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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.2 Lisboa June 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/O/133/18/2/2019 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Fibrinólise num Hospital Distrital: Desempenho dos Dois Primeiros Anos

Fibrinolysis in a District Hospital: Performance of the First Two Years

 

Ana Pastor
https://orcid.org/0000-0001-6100-0723

Fábio Almeida
https://orcid.org/0000-0002-9310-3783

Nadine Silva
https://orcid.org/0000-0002-2262-3239

Rui Ferreira
https://orcid.org/0000-0002-2902-8766

Abílio Gonçalves
https://orcid.org/0000-0002-7976-7014

Teresa Alfaiate
https://orcid.org/0000-0003-4396-3934

Susana Magalhães
https://orcid.org/0000-0002-0644-664X

Amélia Pereira
https://orcid.org/0000-0003-1698-3374

 

Serviço de Medicina, Hospital Distrital da Figueira da Foz, Figueirada Foz, Portugal

Correspondência

 

Resumo:

Introdução: A fibrinólise constitui uma das terapêuticas do acidente vascular cerebral (AVC) isquémico e a sua precocidade relaciona-se com o prognóstico. Neste trabalho analisámos os tempos de atuação na Via Verde do AVC dos doentes submetidos a fibrinólise, comparando os dois primeiros anos de uma Unidade AVC tipo B.

Material e Métodos: Estudo prospetivo e observacional. Dados de 1 de julho de 2015 a 30 de junho de 2017. Realizada análise descritiva e inferencial. A análise comparativa incluiu os tempos porta-médico (da admissão no serviço de urgência, à avaliação clínica), porta-TC (da admissão no serviço de urgência à realização da tomografia computorizada- TC crânio-encefálica- CE) e porta-agulha (da admissão no serviço de urgência ao início da fibrinólise).

Resultados: Foram realizadas 38 fibrinólises. A análise inferencial não revelou diferenças estatisticamente significativas. A mediana dos tempos porta-médico (00h06m no primeiro ano versus 00h07m no segundo ano) e porta-TC (00h32m no primeiro ano versus 00h31m no segundo ano) foram semelhantes nos dois anos. O tempo porta-agulha melhorou no segundo ano (mediana 1h15m versus mediana 00h52m).

Discussão: Verificámos melhoria do tempo porta-agulha no segundo ano, cumprindo, na maioria dos casos, os tempos recomendados pelo National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS). O tempo porta-TC não cumpre as recomendações do NINDS em nenhum dos anos.

Conclusão: No segundo ano melhorou-se o desempenho. Serão implementadas medidas para reduzir o tempo porta-TC.

Palavras-chave:Acidente Vascular Cerebral/tratamento; Factores de Tempo; Fibrinólise; Hospitais Distritais; Isquémia Cerebral/tratamento

 


 

Abstract:

Introduction: Fibrinolysis is a therapy of ischemic stroke and its precocity relates to the prognosis. In this paper we analyzed the performance times in the first two years of the “code stroke” rapid access protocol patients undergoing fibrinolysis.

Material and Methods: Prospective and observational study with data from 1 July 2015 to 30 June 2017. We performed descriptive analysis and inferential statistics. The analysis included the door-to-doctor time (since the hospital admission to the clinical evaluation), the door-to-computed tomography (CT) time (since the hospital admission to the CT scan completion) and the door-to-needle time (since the hospital admission to the fibrinolysis).

Results: Thirty-eight fibrinolysis were carried out. The inferential analysis revealed no statistically significant differences. The median of the door-to-doctor time (00h06m versus 00h07m) and door-to-CT time (00h32m versus 00h31m) were similar in both years. The door-to-needle time has improved in the second year (median 1h15m versus 00h52m).

Discussion: We have seen improvement in the door-to-needle time in the second year, fulfilling, in most cases, the times recommended by the National Institute of Neurological Disorders and Stroke. The door-to-CT time does not comply with these recommendations in none of the years.

Conclusion: In the second year we improved the global performance. Measures will be adopted to reduce the door-toCT time.

Keywords:Brain Ischemia/therapy; Fibrinolysis; Hospitals, District; Stroke/therapy; Time Factors; Thrombolytic Therapy

 


 

Introdução

O acidente vascular cerebral (AVC) permanece, ainda, a principal causa de morbimortalidade em Portugal,1 apesar de se verificar uma redução progressiva do número de mortes por esta causa.1 O AVC isquémico constitui a maioria dos AVC´s, condicionando maior mortalidade quer em termos relativos, quer em termos absolutos.1

Na fase aguda, a fibrinólise constitui a terapêutica de eleição, de especial benefício nas primeiras três horas após o início do evento isquémico,2,3 podendo alargar-se até às 4,5 horas em casos selecionados.4 No entanto, a precocidade da instituição desta terapêutica relaciona-se diretamente com o prognóstico e recuperação funcional do doente.5 Neste sentido, no ano de 2006 foi oficializada a Via Verde do AVC6 que permitiu, a nível nacional, a definição de uma estratégia organizada para a abordagem, encaminhamento e tratamento do doente com suspeita de AVC, englobando as fases pré, intra e inter-hospitalar.

Em julho de 2015 a Unidade de AVC (UAVC) do Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE (HDFF) procedeu à implementação de um protocolo para administração de terapêutica fibrinolítica, em parceria com a UAVC do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), passando, assim, a UAVC nível B. Desta forma, o hospital oficializou a Via Verde do AVC, procedendo de forma protocolada na avaliação e diagnóstico dos doentes candidatos a terapêutica fibrinolítica. Em parceria com a UAVC do hospital de referência (UAVC nível A) e através de um sistema de telemedicina, são selecionados os doentes que beneficiam também de terapêutica endovascular, implicando, neste caso, o transporte inter-hospitalar do doente.

Segundo as orientações do National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS) preconiza-se como objetivo que o tempo decorrido entre a entrada do doente no hospital até à avaliação clínica por um especialista (tempo porta-médico) não seja superior a 10 minutos; o tempo desde a entrada até à realização da tomografia computorizada (tempo porta-tc) não ultrapasse os 25 minutos (aumentando para 45 minutos o tempo até a interpretação das imagens); e que o total de tempo desde a chegada do doente ao hospital e a realização de fibrinólise (tempo porta-agulha) não seja superior a 60 minutos.7

O objetivo do trabalho consistiu em analisar os tempos de atuação na Via Verde do AVC dos doentes submetidos a fibrinólise no hospital, comparando o desempenho anual dos dois primeiros anos. Adicionalmente, identificar fatores passíveis de alteração para aumentar a eficácia do processo intra-hospitalar.

Material e Métodos

Estudo prospetivo, observacional, com recolha dos dados dos doentes admitidos no hospital que realizaram fibrinólise pela suspeita ou diagnóstico de AVC isquémico, no período compreendido entre 1 de julho de 2015 e 30 de junho de 2017. Os dados referentes a cada doente foram registados numa base de dados previamente definida.

Foi realizada análise descritiva e inferencial com recurso ao programa IBM-SPSS statistics (SPSS) versão 24.0. Na análise descritiva foram calculadas as frequências relativas e absolutas, valores mínimos e máximos, média, desvio padrão e mediana. Na análise inferencial foi testada a normalidade da amostra com o teste Shapiro-Wilk; por distribuição não normal foi utilizado o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para amostras independentes; admitiu-se valor de significância p < 0,05.

Os principais tempos analisados são definidos como:
- Tempo porta-médico: tempo decorrido desde a admissão do doente no serviço de urgência até à avaliação clínica efetuada pela equipa médica;
- Tempo porta-TC: tempo compreendido entre a admissão do doente no serviço de urgência e a realização da TC crânio-encefálica;
- Tempo porta-agulha: tempo decorrido entre a admissão do doente no serviço de urgência e o início da administração da terapêutica fibrinolítica;
- Tempo TC-agulha: tempo decorrido entre a realização da TC crânio-encefálica e o início da fibrinólise.

Resultados

Desde a implementação da Via Verde do AVC, no período compreendido entre 1 de julho de 2015 e 30 de junho de 2017, foram realizadas um total de 38 terapêuticas com fibrinolítico (Tabela 1).

Do total de doentes que realizou fibrinólise, a maioria era do sexo masculino (57,9%), constatando-se uma maior prevalência deste sexo no segundo ano. A mediana global de idade foi de 75 anos (média de 70,4 +/- 14,0), com idade máxima de 85 e 88 anos no primeiro e segundo ano de experiência, respetivamente. Dois terços dos doentes realizaram terapêutica no segundo ano de experiência (n = 26, 68,4% do total), englobando mais dois doentes com idade superior a 80 anos e com idade máxima mais extrema (Tabela 1). Os doentes que realizaram fibrinólise durante o primeiro ano apresentaram uma pontuação na escala da National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS) entre 4 e 19; já no segundo ano registaram-se NIHSS entre 4 e 24. A mediana do NIHSS foi de 8 em ambos os anos (Tabela 1).

Na análise inferencial não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os tempos de atuação nos diferentes anos (p > 0,05). Realizámos análise descritiva e comparativa direta dos resultados, igualmente pertinente pois permite comparar os resultados atingidos com aqueles que devem constituir o objetivo da equipa.

Na análise dos resultados, verifica-se que a mediana dos tempos porta-médico (00h06m no primeiro ano versus 00h07m no segundo ano) e porta-TC (00h32m no rimeiro ano versus 00h31m no segundo ano) são semelhantes (Tabela 2).

Relativamente ao tempo porta-médico, verificou-se o cumprimento do tempo preconizado, isto é, não superior a 10 minutos, em 67% dos doentes no primeiro ano e em 64% dos doentes no segundo ano (Fig 1).

 

 

No que respeita ao tempo porta-TC, este tempo ultrapassou os objetivos estabelecidos pelo NINDS em 67% dos doentes no primeiro ano e 72% no segundo ano (Fig 2), ultrapassando os 25 minutos. Verificámos a melhoria de apenas 1 minuto na mediana, do primeiro para o segundo ano, mantendo-se superior aos 25 minutos. Constatámos também uma grande variabilidade dos valores, com tempos máximos que, por si só, ultrapassam os objetivos do tempo porta-agulha (Tabela 2).

 

 

Relativamente ao tempo porta-agulha, este melhorou do primeiro para o segundo ano com mediana de 1h15m no primeiro ano e uma mediana de 00h52m no segundo ano (Tabela 2). No segundo ano, foi cumprido o tempo porta-agulha preconizado em 72% dos doentes, comparativamente ao primeiro ano, em que só em 41,7% dos casos se cumpriu o tempo definido como objetivo (Tabela 3).

Adicionalmente, constatámos que dos casos que ultrapassaram os 60 minutos de tempo porta-agulha, na sua maioria relacionou-se com atraso após a realização da TC-CE (Tabela 4).

Discussão

A ausência de significância estatística nas diferentes variáveis analisadas estará em provável relação com a pequena dimensão da amostra.

Quanto ao tempo porta-médico foram cumpridas as recomendações do NINDS na maioria dos doentes em ambos os anos, não superando os 10 minutos desde a admissão até à avaliação médica do doente.

Relativamente ao tempo porta-TC, este tempo ultrapassou os 25 minutos estabelecidos pelo NINDS em mais de metade dos doentes em ambos os anos, com grande variabilidade entre os tempos cumpridos. Isto significa que o tempo porta-TC é passível de ser amplamente reduzido, até valores semelhantes aos valores mínimos conseguidos (00h11m no segundo ano). Para tal, será importante reforçar a articulação com o técnico de radiologia, de forma a disponibilizar de imediato a TC, bem como ativar os meios humanos necessários para o transporte imediato do doente.

Finalmente, no tempo porta-agulha verificou-se melhoria entre os dois anos, com cumprimento do tempo recomendado pelo NINDS, isto é, não superior a 60 minutos, no segundo ano, em que foi cumprido o objetivo em 72% dos doentes. Dos atrasos para o cumprimento deste tempo, a maioria registou-se após a realização da TC até à administração da fibrinólise. Inicialmente, este atraso poder-se-á explicar com base em dificuldades técnicas na comunicação com a UAVC tipo A que faz a leitura imediata das imagens da TC-CE, bem como em limitações do sistema de telemedicina. Entende-se que face a correcções técnicas, juntamente com uma melhor articulação de toda a equipa envolvida na Via Verde de AVC devido à progressiva experiência, se constatem melhorias nos resultados finais no segundo ano de experiência.

No entanto, o objetivo será proporcionar ao maior número de doentes (idealmente a todos) uma terapêutica administrada o mais precocemente possível, cumprindo, mais do que as orientações do NINDS, os tempos mais curtos possíveis face aos recursos humanos, técnicos e de instalações que o hospital permite. No sentido de minimizar o tempo porta-agulha, foram realizadas algumas alterações no protocolo, como a realização da fibrinólise na sala de imagiologia após realização da TA-CE.

Conclusão

No segundo ano o desempenho melhorou, cumprindo-se, na maioria dos casos, os tempos porta-médico e porta-agulha recomendados. Após análise dos pontos de atraso foram adotadas medidas com o objetivo de reduzir o tempo porta-TC, bem como o tempo porta-agulha. A reavaliação dos resultados permitirá identificar novos pontos de melhoria e optimizar, em última análise, o prognóstico dos doentes.

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração de todos os médicos do Serviço de Medicina que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste estudo.

Apresentações e Prémios / Presentations and Prizes: Os resultados deste trabalho foram apresentados oralmente no “18º Congresso do Núcleo de Estudos da Doença Vascular Cerebral da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna” (Porto, Portugal; 24 e 25 de Novembro de 2017), tendo sido vencedor do “Prémio de Mérito, Inovação e Dinamismo”.

 

Referências

1. Direcção Geral da Saúde. Programa Nacional para as Doenças Cerebro-Cardiovasculares. Lisboa: DGS; 2017.         [ Links ]

2. The National Institute of Neurological Disorders and Stroke rt-PA Stroke Study Group. Tissue Plasminogen Activator for Acute Ischemic Stroke. N Engl J Med. 1995; 333:1581-7.         [ Links ]

3. Kwiatkowski TG, Libman RB, Frankel M, Tilley BC, Morganstern LB, Lu M, et al. Effects of Tissue Plasminogen Activator for Acute Ischemic Stroke at One Year. N Engl J Med. 1999; 340:1781-7.         [ Links ]

4. Hacke W, Kaste M, Bluhmki E, Brozman M, Dávalos A, Guidetti D, et al. Thrombolysis with alteplase 3 to 4.5 hours after acute ischemic stroke. N Engl J Med. 2008; 359:1317-29. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa0804656.         [ Links ]

5. Hacke W, Donnan G, Fieschi C, Kaste M, von Kummer R, Broderick JP, et al. Association of outcome with early stroke treatment: pooled analysis of ATLANTIS, ECASS, and NINDS rt-PA stroke trials. Lancet. 2004; 363:76874.         [ Links ]

6. Alto Comissariado da Saúde, Coordenação Nacional para as Doenças Cardiovasculares. Documento Orientador sobre Vias Verdes do Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) e do Acidente Vascular Cerebral (AVC). Lisboa: ACS, CNDCV; 2007.         [ Links ]

7. Proceedings of a National Symposium on Rapid Identification and Treatment of Acute Stroke. National Institute of Neurological Disorders and Stroke, National Institutes of Health. Bethesda: NIH; 2008.         [ Links ]

 

Correspondência:Ana Pastor – pastor.anafernandez@gmail.com
Serviço de Medicina, Hospital Distrital da Figueira da Foz, Figueira da Foz, Portugal. Gala 3094–001 Figueira da Foz

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais.

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Provenance and peer review. Not Commissioned; externally peer reviewed.

 

Recebido: 14/08/2018

Aceite: 11/12/2018

 

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