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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.1 Lisboa mar. 2017

 

CARTA AO EDITOR/LETTER TO THE EDITOR

Carta ao Editor

Letter to the Editor

José Andrade Gomes1, Pedro Póvoa2,3

1Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital da Luz – Luz Saúde, Lisboa, Portugal
2Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, Hospital de São Francisco Xavier Xavier - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
3NOVA Medical School/Faculdade de Ciências Médicas, Universidade NOVA de Lisboa, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

Exmo. Sr. Editor-Chefe,

Lobão MJ e Sousa P fizeram uma revisão sobre “Infecções urinárias associadas a cateter vesical” (ITUaCV).1 Correctamente apontam que se trata de um diagnóstico diferencial muito dificil com as bacteriúrias assintomáticas (BA) e que os critérios de diagnóstico são muito vagos. Apesar desses obstáculos, escrevem que se trata de “um problema de saúde pública” pela dimensão e pelas consequências.

Consideramos que os critérios do Centers for Diseases Control and Prevention utilizados2 carecem de especificidade. Qualquer doente febril com um diagnóstico ainda não apurado e com um cateter vesical colocado tem fortes probabilidades de cumprir estes critérios pois, como reconhecem os autores, a incidência de bacteriúria em doente algaliado é muito elevada e cresce com a sua duração.

Quanto à importância, os autores escrevem que “as ITUaCV são ainda a principal causa de bacteriémia secundária associada aos cuidados de saúde, cuja taxa de mortalidade se estima ser de 10%-13%”, juntando 2 referências. Na primeira não conseguimos encontrar esses números. A segunda3 refere que “in hospitalized patients, catheter-associated (CA) bacteriuria accounts for many episodes of nosocomial bacteremia, and one study has found an association with increased mortality” (esse estudo foi publicado há 33 anos - 1982, com dados de 1979 a 1981) e acrescenta ainda, referindo-se à prevenção das ITUaCV, “because the relationship between CA asymptomatic bacteriuria (CA-ASB) and CA urinary tract infection (CA-UTI) and other outcomes is unclear, it is challenging to assess an intervention that has been shown to reduce CA-ASB (or CA-bacteriuria) but that has an unknown effect on CA-UTI.”. Achamos que por aqui não se pode deduzir importância clínica. Num estudo recente com 444 episódios de bacteriúria4 e em que 128 foram atribuídas a ITUaCV, apenas 1,6% destas foram relacionados com bacteriémia secundária de ponto de partida no tracto urinário, não houve evidência de uma associação da mortalidade com BA versus sintomática e o tratamento antibiótico da bacteriúria não teve impacto no desfecho clínico. Quanto à sua importância económica, o único estudo citado pelos autores5 mesmo utilizando os sobre-sensíveis critérios diagnóstico acima referidos, estima o custo das ITUaCV em < 1% do total das cinco maiores infecções ditas associadas aos cuidados de saúde. Ou seja, a sua importância clínica e económica é muito baixa, em especial em comparação com outras infecções associadas aos cuidados de saúde.

Utilizemos então os dados dos autores para fazer algumas contas ilustrativas em dois hospitais com características muito diferentes, aqueles em que trabalhamos. A incidência dos episódios de ITUaCV em 2015 diferiu entre 0,74 e 2,7/1000 dias de internamento e entre 1,5 e 4,38/1000 dias de catéter vesical; isto traduziu-se em 45 episódios num e 186 episódios no outro hospital. Utilizando o estudo de Saint6 citado pelos autores que utilizou um programa de prevenção que resultou numa redução de 0,62 ITUaCV por 1000 dias de catéter, obteríamos uma redução de 14,2% a 41,3%, passando de 45 episódios para 39 e de 186 para 109 - reduções anuais de 6 a 77 ITUaCV. Fazendo ainda a extrapolação com os citados dados obtidos por Kizilbash,4 teríamos uma bacteriémia prevenida em cada 9 a 125 meses. Claro que é melhor que nada, mas basta ver a metodologia do estudo de Saint para nos apercebermos da imensidão de meios envolvidos para este resultado.

Em suma, na nossa opinião e com os conhecimentos actuais, afirmamos:

1.A maioria das denominadas ITUaCV são BA.
2.Os critérios de diagnóstico não são específicos.
3.As verdadeiras ITUaCV raramente se complicam.
4.Devemos ser muito criteriosos no uso dos cateteres vesicais e mais ainda na requisição de urinoculturas aos doentes algaliados.

 

Referências

1. Lobão MJ, Sousa P. Infecções urinárias associadas a cateter vesical: contributos para a prática clínica. Rev Port Med Int. 2016; 23: 65-8.         [ Links ]

2. Centers for Disease Control and Prevention. urinary tract infection (catheter-associated urinary tract infection [CAUTI] and non-catheter-associated urinary tract infection [UTI]) and other urinary system infection [USI]) events. 2017 [consultado 05 Fev 2017]. Disponível em: https://www.cdc.gov/nhsn/PDFs/pscManual/7pscCAUTIcurrent.pdf.         [ Links ]

3. Hooton TM, Bradley SF, Cardenas DD, Colgan R, Geerlings SE, Rice JC, et al. Diagnosis, prevention, and treatment of catheter-associated urinary tract infection in adults: 2009 International Clinical Practice Guidelines from the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2010; 50: 625-63.         [ Links ]

4. Kizilbash QF, Petersen NJ, Guoqing GJ, Naik AD, Trautner BW. Bacteremia and mortality with urinary catheter–associated bacteriuria. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013; 34: 1153-9.

5. Zimlichman E, Henderson D, Tamir O, Franz C, Song P, Yamin CK, et al. health care-associated infections a meta-analysis of costs and financial impact on the US health care system. JAMA Intern Med. 2013; 173: 2039–46.

6. Saint S, Olmsted RN, Fakih MG, Kowalski CP, Watson SR, Sales AE, et al. Translating health care-associated urinary tract infection prevention research into practice via the bladder bundle. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2009;35:449–55

 

Correspondência:José Andrade Gomeszeuci@portugalmail.pt
Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital da Luz – Luz Saúde, Lisboa, Portugal

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

 

Recebido: 10/01/2017

Aceite: 10/02/2017

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