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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.3 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/PP/3/2018 

PÁGINA DO PRESIDENTE / PRESIDENT PAGE

Relações da Medicina Interna com as Especialidades de Orgão ou Sistema em Portugal

Internal Medicine Relations in Portugal

João Araújo Correia

Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

 

A Medicina Interna em Portugal, assemelha-se aos Países do Sul da Europa e à Espanha, em particular. É a especialidade mais representada entre os médicos hospitalares portugueses e tem mais de 900 Internos de Formação Específica. Pode dizer-se, que a Medicina Interna é a base do Sistema Nacional de Saúde no hospital, tal como a Medicina Geral e Familiar o será no ambulatório. Mesmo quando o hospital ainda não adotou uma organização departamental, os Serviços de Medicina são os que têm maior capacidade de internamento, os Serviços de Urgência dependem dos Internistas, que também começam a ter uma presença muito forte na medicina peri-operatória.

O Programa de Formação de Medicina Interna, compreende um mínimo de 42 meses no Serviço de Medicina, o que favorece a aquisição de conhecimentos profundos no doente complexo, com múltiplos orgãos e sistemas envolvidos. Para além disso, tem um estágio obrigatório de Cuidados Intensivos e um ano dedicado a estágios opcionais, em que, se for esse o desejo do Interno, pode desenvolver uma tendência para uma área específica do conhecimento. Nos hospitais do País os Internistas estão onde as Administrações deles precisam, no tratamento do doente emergente, agudo, crónico ou paliativo. Depois, mercê da sua preparação holística, são capazes de desenvolverem competências em áreas carenciadas, assumindo o tratamento das doenças de carater sistémico, com grande qualidade. Isto é, há uma preparação global comum a todos os Internistas e essa é a base da sua grande mais valia, que é a plasticidade e capacidade de adaptação ás necessidades. Há assim vários tipos de Internista, moldados pela história do hospital onde está inserido, desde o que se mantém como generalista puro, até ao que desenvolve conhecimentos, formação e experiência numa área específica, adquirindo qualidade assistencial, que pode ser escrutinada e certificada. Dessas áreas do conhecimento com grande participação dos Internistas ao longo dos anos, contam-se a diabetes, a doença do vírus da imunodeficiência humana, a doença auto-imune, a doença hepática, a insuficiência cardíaca, a hipertensão pulmonar ou a doença respiratória crónica. O tratamento de milhares de doentes em consultas específicas, sob a responsabilidade dos Serviços de Medicina Interna, permitiram a “democratização” do acesso a muitas terapêuticas inovadoras e o tratamento adequado do doente deixou de depender da sua área de residência.

A evolução vertiginosa do conhecimento científico e tecnológico, foi levando á criação de várias especialidades médicas de órgão ou sistema. É um processo natural e compreensível, embora haja muitas especialidades que existem nuns países e não noutros, muitas vezes como resultado da influência de lóbis de várias origens. Também a formação nessas subespecialidades é diferente em Portugal da maior parte dos países europeus. Neles, os Internos de Formação Específica das subespecialidades médicas têm um “tronco comum” de 2 ou 3 anos em Medicina Interna e só depois enveredam 2 anos na sua área restrita de conhecimento. Em Portugal, o período formativo obrigatório em Medicina nas subespecialidades médicas varia entre 6 e 12 meses, havendo exemplos onde não existe de todo (Medicina Geral e Familiar, Neurologia).

É bem evidente o estado de tensão permanente entre os Internistas dedicados a uma área específica e os Especialistas de Órgão os Sistema. Trata-se de uma reação corporativa, que tem muitas vezes por detrás interesses económicos, relacionados com a prescrição de medicamentos. O que tem sempre, é a ânsia de protagonismo e raramente se trazem ao debate argumentos na perspetiva da qualidade do tratamento prestado aos doentes.

Não haja dúvida, que o Especialista de Medicina Interna não domina em profundidade todas as matérias. Não sabe tudo de todas as coisas, embora consiga que não haja nada de que não saiba um pouco. Mas, quando se dedica a uma área específica, com a formação adequada e tratamento afincado de muitos doentes dessa patologia, tem direito a ser reconhecido e respeitado. O subespecialista continua a ser preciso, e até haverá alguns doentes em que será imprescindível, por exemplo quando estão indicadas algumas técnicas. Mas, é evidente, que terá alguma dificuldade no tratamento do doente sistémico complexo, porque lhe falta preparação para o fazer.

Bom era que, de uma vez por todas, soubéssemos quebrar as amarras de um espírito mesquinho e apenas olhássemos para o interesse do doente. Ele, apenas quer receber o melhor tratamento. De certeza que o conseguiremos fazer, com mais eficácia e vantagens mútuas, a trabalhar em equipa. Nessa “Equipa Maravilha” teriam acento os subespecialistas de órgão e sistema e os Internistas dedicados àquela área do saber. Havia doentes para todos, porque cada doente é diferente do seguinte. Em alguns predomina a articulação, o intestino, o fígado, o pulmão, o rim ou o sistema nervoso central. Noutros, tudo se mistura, independentemente do local anatómico onde a doença se iniciou.

Será isto uma utopia? Não me parece. Basta olhar para lá dos curtos horizontes das nossas fronteiras.

 

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