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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.2 Lisboa June 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/Opiniao/ULSBA/2/2019 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

Medicina Interna nas Planícies do Baixo Alentejo: 50 Anos de um Projeto em Constante Evolução

Internal Medicine in the Plains of Baixo Alentejo: a 50-Year-Old Continuously Evolving Project

 

José Vaz
https://orcid.org/0000-0002-3281-0206

 

Diretor do Serviço de Medicina Interna, Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, Hospital José Joaquim Fernandes, Beja, Portugal

Correspondência

 

Palavras-chave:Departamentos Hospitalares; Medicina Interna; Prestação de Cuidados de Saúde

 


 

Keywords:Delivery of Health Care; Hospital Departments; Internal Medicine

 


 

1. As Origens/No Princípio…

1. Fora do Hospital

Este esboço de plano para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) inicia-se pelo ponto que, podendo parecer de pormenor, é talvez o mais importante. Grande parte da solução poderá estar fora dos muros dos hospitais.

O Hospital José Joaquim Fernandes, atualmente inserido na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA), foi inaugurado na cidade de Beja a 25 de outubro de 1970.

Se não o primeiro, foi talvez dos primeiros “novos hospitais” que surgiram em Portugal na década de 70 do passado século, tendo sido a sua construção fruto de uma doação efetuada pela benemérita D. Carolina Almodôvar Fernandes, com a condição de ao hospital ficar ligado o nome do seu falecido marido, José Joaquim Fernandes.

Desde a fundação do hospital, à exceção de dois curtos períodos de dois a três anos em que houve um único serviço de Medicina Interna, sempre existiram dois Serviços de Medicina Interna: Medicina 1 e Medicina 2. Cada serviço tinha caraterísticas próprias, tendo atingido alguma diferenciação em áreas clínicas não existentes no hospital, como foi o caso da Hematologia pelo Serviço de Medicina 1 e da Nefrologia, Hepatologia, Diabetes e Doenças Infeciosas pelo Serviço de Medicina 2. De destacar ainda a criação, no início dos anos 80, da atual Unidade de Endoscopia Digestiva, da Comissão de Controlo de Infeção e do Grupo de Nutrição Entérica e Parentérica, todos coordenados pelo Serviço de Medicina 1.

A idoneidade formativa foi concedida à Medicina Interna em Beja no início dos anos 80. Desde essa altura, têm sido formados internistas com crescente regularidade – alguns ficaram, mas muitos deles encontram-se a exercer funções noutros hospitais.

Na década de 90, o Serviço de Medicina 1 iniciou com alguns Centros de Saúde da região um projeto de descentralização da Medicina Interna, criando consultas mensais desta especialidade para doentes previamente selecionados pela Medicina Geral e Familiar (MGF). Infelizmente, esta iniciativa inovadora para a região acabou descontinuada poucos anos depois, pela manifesta falta de recursos humanos existentes. Também em finais de 90, o Serviço de Medicina 1 apostou na diferenciação de um elemento do seu corpo clínico na área do doente crítico, através da realização do Ciclo de Estudos Especiais em Medicina Intensiva. Este passo tornou possível a criação da Unidade de Cuidados Intensivos no ano 2000, inicialmente com o apoio do Serviço de Cirurgia e Medicina 1, precursora da atual Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente da ULSBA.

2. A Realidade Presente

O atual Serviço de Medicina Interna resultou da fusão dos Serviços de Medicina 1 e 2 em março de 2017 e está integrado no Departamento de Especialidades Medicas. É o maior serviço do Hospital, contando com 60 camas divididas por dois pisos, às quais acrescem seis camas da Unidade de AVC. As enfermarias são de seis ou três camas, havendo dois quartos de duas camas e ainda dois quartos individuais, utilizados para isolamentos.

As instalações físicas têm sido melhoradas ao longo dos últimos 50 anos, havendo em todas as camas rampas de ar medicinal, vácuo e oxigénio, dispondo todas a enfermarias de climatização.

O corpo clínico é composto por dois Assistentes Graduados Sénior, quatro Assistentes Hospitalares Graduados, dez Assistentes Hospitalares e treze Internos da Formação Especifica. O serviço tem, essencialmente, duas grandes missões no presente: a atividade clínica assistencial e a formação de novos internistas.

ATIVIDADE ASSISTENCIAL

No internamento, o serviço está dividido em dois sectores (um por piso), com equipas de enfermagem independentes (um enfermeiro chefe por sector), assim como de assistentes operacionais. Cada sector está, por sua vez, dividido em equipas, cada uma com três médicos.

Durante o ano de 2018, o número de internamentos foi de 2181, com uma taxa de ocupação de 88% e uma demora média de 8,81 dias. A taxa de reinternamentos aos 30 dias foi de 4,8%. A taxa de mortalidade foi de 17,7%, o que se justifica pela idade média elevada dos doentes, com múltiplas comorbilidades. Muitos doentes acabam por vir falecer ao hospital, privilegiando o serviço uma morte na enfermaria, em vez de numa maca no Serviço de Urgência, facto que pode explicar, em parte, o número significativo de óbitos antes de 24 horas de internamento.

No âmbito da Consulta Externa, para além da consulta de Medicina Interna, o serviço assegura ainda consultas de Doenças Infeciosas, Hepatologia, Doenças Renais, Diabetologia (incluindo Diabetes Juvenil e Diabetes Gestacional) e Doenças Auto-Imunes. Foram efetuadas 8110 consultas em 2018, das quais 2520 (31,1%) corresponderam a primeiras consultas. Não existe lista de espera para marcação de consulta, sendo o tempo médio de espera para a sua realização de 44 dias. A percentagem de consultas resultantes de referenciação por MGF via ALERT®P1 é muito baixa (4%), tendo o serviço vindo a desenvolver algumas ações no sentido de incentivar a referenciação à consulta externa, em detrimento de ao Serviço de Urgência.

O serviço assegura presença física no Serviço de Urgência com dois elementos (sempre que possível, dois assistentes hospitalares) e reforça a equipa nos dias de semana com mais um elemento, das 12 h às 24 h. Oito dos assistentes do serviço desempenham, com regularidade, funções de Chefe de Equipa de Urgência.

Existe um médico de Urgência Interna das 12 h às 24 h aos dias úteis e das 08 h às 24 h aos fins-de-semana e feriados, tendo por função acorrer a todas as situações de urgência médica, não só do Serviço de Medicina Interna, mas de todo o hospital. Exerce também funções de consultadoria a todos os serviços do hospital sempre que solicitado.

A atividade assistencial do corpo clínico do Serviço de Medicina Interna não se esgota nos limites físicos do mesmo. Os elementos do serviço dedicados à Hepatologia e Doenças Infeciosas iniciaram, no passado mês de Março, consultas regulares nos dois estabelecimentos prisionais localizados na área de influência da ULSBA (Beja e Odemira), em conformidade com o Despacho n.º 283/2018, que determina a organização da rede para a prestação de cuidados de saúde hospitalares à população reclusa por intermédio do Serviço Nacional de Saúde (SNS), no âmbito da infeção por vírus da imunodeficiência humana e das hepatites virais.

Também a Unidade Coordenadora Funcional da Diabetes desenvolve, desde há bastante tempo, projetos nos vários concelhos do distrito, promovendo formação aos profissionais de saúde e desenvolvendo atividades de literacia da saúde para a população com diabetes, e que na diabetes juvenil vão desde ações de educação terapêutica até à intervenção escolar. Esta unidade tem ainda promovido a integração de cuidados nas diferentes vertentes da diabetes e iniciou teleconsulta com os concelhos de mais difícil acessibilidade.

O Serviço de Medicina Interna encontra-se ainda representado através de elementos da sua equipa médica no Grupo Coordenador Regional do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA), Grupo de Coordenação Regional das Hepatites Virais e VIH, bem como no Grupo de Monitorização da Prescrição da ULSBA. Até há cerca de um ano, um elemento do serviço foi Coordenador Regional do Programa Nacional para a Diabetes durante cinco anos.

A nível de sociedades científicas, tem colaborado ativamente com a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), tendo inclusivamente um dos seus membros sido recentemente coordenador do Núcleo de Estudos da Doença VIH (NEDVIH). Também colabora com a Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD) e com o Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus (NEDM) da SPMI, tendo estado envolvido nas recomendações da abordagem da hiperglicemia no internamento, que implementou em todos os serviços do hospital, e participou nos estudos DIAMEDINT 1 e 2, que avaliaram o perfil e prevalência da diabetes nos doentes internados em Serviços de Medicina Interna do país.

Mais recentemente, o Serviço de Medicina Interna colaborou, juntamente com outros serviços do Hospital no projeto “STOP Infeção Hospitalar!”, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian.

FORMAÇÃO

A formação de novos internistas constitui o segundo pilar de ação do serviço e não podia ser de outra maneira. Num hospital localizado no interior do país, quando os incentivos à fixação de especialistas vindos de fora são parcos ou inexistentes, a formação de internistas “da casa”, mais do que uma questão de dever, tornou-se uma questão de sobrevivência do próprio serviço. Esta realidade é bem ilustrada pelo facto de todos os Assistentes Hospitalares de Medicina Interna a exercerem funções no hospital terem sido formados cá. As vagas abertas em concurso ao longo de vários anos, na tentativa de captar internistas de fora, ficaram sempre desertas.

Recorde-se que o Serviço de Medicina Interna tem idoneidade formativa total para Internos da Formação Específica e forma uma média anual de dois a três assistentes hospitalares.

O facto de os especialistas das restantes especialidades médicas existentes no hospital serem em número reduzido e não disporem de serviços próprios faz com que o case mix no internamento e consulta englobe patologias das mais diversas áreas, permitindo aos internos uma formação clínica rica e conferidora de à-vontade perante situações clínicas dos mais diferentes foros. A necessidade cria o engenho!

Existe uma visita clínica semanal em cada um dos Sectores, que constitui um momento de aprendizagem por excelência, através da discussão e orientação em equipa dos vários doentes internados. Semanalmente ocorre ainda uma reunião clínica com apresentação de trabalhos, artigos ou revisões da literatura para fomentar a atualização contínua nos mais diversos campos da Medicina.

Nos últimos anos, temos assistido a um aumento progressivo dos números relativos à produção científica, sendo que anualmente, em média, o Serviço de Medicina Interna elabora 25 a 30 trabalhos, apresentados em congressos nacionais e internacionais. As publicações em revistas científicas rondam as duas por ano. Para este facto, têm grandemente contribuído os internos, motivados por orientadores cientes de que cada vez mais uma formação médica completa inclui a atividade científica como complementar da prática clínica diária.

Apesar de tudo, a grande maioria dos recém-especialistas opta por não permanecer no hospital, maioritariamente por razões extrínsecas ao serviço, nomeadamente a falta de incentivos para a fixação de médicos numa cidade do interior, a ausência de oferta de empregos para os cônjuges e os maus acessos à cidade, problemas que apenas se poderão resolver se houver vontade politica para tal.

Para além dos Internos de Formação Específica, o serviço recebe anualmente um número variável de Internos de Formação Geral, que são integrados nas equipas dos diferentes sectores.

No âmbito da formação pré-graduada, apesar da distância em relação aos centros universitários médicos, todos os anos o serviço tem recebido alunos de várias Faculdades de Medicina nacionais, para realização de Curtos Estágios Médicos em Férias, com feedback muito positivo, tanto que alguns dos colegas que realizaram estes estágios acabaram por regressar mais tarde como Internos de Formação Específica.

No âmbito da docência, desde há muitos anos que o serviço colabora com a Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Beja, tendo vários elementos do seu corpo clínico a ministrar aulas ao Curso de Enfermagem.

3. Projetos para o Futuro

Existem vários projetos a concretizar a curto/médio prazo, de que destacamos a criação da Unidade de Cuidados Intermédios durante o corrente ano, dotada de quatro a cinco camas com capacidade de monitorização contínua e suporte de um órgão.

Também durante o corrente ano, começará o apoio estruturado pela Medicina Interna aos serviços cirúrgicos do hospital, estando já em vias de se iniciar o apoio ao Serviço de Ortopedia.

A dotação recente do serviço com um ecógrafo e um ecocardiógrafo vai permitir que, logo após a atualização dos elementos do mesmo com conhecimento dessas técnicas, seja dada uma resposta mais atempada e à cabeceira do doente, contribuindo para o diagnóstico e tratamento de algumas patologias.

Ambicionamos ainda, a médio prazo, retomar o projeto de realização de Consultas de Medicina Interna nos vários Centros de Saúde da área de influência da ULSBA, assim como a implementação de uma consulta de Medicina Interna do dia ou em menos de 24-48 horas, em resposta a contacto telefónico prévio.

4. Reflexões Finais

A Medicina Interna constitui a espinha dorsal da prática médica hospitalar. A tendência para a hiperespecialização médica, embora com algumas mais-valias, acaba por fragmentar o doente e o seu quadro clínico, sendo que é necessária uma especialidade que seja capaz de “juntar as peças do puzzle” num todo que faça sentido, uma especialidade que seja capaz de ver o doente como um todo e não apenas como a soma de várias partes sem relação entre elas. As contingências de um hospital periférico como o nosso tornam obrigatório que o internista seja versado numa variedade de áreas médicas, ao mesmo tempo que tem de ser capaz deste pensamento holístico e agregador.

Como todos os serviços de Medicina Interna dos hospitais do interior, o nosso serviço luta com dificuldades em fixar colaboradores, muitos deles cá formados, mas tem uma vontade enorme de prestar mais e melhores cuidados a uma população cada vez mais envelhecida e dependente, muito dispersa, sem grandes estruturas de apoio de retaguarda e cada vez mais esquecida pelos decisores políticos.

 

Correspondência:José Vaz – jose.vaz@ulsba.min-saude.pt
Diretor do Serviço de Medicina Interna, Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, Hospital José Joaquim Fernandes, Beja, Portugal
Rua Dr. António Fernando Covas Lima, 7801-849 Beja

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

 

Recebido: 01/04/2019

Aceite: 18/04/2019

 

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