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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.25 no.3 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.24950/rspmi/CC/293/3/2018 

CASOS CLÍNICOS / CASE REPORTS

Não Compactação Isolada do Ventrículo Esquerdo, Causa Rara de AVC

Isolated Noncompaction of the Left Ventricle, a Rare Cause of Stroke

Cátia Barreiros, Lúcia Meireles-Brandão, Duarte Silva, Carmélia Rodrigues, Diana Guerra

Serviço de Medicina 1, Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Hospital de Santa Luzia, Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

A não compactação isolada do ventrículo esquerdo (NCIVE) é uma causa rara de miocardiopatia dilatada, verificando-se dilatação do ventrículo esquerdo, com exuberante padrão trabecular. Uma das manifestações são os fenómenos tromboembólicos, com prevalência entre 21% e 38%. Descrevemos o caso de uma mulher de 37 anos, cujo acidente vascular cerebral (AVC) isquémico foi a forma de apresentação da NCIVE. Realizou trombólise com reversão total dos défices. No estudo efectuado foi detectada NCIVE, além de foramen ovale patente, admitindo-se cardioembolismo como causa do AVC, com início de hipocoagulação oral. Realçamos a NCIVE como etiologia pouco comum de AVC e a importância do seu estudo etiológico no jovem, ao influenciar a decisão terapêutica e o prognóstico a longo prazo.

Palavras-chave: Acidente Vascular Cerebral; Disfunção Ventricular Esquerda; Miocárdio Ventricular não Compactado Isolado; Ventrículos do Coração.

 


ABSTRACT

 

Isolated left ventricular noncompaction (ILVNC) is a rare cause of dilated cardiomyopathy, with dilated left ventricle, and exuberant trabecular pattern. One of the manifestations is thromboembolic phenomena, with prevalence of 21% - 38%. We describe the case of a 37-year-old woman whose ischemic stroke was the presentation form of isolated left ventricular noncompaction. She underwent thrombolysis with complete reversal of the deficits. ILVNC was detected in the study, in addition to patent foramen ovale. The cardioembolism was admitted as the cause of the stroke, leading to the decision of oral hypocoagulation. We emphasize ILVNC as an uncommon etiology of stroke and the importance of the etiological study of stroke in young patients, because it influences the therapeutic decision and the prognosis.

Keywords:Heart Ventricles; Isolated Noncompaction of the Ventricular Myocardium; Stroke; Ventricular Dysfunction, Left.

 


 

Introdução

A não compactação isolada do ventrículo esquerdo (NCIVE) é uma causa rara de miocardiopatia dilatada (0,014% a 1,3% do total de doentes referenciados a um laboratório de ecocardiografia), verificando-se dilatação do ventrículo esquerdo (VE), com exuberante padrão trabecular. É aceite que a NCIVE resulta da paragem prematura do processo de compactação do VE.1,2

Uma das manifestações são os fenómenos tromboembólicos, com prevalência entre 21% e 38%, variando conforme as séries, nomeadamente, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC) e enfartes mesentéricos. A estase do sangue nos recessos intertrabeculares, a disfunção sistólica e a fibrilhação auricular, frequente nestes doentes, contribuem para estas ocorrências.3 Sabe-se que frequentemente evolui para insuficiência cardíaca e é causa de arritmias ventriculares. Nas séries de casos mais numerosas, a morte súbita ocorre em quase metade dos doentes. Pensa-se que o potencial arritmogénico ocorre por desenvolvimento incompleto do sistema de condução ou por isquemia progressiva pela hipoperfusão das trabéculas.1,2,4

Caso Clínico

Mulher de 37 anos, sem antecedentes pessoais ou familiares de relevo. Medicada com anti-concepcional oral. Inicia subitamente palpitações, tonturas e mal-estar geral. Minutos depois fica com disartria, desvio da comissura labial e hemiparésia direita. Dá entrada no serviço de urgência com 2 horas de evolução dos sintomas. No exame neurológico: disartria ligeira a moderada, apagamento do sulco naso-geniano direito, hemiplegia direita com hemihipostesia e reflexo cutâneo plantar ipsilateral em extensão, pontuando 9 na escala NIHSS (National Institute of Health Stroke Scale). No restante exame objectivo, a salientar sopro sistólico grau II/VI nos focos da base. Estudo analítico sem alterações e tomografia computorizada (TC) cranioencefálica (CE) sem alterações. Electrocardiograma com ritmo sinusal e extrassistolia ventricular (EV) frequente. Foi efectuada trombólise com reversão total dos défices. A TC CE de controlo às 24 horas após trombólise mostrou pequena hipodensidade pericentimétrica na topografia do corpo do núcleo caudado esquerdo e a ressonância magnética (RM) CE confirmou lesão isquémica estriato-capsular esquerda em território profundo da artéria cerebral média (Fig 1).

 

 

Tratando-se de um AVC no jovem, torna-se premente estudo etiológico aprofundado. O Holter de 24 horas mostrou frequentes EV (média de 31/h), com perturbação inespecífica da condução intraventricular. O ecocardiograma transtorácico descreve possível foramen ovale patente (FOP) e alterações da cinética segmentar, com hipocinesia da parede lateral e anterior e acinesia dos segmentos basais das paredes posterior e anterior, com função sistólica do VE no limite inferior da normalidade (fracção de ejecção de 52%). O ecocardiograma transesofágico confirmou estas alterações e revelou dilatação ligeira do VE, com depressão ligeira a moderada da sua função, e paredes trabeculadas (Fig 2). Estudos imunológico e protrombótico negativos (Tabela 1). Iniciada hipocoagulação oral e ß-bloqueador. Despistada doença de Fabry, verificou-se actividade enzimática da alfa-galactosidase diminuída, mas o estudo genético foi negativo, assim como a biopsia da pele, excluindo-se este diagnóstico. Na consulta de Cardiologia realizou RM cardíaca que mostrou dilatação ligeira do VE, acinesia da parede anterior, segmentos médio-basais da parede antero-lateral e segmento basal da parede infero-lateral. Estes segmentos apresentavam espessura miocárdica diminuída e hipertrabeculação com razão camada não compactada/compactada > 2,3, concluindo por miocardiopatia dilatada de etiologia não isquémica, com alterações da contractilidade segmentar que não seguem território de distribuição arterial, forma atípica de VE não compactado (Fig 3).

 

 

 

 

 

 

Assim, considerou-se AVC isquémico cardioembólico secundário a NCIVE e FOP. A doente continuou medicada com ß-bloqueador e hipocoagulada com antivitamina K, indefinidamente.

Discussão

O AVC em adultos jovens é considerado uma patologia rara, com uma incidência descrita na literatura que varia entre 5% e 10% do total de AVC.5 As causas são mais diversas que na população mais idosa, requerendo um estudo mais exaustivo e constituindo frequentemente um desafio clínico. Os estudos publicados sugerem que a identificação do factor causal é possível em 56% a 95% dos adultos jovens com AVC.6,8

Nesta doente, o AVC foi a forma de apresentação da NCIVE, o que acontece em 3% a 5% dos casos. O diagnóstico deve-se basear em critérios clínicos e morfológicos, dado que, por exemplo, nos atletas, a hipertrabeculação pode constituir uma adaptação ao exercício. Actualmente os exames de eleição são o ecocardiograma e a RM cardíaca, considerando-se não compactação quando a razão camada não compactada/compactada na RM é = 2,3.2,7 O prognóstico a longo prazo é variável. A NCIVE pode ocorrer de forma esporádica, mas encontram-se formas familiares em mais de 50% dos casos, pelo que o rastreio dos familiares em primeiro grau deve ser efectuado.1

Quando ocorre tromboembolismo sistémico, como verificado nesta doente, disfunção ventricular esquerda grave, fibrilhação auricular ou trombos intra-ventriculares, está indicado hipocoagular indefinidamente de forma a evitar eventos cardioembólicos.

Perante a constatação de NCIVE e AVC cardioembólico, com indicação para hipocoagulação, não se avançou no despiste de embolia paradoxal. Este caso clínico evidencia a importância do estudo etiológico do AVC no jovem, ao influenciar a decisão terapêutica e o prognóstico.1,3

 

Referencias

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2. Conolly H, Attenhofer-Jost C. Isolated left ventricular noncompaction. Uptodate 2017 [consultado 2017 Dez]. Disponível em: http://www.uptodate.com         [ Links ]

3. Jaramillo A, Ramirez A, Galleguillos L, Vallejos J, IllanesI S. Derrame isquémico como a primeira manifestação de hipertrabeculação/NCIVE grave. Arq Brasil Cardiol. 2010; 94:88-90.         [ Links ]

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8. Left ventricular noncompaction cardiomyopathy: cardiac, neuromuscular, and genetic factors. Finsterer J, Stöllberger C, Towbin JA. Nat Rev Cardiol. 2017;14:224-37.doi: 10.1038/nrcardio.2016.207.         [ Links ]

 

Correspondência: Cátia Barreiros catiabarreiros@gmail.com
Serviço de Medicina 1, Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Hospital de Santa Luzia, Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal
Estrada de Santa Luzia, 4904-858 VIANA DO CASTELO

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

 

Recebido: 12/12/2017

Aceite: 11/02/2018

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