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Sociologia

versão impressa ISSN 0872-3419

Sociologia vol.44  Porto dez. 2022  Epub 30-Mar-2023

https://doi.org/10.21747/08723419/soc44r21 

Recensão

DIAS, Isabel (Coord) (2018), Violência Doméstica e de Género, Uma Abordagem Multidisciplinar, PACTOR - Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação.

Eusébio Kaluvi Mateia11 

1Faculdade de Letras da Universidade do Porto


O livro, objeto de recensão, é coordenado por Isabel Dias e conta com a colaboração de outros autores que em muito contribuíram para seu engrandecimento. Uma obra de leitura bastante fácil e conteúdos teórico-empíricos compreensivos; constituída por 228 páginas com uma estruturada repartida em dez “10” capítulos, cujo objetivo fundamental consiste em contribuir e despertar para uma melhor visibilidade dos investigadores/as, para que estes possam melhor intervir na área da violência doméstica e de género em distintos campos científicos e profissionais (Dias, 2018:11).

O livro em si apresenta uma organização estrutural que obedece a um modelo transversal, começando por uma introdução geral, seguindo-se uma distribuição por capítulos, cuja elaboração e análise de cada um destes capítulos é repartido e relegado a cada um dos autores. Na visão geral da exposição dos conteúdos (teórico-empírico), é possível verificar um olhar analítico e diversificado do contributo fornecido por cada um destes autores, tal como veremos nos parágrafos seguintes. De salientar que o argumento teórico-empírico de cada um destes capítulos circunda em torno da Violência Doméstica e de Género como tema dominante desta obra, com um leque de ideias relevantes e argumentos interessantes em distintas áreas do saber (multidisciplinariedade). No capítulo 1, “violência doméstica e de género: paradigmas e debates atuais”, Isabel Dias, faz uma aproximação descritiva dos conceitos de “Violência entre Parceiros Íntimos (VPI)”47 e o da “Violência Doméstica e de Género”. Através destes conceitos, ela mostra as abordagens que tanto contribuíram para uma melhor compreensão dos mesmos. Assim, em relação ao primeiro conceito compreende-se a forma como este tem despertado a atenção não só das comunidades nacionais, mas também internacionais, a ponto de o mesmo ser considerado como um problema social de grande relevância (Dias, 2018: 1). Na lógica de Isabel Dias, este tipo de conceito “designa a violência física, sexual, psicológica e emocional. Por si só não se constitui apenas e só como uma violência dos direitos humanos, mas também constitui um sério problema social e de saúde pública” (Costa et al., 2015; Dias, 2018: 2).

Em relação ao conceito de “Violência Doméstica e de Género”, Isabel Dias o descreve tendo como base da fundamentação teórica, os dois grandes paradigmas: o paradigma baseado na violência de género, o qual sustenta que as mulheres são as principais vítimas de violência doméstica. Este paradigma teve primazia de ganhar a sua predominância na agenda e estrutura teóricas da corrente feminista, que considera a violência entre parceiros íntimos, como “consequência das estruturas sociais patriarcais” (Dobash & Dobash, 1992; In Dias, 2018: 14). Já o segundo paradigma sustenta uma visão mais genérica baseando-se nas duas vertentes da violência, por isso, é denominado por bidirecional, uma vez que sustenta que ambos (mulheres e homens) podem ser tanto vítimas, quanto agressores (idem). Rui do Carmo, no capítulo 2, “Violência doméstica: panorama do regime jurídico”, numa primeira instância, apresenta os dados estatísticos relacionados com a violência doméstica, àqueles obtidos e promulgados quer pela Guarda Nacional Republicana quanto pela Polícia de Segurança Pública. De referir que estas duas instituições, só em 2016 tiveram no conjunto 2251 participações por mês, o que correspondia a 74 participações por dia, denúncias relacionadas com a violência doméstica (Carmo, 2018: 29). Com base na diferenciação de grupos por sexo, as mulheres predominaram o ranking estatístico como vítimas, quanto comparadas com os homens. Neste mesmo capítulo, o autor mostra também a sua preocupação em relação a uma visão geral dos instrumentos competentes e legais existentes, como sustentáculos fundamentais em termo de respostas a toda situação social e criminal que “abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre companheiros ou ex-companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima” (Extrato da definição da Convenção de Istambul - 2011).

Já Teresa Magalhães, no capítulo 3, “Medicina legal e ciências forenses: o papel da multidisciplinariedade nos casos de violência doméstica”, faz uma análise do conceito de violência doméstica, considerando-a como uma situação de vulnerabilidade e de submissão por parte da vítima perante o abusador. Neste quadro de ideias, o agressor ou abusador muitas vezes exerce domínio e controle sobre a vítima. Esta é uma realidade bastante complexa, que muitas vezes se traduz numa patologia da interação entre pessoas envolvidas, dificultado assim a deteção do agressor, o diagnóstico de leitura sobre casos que envolvem a vítima, bem como o tratamento e a prevenção deste tipo de abusos. E por isso, torna-se imprescindível o papel da medicina legal e das restantes ciências forenses, que ajudarão na descoberta dos possíveis casos, de modo a prever um diagnóstico o mais rápido e seguro possível, capaz de orientar as medidas terapêuticas a aplicar, como as medidas de proteção à vítima e de investigação criminal (Magalhães, 2018:64). Esta autora demostra ainda que, qualquer opinião a respeito deste assunto não pode ser baseada apenas e só em meras opiniões, cabe aos diversos profissionais especializados na matéria a obrigação ética e deontológica em gerirem às suas práticas nesta área. No entender da autora, tal intervenção não deve ser feita de forma isolada, ou seja, deve ser obrigatoriamente multidisciplinar, na qual os diversos profissionais têm todos o dever e obrigação de conhecerem os papéis e as competências de cada um, para uma melhor articulação e cooperação, sem atropelos (Magalhães, 2018: 65). De salientar ainda que, para que esta intervenção seja bem-sucedida de forma eficaz, é preciso que as situações de violência doméstica sejam detetadas com antecedência, quanto mais rápida a situação for detetada melhor será para os intervenientes.

Ana Isabel Sani, no capítulo 4, “Exposição da criança à violência doméstica: (re)conhecimento e (re)ação atuais”, começa por destacar a relação que ela nutre com os assuntos relacionados com a violência contra as crianças (vitimação infantil), uma relação caraterizada por uma grande e forte experiência de quase de duas décadas e que a mesma continua a despertar nela uma vontade enorme de contribuir para este legado. No seu entender, situações relacionadas com este tipo de violência, geralmente ocorrem entre progenitores ou figuras parentais “violência interparental”, (Sani, 2016; In Dias, 2018: 81). Olhando para o histórico da literatura relacionada com violência contra as crianças, podemos dizer que não é um fenómeno novo, pode-se considerar novo, sim, a amplitude das políticas de intervenção deste fenómeno. A autora mostra as controvérsias que a violência contra crianças teve ao longo do tempo, desde o seu (re)conhecimento como um problema social e criminal, às políticas públicas de intervenção e proteção ou (re)ação. Pode dizer-se que este sistema de proteção se apresenta como um desafio para todos através de um olhar amplo deste problema social e criminal, mobilizando assim e sobretudo a atenção de investigadores e profissionais, para que a criança seja colocada numa instância que lhe é devida.

No capítulo 5, “Violência sobrepostas: contextos, tendências e abordagens num cenário de mudanças”, Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti, a exemplo de Sani no capítulo anterior, também mostra o seu interesse com a temática da violência doméstica. Em linhas gerais, defende que a violência doméstica sobretudo contra as mulheres, apesar de ser um fenómeno comum e transversal às sociedades contemporâneas, a sua definição e tipologia ganharam discurso internacional através da agenda de direitos humanos, apenas a partir dos anos 70 do século XX (Cavalcanti, 2018: 99). Este período foi o marco histórico de uma conceituação transversal com base nos princípios legisladores de cada Estado. Assim, cada Estado criou mecanismo próprios e planos para educar e erradicar a violência, daí a seguinte fundamentação teórica, “cada estado deve procurar cumprir e ratificar planos, conferências e objetivos, criando estratégias e marcos legais e institucionais para tratar da temática da violência contra as mulheres e meninas” (Cavalcanti, 2018: 98). Desde modo, compreende-se o facto de que o tema da violência passe de ações pontuais, para uma reflexão mais alargada ou abrangente na agenda pública de cada sociedade, criando assim organizações de redes que possam proteger a vítima e integrá-la.

Dália Costa, no capítulo 6, “A evolução de políticas públicas em Portugal na área da violência doméstica”, faz uma análise aprofundada das políticas públicas dentro do contexto nacional, cuja primazia de estudo recai sobre aquelas que visam prevenir e eliminar a violência doméstica (Costa, 2018: 123). Nesta parte do livro, Dália faz uma tentativa da aproximação do enquadramento destas políticas, através da definição de mecanismos, estratégias e formas de ação, com o objetivo de erradicar o problema da violência contra as mulheres. É demostrado que, foi no final do decénio de 80 início de 90 do século XX, que em Portugal surgiram as preocupações políticas com a violência doméstica. A autora sublinha a sua preocupação teórica em relação ao conceito de violência conjugal, deixando de parte o tipo de violência que ocorre no foro de intimidade ou mesmo de base afetiva. Ela utiliza o conceito de “política pública”, sob o entendimento de um conjunto de decisões e ações resultantes da interação entre público e privado (Costa, 2018: 124).

Maria José Magalhães e Manuela Tavares, no capítulo 7, “os contributos dos feminismos na luta contra a violência sobre as mulheres”, ao contrário do modelo individualista em relação a violência de género, que fundamenta as sua teorias na explicação dos traços da personalidade, neste sétimo capítulo estas autoras, procuraram enfatizar o modelo teórico sustentado pela corrente feminista, afirmando que a violência de género encontra a sua explicação na estrutura social e económica, bem como nas relações de poder entre mulheres e homens (Magalhães e Tavares, 2018: 157). As autoras mostram que a perspetiva feminista encontrou a sua base de sustentação e fundamentação na abordagem e modelo teórico defendido pela dominação masculina. Este tipo de argumento serviu de base e de mola impulsionadora na luta contra a violência sobre as mulheres, por parte das feministas, já desde a década de 60 e 70 do século XX.

Sofia Neves e Elisabete Brasil, no capítulo 8, “A intervenção junto de mulheres vítimas de violência na intimidade em Portugal: percursos, paradigmas, práticas e desafios”, fizeram um estudo aprofundado em relação aos paradigmas de intervenção para com as vítimas de violência na intimidade, trazendo ao de cima algumas práticas que Portugal tem desenvolvido no quadro teórico da proteção e integração das vítimas deste crime. Tais paradigmas ou políticas de intervenção começaram a predominar o espaço de ação e implementação das suas teorias apenas a partir dos anos 90 do século XX. As autoras apontam para o papel desempenhado pelo Estado. Sobretudo a partir da aprovação do Iº Plano Nacional contra a Violência Doméstica (1999-2002). Através deste instrumento, várias propostas de integração foram surgindo, tais como: aquelas relacionadas com as situações de riscos que a vítima vive, as próprias políticas relativas ao encaminhamento da vítima para as instituições de direitos, os reforços no plano de atendimento da vítima junto da polícia, a criação de redes de abrigo ou apoio à vítima, bem como a constituição das equipas multidisciplinares para responder às necessidades das próprias vítimas (Neves e Brasil, 2018: 176).

De realçar também que, para além do contributo do Estado para uma melhor prevenção e integração da vítima, as autoras destacam ainda o papel preponderante exercido pela sociedade civil e pela própria academia; ambas contribuíram tanto para o melhoramento das condições de apoio às vítimas, bem como no próprio plano da integração das mesmas (vítimas), proporcionando-lhes assim as melhores condições de vida. Neste quadro de ideias, deve referir- se também o contributo relevante reivindicado e protagonizado pelos movimentos feministas internacionais nos anos 60 do século XX (Neves e Brasil, 2018) o qual já referido no decorrer da descrição desta recensão.

No capítulo seguinte, “Violência na intimidade e intervenção com vítimas: contributos para uma perspetiva inclusiva”, Marlene Matos e Andréa Machado fizeram um estudo aprofundado do conceito de violência na intimidade, mostrando que ganhou pertinência nos anos 70 do século passado. A partir deste período, este conceito torna-se um problema social criminal, com implicações bastante complexas, quer por parte das próprias vítimas, quanto por parte das pessoas ao redor das mesmas, incluindo o próprio agressor. De realçar que, foi então a partir deste referido período que este tipo de violência começou a ganhar primazia na agenda das políticas públicas, já que antes era considerado como um problema individual e privado, onde o espaço de resolução do mesmo era reservado às quatro paredes. Também é demostrado pelas autoras que diferentes tipos de perspetivas etiológicas tentaram contribuir para uma explicação mais adequada deste fenómeno (biológica, feminista, sociológica, ecológica). Destacamos duas: a feminista e a sociológica (sociólogos da família). Para a perspetiva feminista, este tipo de violência é bastante generalizado, por isso, deve ser reconhecido como um problema social que afeta as mulheres. Na visão da perspetiva sociológica, argumenta-se que homens e mulheres podem ser tanto autores da violência bem como vítimas da mesma (Matos e Machado, 2018). Ainda neste mesmo capítulo, Matos e Machado referem-se também ao conceito das políticas de inclusão das vítimas de violência na intimidade; demostram que a nível nacional estas políticas surgiram na década de 70 e 80 do século XX, cujo sistema de proteção e integração das vítimas tem abrangido muito mais as mulheres até aqui, quanto comparadas com os homens (Matos e Machado, 2018: 198).

Rui Abrunhosa Gonçalves e Olga Cunha, no capítulo 10 e último “Agressores nas relações de intimidade: o olhar da psicologia”, a exemplo dos outros autores, apresentam um estudo aprofundado sobre a violência na intimidade. Na sua descrição teórica, priorizou-se a violência na intimidade como conceito dominante, sem qualquer referência aos conceitos de “violência doméstica” ou mesmo o da “violência de género”, por estes últimos serem considerados mais abrangentes. Neste capítulo, os autores também manifestam uma maior preocupação com a figura da vítima de violência de intimidade; por isso, baseando-se em várias políticas e ideologias, apresentam e delineiam mecanismos estratégicos de intervenção e proteção da mesma; reportando também os contributos relevantes dos movimentos sociais associados ao feminismo e as políticas em torno da igualdade de género (Gonçalves e Cunha, 2018: 207). Os autores mostram ainda a forma como várias questões em torno dos agressores são analisadas nas relações de intimidade; associando-se também às situações de conjugalidade ou de vida em comunhão; em que boa parte destas se não mesmo todas são relegadas para as agendas das políticas públicas. Sem descurar o acompanhamento psicológico feito às vitimas e agressor, tendo como pano de suporte as perspetivas teóricas: quer cognitivo-comportamentais, quanto psicoeducativas, entre outras

Referências bibliográficas

DIAS, Isabel (Coord) (2018), Violência Doméstica e de Género, Uma Abordagem Multidisciplinar, PACTOR - Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação [ Links ]

Notas

47Tradução do conceito Intimate partner violence (IPV)

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