionais. Doutorando em Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Porto, Portugal). Endereço de correspondência: Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Via Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto (Portugal). E-mail: daviaecardoso@gmail.com

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