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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.3 Lisboa set. 2017

https://doi.org/10.24950/rspmi/CE/2017 

CARTA AO EDITOR / LETTER TO THE EDITOR

 

A Propósito do Reconhecimento em Portugal da Especialidade de Medicina de Emergência

Apropos Recognition in Portugal of the Specialty of Emergency Medicine

João França Gouveia

Serviço de Medicina Interna, MedicilLisboa

Correspondência

 

O nº 1/2017 da Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) abre com um apelo ao debate feito pelo Editor-Chefe (João Sá) aos seus leitores: o “encorajamento, quando não a indução, de debate mediante a publicação de cartas ao Diretor”.

Correspondendo a este apelo, e cumprindo um dever de cidadania, aqui estou, com todo o gosto, a comentar os dois primeiros artigos deste número da Revista: a página do Presidente (Luis Campos), “As Mistificações à Volta das Urgências”1 e o artigo de opinião, “Viagem pelo Mundo da Medicina de Urgência”,2 de António Martins Batista, Maria da Luz Brazão e Sofia Nóbrega.

Ambos os artigos abordam a problemática dos Serviços de Urgência Hospitalar (SUH) e, só por isso, merecem uma mensagem de felicitação: perante o caos que “há séculos “ está instalado nos nossos SUH, o pior que se lhes pode fazer é não falar deles, permitindo que o silêncio – dos médicos, dos doentes e dos cidadãos em geral – perpetue o descalabro que neles se vive.

Na sua essência, a mensagem que os dois artigos transmitem é a da oposição a que em Portugal se crie a Especialidade de Medicina de Emergência (EME), ou seja, estas figuras destacadas da SPMI estão contra o seu reconhecimento em Portugal.

No passado mês de Março, entreguei pessoalmente ao Presidente da SPMI um artigo para publicação na nossa Revista, artigo em que, obrigado pela minha longa e diversificada vivência profissional, defendo precisamente o contrário: que a medida fundamental para resolver o problema dos nossos SUH é o reconhecimento, em Portugal, da EME.

Entre nós, em Portugal, sublinho, os nossos colegas do Colégio da Competência em Medicina de Emergência também pensam do mesmo modo e, recentemente, tornaram pública a sua posição3: a “criação e implementação da Especialidade de Urgência e Emergência”, (é) “a única forma de dotar os Serviços do SNS, de forma uniforme, sustentada e não sujeita a constrangimentos sazonais ou outros, de recursos humanos próprios e tecnicamente qualificados nesta área…”

Internacionalmente, o número de países que tem aderido ao reconhecimento da EME não pára de crescer, num movimento óbvio e imparável que já tem do seu lado, no nosso espaço europeu, o reconhecimento da European Union of Medical Specialists, o empenho de uma Sociedade Médica (European Society for Emergency Medicine) e a regulamentação de uma Diretiva Europeia.4

O que leva então os internistas em Portugal a oporem-se ao reconhecimento de uma especialidade que tão bons resultados tem dado no mundo inteiro?

A perplexidade é tanto maior quanto se sabe que os internistas não gostam (compreensivelmente, pois não é tarefa do âmbito da sua especialidade) de fazer o primeiro atendimento do Serviço de Urgência, o chamado “Balcão”, precisamente o espaço que os especialistas em medicina de emergência virão ocupar.

Por mais voltas que dê, por mais conversas que tenha com os nossos colegas, não vejo outra razão que não a de os internistas temerem perder a influência e o trabalho que tradicionalmente têm exercido nos SUH, e de perderem, também, as remunerações em horas extraordinárias, remunerações que constituem, acentue-se, uma importante fatia dos seus rendimentos profissionais.

Acontece, porém, que, conforme explicito no artigo de opinião enviado para publicação, o trabalho dos internistas no “Banco”, que incide essencialmente sobre os doentes que necessitam de internamento de curta duração – SO/ OBS/UICD –, esse será sempre dos internistas e, portanto, nada têm a temer: não lhes vai faltar trabalho!

Insisto: no novo modelo de SUH – que está subjacente à criação da EME – os internistas apenas se libertam dos Balcões; as Unidades de internamento de curta duração – SO/OBS/UICD – não farão (nem nunca deveriam ter feito...) parte dos SUH.

À semelhança do que ocorreu nos outros países, a criação da EME foi sempre precedida de grande controvérsia e de grande resistência pela parte dos outros especialistas.

Depois de instituída a Especialidade, a pergunta que é feita é outra: como foi possível viver tanto tempo sem a especialidade de Medicina de Emergência?!

Cabe à Ordem dos Médicos tomar a decisão de reconhecer em Portugal a EME, mas para que tal aconteça é preciso que os médicos das diferentes especialidades contribuam para que os dirigentes da Ordem possam decidir nesse sentido.

Porque esta questão – o “eterno” caos dos SUH e o não reconhecimento da EME em Portugal – é um assunto que, para além dos médicos e da sua Ordem, interessa sobretudo a todos nós, cidadãos e potenciais utentes dos SUH , torno pública esta carta enviando-a também às entidades que podem ajudar a resolvê-la – Bastonário da Ordem dos Médicos, Diretor-Geral da Saúde, Ministro da Saúde, Primeiro Ministro, Presidente da Assembleia da República, Presidente da República – , entidades a quem, desde já, solicito uma audiência, colocando-me ao seu dispor para continuar a contribuir para que os nossos cidadãos possam, definitivamente, vir a ter Serviços de Urgência Hospitalar bem organizados e com recursos humanos tecnicamente diferenciados.

 

Referências

1. Campos L. As mistificações à volta das urgências. Rev Port Med Int. 2017;24:7-8.         [ Links ]

2. Baptista AM, Brazão ML, Nóbrega S. Viagem pelo mundo da medicinade urgência. Rev Port Med Int. 2017;24:9-10.         [ Links ]

3. Comunicado do Colégio da Competência em Emergência Médica [consultado Maio 2017] Disponível em: http://simuploads.simedicos.pt/432a6a952.pdf.         [ Links ]

4. União Europeia. Diretiva 006/100/EC. Brussels: EU; 2016.         [ Links ]

 

 

Correspondência:João França Gouveiafranca.gouveia@netcabo.pt
Serviço de Medicina Interna, MedicilLisboa, Lisboa, Portugal
Estrada da Luz 62C, 1600-160 Lisboa

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

 

Recebido: 15/05/2017

Aceite: 15/06/2017

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