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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.3 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/original/189/3/2018 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Trombólise Intravenosa no Acidente Vascular Cerebral Isquémico Agudo Depois dos 80 Anos

Intravenous Thrombolysis for Acute Ischemic Stroke After the 80 Years of Age

Carla Eira, Ângela Mota, Rachel Silvério, Mafalda Miranda, Pedro Ribeiro, Ana Gomes, António Monteiro

Serviço de Medicina, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução: A incidência do acidente vascular cerebral (AVC) aumenta exponencialmente com a idade, representando a principal causa de morte acima dos 80 anos. A trombólise intravenosa com ativador do plasminogénio tecidular recombinante (IV-rtPA) representa um avanço no tratamento do AVC isquémico e o seu uso no idoso >80 anos foi alvo recente de discussão.

Material e Métodos: Estudo retrospetivo no período de 2010-2015 que incluiu doentes >80 anos com AVC isquémico submetidos a IV-rtPA. Foram analisadas variáveis demográficas, clínicas, ocorrência de transformação hemorrágica e prognóstico. A análise estatística foi realizada com o software SPSS.

Resultados: Incluídos 45 doentes, idade média 84,4 anos e predomínio do sexo feminino (62,2%). Os principais fatores de risco foram a hipertensão arterial (68,9%) e o cardioembolismo (62,2%). Na maioria dos casos, a IV-rtPA foi realizada até às 3 horas (82,2%). Verificou-se transformação hemorrágica em 22,2%, com pior prognóstico aos 3 meses (p = 0,000). A gravidade do AVC e duração de internamento inferiores associaram-se a melhor prognóstico aos 3 meses (p = 0,025 e p = 0,005, respetivamente).

Discussão: Alguns dos resultados obtidos estão de acordo com dados de outros estudos. O aumento da idade está associado a pior prognóstico. A transformação hemorrágica é uma das preocupações da IV-rtPA. A incidência de hipertensão arterial e fibrilhação auricular aumenta com a idade, ambas associadas a maior risco de AVC.

Conclusão: A segurança da IV-rtPA foi demonstrada em vários estudos. A idade não deve ser um critério de exclusão, uma vez que doentes devidamente selecionados podem beneficiar dessa terapêutica.

Palavras-chave: Acidente Vascular Cerebral; Ativador do Plasminogénio Tecidular; Idoso de 80 anos ou mais; Terapia Trombolítica.

 


ABSTRACT

 

Introduction: The incidence of stroke increases exponentially with age, representing the leading cause of death after the 80 years of age. Intravenous thrombolysis with recombinant tissue plasminogen activator (IV-rtPA) represents an advance in the treatment of ischemic stroke and its use in the elderly > 80 years old was a recent target of discussion.

Material and Methods: A retrospective study was performed in the 2010-2015 period that included patients >80 years old with ischemic stroke who underwent IV-rtPA. The study evaluated demographic and clinical variables, occurrence of hemorrhagic transformation and prognosis. Statistical analysis was performed using SPSS software.

Results: We included 45 patients, mean age 84.4 years old and female predominance (62.2%). The main risk factors were arterial hypertension (68.9%) and cardioembolism (62.2%). In most cases, IV-rtPA was performed until 3 hours (82.2%). hemorrhagic transformation occurred in 22.2%, with worse prognosis at 3 months (p = 0.000). Lower severity of stroke and length of hospital stay were associated with better prognosis at 3 months (p = 0.025 and p = 0.005, respectively).

Discussion: Some of these results are in agreement with data from other studies. The increase in age is associated with a worse prognosis. hemorrhagic transformation is one of IV-rtPA concerns. The incidence of arterial hypertension and atrial fibrillation increases with age, both associated with an increased risk of stroke.

Conclusion: The safety of IV-rtPA has been demonstrated in several studies. Age should not be an exclusion criterion, since properly selected patients may benefit from such therapy.

Keywords:Aged, 80 and over; Stroke; Thrombolytic Therapy; Tissue Plasminogen Activator.

 


 

Introdução

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma doença debilitante, importante causa de morbimortalidade no adulto.1 Durante muito tempo foi considerado uma fatalidade sem qualquer tipo de tratamento, em que a abordagem do doente se limitava à prevenção das complicações decorrentes da imobilização prolongada e perda de funções específicas.

Anualmente, cerca de 22 milhões de pessoas no mundo sofrem um AVC, quatro milhões dos quais em países desenvolvidos; desses, cerca de um milhão ocorre em pessoas com mais de 80 anos.2

A idade é o principal fator de risco (FR) não modificável para a ocorrência de AVC.3 A sua incidência aumenta exponencialmente com a longevidade, duplicando por cada década acima dos 55 anos.1,4,5 O aumento da esperança média de vida faz com que os idosos representem uma grande proporção nos doentes vítimas de AVC.6 Cerca de metade de todos os AVC ocorrem acima dos 70 anos,7,8 um terço acima dos 80 anos9,10 e aproximadamente um quarto acima dos 85 anos.7,8

O AVC representa a principal causa de morte acima dos 80 anos9,10 e é um motivo de preocupação não só pela sua maior incidência nessa faixa etária, mas também pela incapacidade funcional habitualmente associada.7 A idade avançada está também associada a maior risco de recorrência e o risco de demência é cinco vezes superior.9 A mortalidade aos três meses aumenta até 72% e a probabilidade de obter um prognóstico favorável diminui 25% a cada dez anos.10

A trombólise intravenosa com ativador do plasminogénio tecidular recombinante (IV-rtPA) representa um avanço importante na terapêutica do AVC isquémico.11 Apesar de ser o único tratamento farmacológico aprovado para a revascularização,3,6 apenas 2% - 3% dos doentes o recebem.12 O seu uso no idoso permanecia controverso,1 uma vez que os dados sobre a segurança e eficácia eram limitados.11,13

Quando a IV-rtPA foi aprovada na Europa, ficou restrita aos doentes = 80 anos tratados nas primeiras três horas após início dos sintomas, o que levou a uma subrepresentação da população idosa nos ensaios clínicos.2 A maioria dos estudos excluíram doentes com idades superiores a 80 anos,1,10 apesar destes serem frequentemente tratados com sucesso com base na toma individual de decisões. Nas recomendações de 2008, a European Stroke Organization referia que a IV-rtPA podia também ser benéfica após as três horas e podia ser usada em doentes selecionados com idade > 80 anos, apesar dessa possibilidade se encontrar fora da aprovação europeia.14 Já nas recomendações da American Heart Association/American Stroke Association de 2013, a idade > 80 anos constituía apenas um critério de exclusão relativo para a IV-rtPA entre as 3-4,5 horas de evolução.15 Nas recomendações de 2016, com base nos resultados de três ensaios randomizados e 12 estudos observacionais, a mesma associação americana refere que nos doentes > 80 anos que se apresentem entre as 3-4,5 horas de evolução, a IV-rtPA é segura e pode ser tão eficaz como nos doentes mais jovens.5

Nesta faixa etária, o prognóstico não é só influenciado pela idade, mas também pelo elevado número de comorbilidades, maior gravidade do AVC,6 pior estado funcional prévio e complicações pós-AVC mais frequentes.10 Até metade dos doentes com idade >70 anos morrem nos primeiros 3 meses e grande parte fica com grave incapacidade funcional.6

O efeito benéfico obtido pela recanalização pode ser contrariado por um risco aumentado de transformação hemorrágica (TH).16 A idade avançada tem sido apontada como um dos principais fatores para a ocorrência de hemorragia intracraniana após IV-rtPA.5,13,17,18 Vários outros fatores estão também implicados: gravidade dos sintomas, fibrilhação auricular (FA), sinais de isquemia precoce na tomografia computorizada crânio-encefálica (TC-CE)17,19; hiperglicémia14,19; enfartes de grandes dimensões, níveis baixos de lipoproteínas de baixa densidade, trombocitopenia19; insuficiência cardíaca, terapêutica com antiagregante plaquetar (AAP), maior tempo até ao início da IV-rtPA14; angiopatia amilóide, angiopatia hipertensiva, fragilidade da parede vascular e diminuição da clearance sistémica da alteplase.1,6 Radiologicamente, a extensão da TH varia desde a hemorragia petequial (HI) sem efeito de massa até ao hematoma parenquimatoso (PH) com efeito de massa, este último associado a deterioração neurológica precoce e morte.16

A hemorragia intracraniana sintomática (HICS) é a complicação mais temida da IV-rtPA e está associada a pior prognóstico.1

O papel da IV-rtPA no AVC do idoso tem sido um tema em constante debate nos últimos anos. Nesse sentido, os autores têm como objetivos caraterizar a população de doentes > 80 anos submetidos a IV-rtPA e identificar os fatores que influenciam o prognóstico.

Material e Métodos

Foi realizado um estudo retrospetivo no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2015 que incluiu doentes com idade > 80 anos admitidos numa unidade de acidentes vasculares cerebrais por AVC isquémico e submetidos a IV-rtPA (0,9 mg alteplase/kg peso (máximo 90 mg), com 10% administrados em bólus, seguido por perfusão contínua durante 60 minutos14).

A recolha de dados foi realizada através da consulta do processo clínico e entrevista telefónica com o doente ou cuidador. Não foi excluído nenhum doente. Foram analisadas variáveis demográficas e clínicas: idade, sexo, raça, FR para doença cerebrovascular, terapêutica prévia com AAP, glicémia e tensão arterial (TA) na admissão hospitalar, gravidade do AVC de acordo com a National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) na admissão (NIHSSi) e após realização de IV-rtPA (NIHSSf), classificação clínica do Oxfordshire Community Stroke Project (OCSP), tempo de evolução dos sintomas (= 3 horas ou 3-4,5 horas), presença de sinais de isquémia precoce na TC-CE, TH na TC-CE realizada às 24 horas (ou antes se deterioração neurológica), classificação etiológica do Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment (TOAST), intercorrências não neurológicas, dias de internamento, realização de reabilitação, grau de incapacidade pré e pós-AVC (alta hospitalar e aos três meses) de acordo com a escala de Rankin modificada (mRS) e destino à alta hospitalar. A evolução neurológica após IV-rtPA foi definida como favorável se a diferença entre o NIHSSi e NIHSSf (?NIHSS) foi = 4 pontos e desfavorável se ?NIHSS = -2. Correlacionou-se o NIHSSi, NIHSSf e o mRS aos três meses com as diversas variáveis analisadas.

O principal indicador de prognóstico foi o mRS aos três meses. Considerou-se um prognóstico favorável se mRS = 2 (subdividido em recuperação completa de mRS 0-1 e independência funcional se mRS 0-2) e desfavorável se mRS 5-6 (elevado grau de dependência e morte).

A TH foi classificada de acordo com as definições do European Cooperative Acute Stroke Study (ECASS): HI1 (hemorragia petequial não confluente sem efeito de massa), HI2 (hemorragia petequial confluente sem efeito de massa), PH1 (hematoma parenquimatoso ocupando < 30% da área de enfarte, associada a ligeiro efeito de massa) e PH2 (hematoma parenquimatoso ocupando > 30% da área de enfarte, associada a significativo efeito de massa).16 Comparou-se o grupo de doentes que sofreu TH com os restantes.

A HICS foi classificada de acordo com as seguintes definições: (1) National Institutes of Neurological Disorders (NINDS) (qualquer hemorragia que leve a qualquer aumento no NIHSS basal ou morte nos primeiros 7 dias);1,11 (2) ECASS II (qualquer hemorragia associada a deterioração neurológica [aumento = 4 pontos no NIHSS basal ou no menor valor nos primeiros 7 dias] ou morte)20 e (3) versão modificada do Safe Implementation of Thrombolysis in Stroke Monitoring Study (mSITS-MOST) (qualquer hemorragia parenquimatosa (PH1 ou PH2) nas primeiras 36 horas associada a deterioração neurológica [aumento = 4 pontos no NIHSS basal ou no menor valor] ou morte).21

A análise estatística dos dados foi efetuada com o software SPSS versão 22.0. Foram usados os seguintes testes paramétricos: coeficiente de correlação de Pearson para correlacionar duas variáveis numéricas; teste t de Student para comparação de duas amostras independentes; análise de variância (ANOVA) para comparação de mais de duas amostras independentes. Foi usado o teste do qui-quadrado para cruzamentos de variáveis nominais. Considerou-se estatisticamente significativo um valor de p < 0,05 (intervalo de confiança de 95%).

Resultados

Realizaram-se 45 IV-rtPA em doentes com idade > 80 anos, correspondendo a 18,2% do número total de IV-rtPA realizadas nesse período. Verificou-se uma tendência crescente ao longo dos anos: 2010 (n = 1), 2011 (n = 2), 2012 (n = 3), 2013 (n = 9), 2014 (n = 16) e 2015 (n = 14).

A média de idade foi 84,4 ± 3,1 anos [81-92], semelhante em ambos os sexos (84,4 ± 3,0 no sexo masculino e 84,5 ± 3,2 no sexo feminino). A maioria dos doentes (n = 32, 71,1%) tinha idades compreendidas entre os 81 e 85 anos (mediana 84 anos) (Tabela 1). Apenas quatro doentes (8,9%) tinham idade = 90 anos.

Verificou-se uma predominância do sexo feminino (n = 28, 62,2%). Todos os doentes eram de raça caucasiana.

O mRS na admissão foi 0,5 ± 0,8 [0-2], dos quais 84,4% mRS 0-1.

Os principais FR foram a hipertensão arterial (HTA) (68,9%) e FA (66,7%) e os menos frequentes a obesidade (4,4%), doença coronária (4,4%) e tabagismo (2,2%). A maioria dos doentes (60%) tinha pelo menos 3 FR (3,0 ± 1,2 [1-6]).

A terapêutica com AAP estava presente em 21 doentes (46,7%).

Na admissão, a média de TA sistólica (TAS) foi 157,7 ± 26,4 mmHg [95-210], TA diastólica (TAD) 80,1 ± 14,5 mmHg [46110] e glicémia 125,2 ± 30,0 mg/dL [78-210]. Apenas três doentes (6,7%) necessitaram de anti-hipertensor endovenoso (labetalol).

O NIHSSi foi 15,1 ± 5,5 pontos [5-24].

A TC-CE mostrava sinais de isquémia precoce em 23 doentes (51,1%).

Todos os AVC envolveram a circulação cerebral anterior. Pela classificação do OCSP, 24 (53,3%) correspondiam a enfartes totais da circulação anterior (TACI), 19 (42,2%) enfartes parciais da circulação anterior (PACI) e dois (4,4%) enfartes lacunares (LACI).

A IV-rtPA foi realizada até às três horas em 82,2% dos doentes (n = 37).

O NIHSSf foi inferior ao da admissão e o ?NIHSS foi 3,8 ± 4,7 [-6 a 14].

A IV-rtPA foi interrompida em dois doentes (4,4%): um por cefaleia e outro por HTA não controlada, mas não se verificou TH em nenhum dos casos.

Nenhum doente foi submetido a trombectomia mecânica.

Na classificação TOAST, a principal etiologia foi o cardioembolismo (62,2%).

Verificaram-se intercorrências infeciosas em 15 doentes (33,3%), das quais 73,3% eram infeções respiratórias e 26,7% eram infeções urinárias.

A duração do internamento foi 14,0 ± 12,3 dias [1-57], superior no grupo de doentes que sofreram intercorrências infeciosas (24,4 ± 13,9 dias) em relação aos restantes (8,9 ± 7,3 dias) (test-t = -4,058 e p = 0,001).

A taxa de mortalidade intra-hospitalar foi 15,5% (n = 7) e aos 3 meses 37,8% (n = 17), ambas superiores no sexo feminino (11,1 (n = 5) e 20,0% (n = 9), respetivamente). Durante o internamento, a TH foi a causa de morte em três doentes (6,7%) e as infeções em dois (4,4%).

Apenas 40,0% (n = 18) dos doentes realizaram programa de reabilitação; dos restantes, 37,8% (n = 17) tinham sequelas graves e 22,2% (n = 10) recuperaram para o estado funcional prévio após a IV-rtPA.

O mRS à data de alta foi 3,2 ± 2,1, dos quais 31,1% (n = 14) apresentavam mRS 0-1, 42,2% (n = 19) mRS 0-2 e 35,6% (n = 16) mRS 5-6. Aos três meses, o mRS foi 3,9 ± 2,3, dos quais 22,2% (n = 10) mRS 0-1, 33,3% (n = 15) mRS 0-2 e 53,4% (n = 24) mRS 5-6. Excluindo os doentes que faleceram, à data de alta (n = 38) o mRS foi 2,7 ± 1,8 e aos três meses (n = 28) 2,6 ± 2,0. A maioria teve alta para o domicílio (68,4%, n = 38), correspondendo aos doentes com melhor prognóstico.

Os doentes do sexo masculino, os que apresentavam sinais de isquémia precoce na tomografia computorizada crânio-encefálica (TC-CE) e aqueles com história prévia de AVC/ acidente isquémico transitório (AIT) apresentavam NIHSSi mais altos na admissão (test-t = 2,449 e p = 0,018, test-t = -3,580 e p = 0,001, test-t = -3,615 p = 0,041, respetivamente), embora sem diferença estatisticamente significativa no prognóstico aos três meses (Tabela 1). Os doentes que sofreram intercorrências infeciosas também apresentavam NIHSSi mais elevados (test-t = - 2,409 e p = 0,020).

Os doentes com sinais de isquémia precoce na TC-CE e submetidos a IV-rtPA na janela das 3-4,5 horas apresentavam NIHSS mais altos na admissão (fator de ANOVA = 5,279 e p = 0,004), embora sem diferença estatisticamente significativa no mRS aos três meses (fator de ANOVA = 1,792 e p = 0,164) quando comparados com os restantes grupos (Tabela 2).

Verificou-se TH em dez doentes (22,2%): dois HI1 (4,4%), três HI2 (6,7%), dois PH1 (4,4%) e três PH2 (6,7%); a HICS pela definição de NINDS foi a mais frequente (n = 7, 15,6%). Comparando os doentes que sofreram TH com os restantes, verificamos diferenças estatisticamente significativas no NIHSSf, ?NIHSS e no tempo de evolução dos sintomas (test-t = -3,087 e p = 0,004, test-t = 2,685 e p = 0,010, qui-quadrado de Pearson = 4,344 e p = 0,037, respetivamente) (Tabela 3). Não houve diferenças estatisticamente significativas na ocorrência de infeções e duração de internamento nos doentes que sofreram TH (Qui-quadrado de Pearson = 1,607 e p = 0,205, test-t = -0,362 e p = 0,719, respetivamente). A TH correlacionou-se com pior prognóstico à data de alta (test-t = -4,496 e p = 0,000) e aos 3 meses (test-t = -2,357 e p = 0,000).

Verificaram-se correlações negativas (ou inversamente proporcionais) entre o NIHSSi e as seguintes variáveis: número de comorbilidades, TAS, TAD e glicémia (correlação de Pearson = -0,158 e p = 0,301, correlação de Pearson = -0,064 e p = 0,675, correlação de Pearson = -0,061 e p = 0,688, Correlação de Pearson = -0,022 e p = 0,976, respetivamente); entre o mRS aos três meses e as variáveis idade e TAS (test-t = 0,905 e p = 0,373, correlação de Pearson = -0,172 e p = 0,257, respetivamente). Verificaram-se correlações positivas (ou diretamente proporcionais) entre o mRS aos três meses e as seguintes variáveis: número de comorbilidades, TAD, glicémia e duração do internamento (correlação de Pearson = 0,069 e p = 0,652, correlação de Pearson = 0,091 e p = 0,554, correlação de Pearson = 0,124 e p = 0,419, correlação de Pearson 0,413 e p = 0,005, respetivamente); também entre o número de comorbilidades e a idade (correlação de Pearson = 0,146 e p = 0,339); duração do internamento e o NIHSSi (correlação de Pearson = 0,210 e p = 0,165).

Discussão

Em 2010, Alshekhlee A et al7 e Ford GA et al11 publicaram os maiores estudos prospetivos observacionais sobre os resultados da IV-rtPA em doentes > 80 anos, pelo que é inevitável uma comparação com estes resultados. Estes estudos compararam grupos com idade = 80 e > 80 anos no que diz respeito à mortalidade e ocorrência de TH, e mortalidade e independência funcional, respetivamente.

No primeiro estudo, a idade média (85,38 ± 3,67), sexo feminino (64,56%), proporção de IV-rtPA em doentes >80 anos (20,9%) e taxa de mortalidade hospitalar (16,9%) foram semelhantes aos nossos resultados, embora com menos TH (5,73%) e complicações infeciosas (1,02%).7

No segundo estudo, cujos doentes > 80 anos representavam 8,6% da amostra, também a idade média (83 anos), sexo feminino (59,3%), HTA como principal FR (75,7%), doentes com mRS 0-1 prévio (82,1%) e gravidade do AVC (NIHSS 14) foram semelhantes, com menos TH (15,1%) e menor mortalidade (30,2%), ainda que com taxas de recuperação completa (24,7%) e independência funcional (35,2%) semelhantes.11

Os nossos resultados estão também de acordo com outros estudos de menor escala: idade média6,9,22,23; predominância do sexo feminino6,9,22-24; gravidade do AVC de acordo com o NIHSS9,24,25; HTA como principal FR6,8,9,13,22,24; predomínio de AVC da circulação anterior9,13; cardioembolismo como principal etiologia9,24; ocorrência de TH9,24; mRS prévio23; taxas de recuperação completa,13 independência funcional23 e mortalidade6,13,24,26 aos 3 meses.

Importa também destacar um estudo português3 com algumas diferenças em relação à nossa amostra: idade média inferior (82,9 ± 2,4 anos), predominância do sexo masculino (53,7%) e maior proporção de mRS 0-1 prévio (92,5%); no entanto, a gravidade do AVC foi semelhante (NIHSS 15), a HTA foi o principal FR encontrado (80,6%) e o cardioembolismo a principal etiologia (37,3%). O prognóstico foi melhor e a taxa da HICS inferior: mRS 0-1 43,3%, mRS 0-2 52,2%, mRS 5-6 22,4%; taxa de mortalidade 11,9%, HICS pelo NINDS 7,5% e ECASS II 6,0%.

Em geral, os doentes mais velhos têm piores resultados, com maior taxa de mortalidade na fase aguda e a longo prazo, influenciadas pela gravidade do AVC, perfil cardiovascular e sociodemográfico e incapacidade funcional prévia.1 A TH é um dos riscos da IV-rtPA e motivo de grande preocupação para os profissionais de saúde. No entanto, doentes devidamente selecionados podem ter taxas de HICS semelhantes a doentes mais jovens.11

A HTA, FR modificável mais importante para o AVC, é altamente dependente da idade1 e de fato é o principal fator de risco encontrado na nossa amostra e na maioria dos estudos. A FA é também mais comum entre os idosos e está associada a um risco de AVC 3-4 vezes superior,1 daí que o cardioembolismo seja a principal etiologia encontrada nesta faixa etária.

Apesar da elevada taxa de mortalidade encontrada, verificamos que os doentes que sobreviveram têm mRS médio < 3, o que certamente não seria possível na ausência de tratamento. Como tal, a idade avançada, só por si, não deve ser um fator de exclusão para IV-rtPA.3,9

A elevada proporção de mRS prévio 0-1 reflete uma cuidadosa seleção dos doentes para tratamento. Contrariamente a outros estudos,11 verificamos que à medida que a idade aumenta o mRS aos 3 meses diminui (ainda que sem significância estatística), o que acreditamos ser o reflexo dessa seleção perante doentes muito idosos.

De acordo com os nossos resultados, podemos concluir que uma grande parte dos doentes beneficiam a curto e longo prazo da IV-rtPA, ainda que essa proporção seja inferior àqueles que evoluem com prognóstico desfavorável. O prognóstico já por si é desfavorável no idoso, no entanto, a IV-rtPA permite recuperar a autonomia a alguns doentes que, de outra forma, teriam uma evolução inexorável até ao elevado grau de dependência ou morte.

O nosso estudo teve várias limitações: sendo um estudo retrospetivo, não podemos excluir o viés de seleção, uma vez que a decisão para IV-rtPA é tomada individualmente em cada caso; o tamanho da amostra limita as conclusões do estudo, impedindo que se detetem diferenças nos resultados infrequentes (tal como na ocorrência de HICS); a falta de um grupo de controlo impede que se tirem conclusões definitivas sobre a eficácia e segurança da IV-rtPA. No entanto, o fato de vários resultados serem concordantes com outros estudos já publicados, sugere que a nossa amostra é representativa.

Conclusão

O perfil de segurança e benefício da IV-rtPA no idoso foi alvo de controvérsia nos últimos anos, levando a uma criteriosa seleção dos doentes > 80 anos. Na prática clínica, a pequena proporção de doentes que tem um prognóstico favorável leva a que se subestimem os benefícios da IV-rtPA nesta faixa etária. No entanto, a maior mortalidade e pior resultado funcional relacionam-se com o pior prognóstico inerente à história natural nesta faixa etária.

À luz dos potenciais benefícios esperados e pior prognóstico na ausência de tratamento, a idade não deve ser um critério de exclusão para avaliar a possibilidade de IV-rtPA, nomeadamente naqueles com bom estado geral e sem disfunção de órgãos.

A terapêutica de reperfusão no AVC isquémico é uma área em constante debate, havendo vários estudos com fármacos trombolíticos e trombectomia mecânica em curso. Contrariamente aos dados obtidos nos últimos anos, o uso crescente da IV-rtPA nos indivíduos > 80 anos e a sua inclusão em ensaios clínicos e estudos randomizados permitiu obter conclusões acerca dos benefícios dessas estratégias terapêuticas nesta faixa etária.

Cabe ao médico tomar a decisão final de acordo com o perfil do doente e com as orientações, experiência e resultados de cada centro.

 

Referencias

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Correspondência: Carla Eiracarla_eira@hotmail.com
Serviço de Medicina, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, Portugal,
Av. Rei D. Duarte, 3504-509 - Viseu

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Direito a Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

 

Recebido: 06/11/2017

Aceite: 15/12/2017

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