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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.2 Lisboa June 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/PV/284/18/2/2019 

PONTOS DE VISTA / POINTS OF VIEW

Plano Individual e Integrado de Cuidados Como Objetivo da Relação Clínica

Individual and Integrated Care Plan in Clinical Relation

 

Rui Carneiro1,3
https://orcid.org/0000-0002-0213-2504

Catarina Simões1,2
https://orcid.org/0000-0003-1813-4632

António H. Carneiro3
https://orcid.org/0000-0002-0774-6863

 

1Equipa de Acompanhamento, Suporte e Paliação, Hospital da Luz-Arrábida, Porto, Portugal
2Escola Superior de Saúde de Santa Maria, Porto, Portugal
3Departamento de Medicina, Urgência e UCI, Hospital da Luz-Arrábida, Porto, Portugal

Correspondência

 

 

Resumo:Os avanços socioculturais e tecnológicos criaram um novo paradigma de viver e morrer. A doença crónica, geralmente múltipla e complexa cria estados prolongados de vulnerabilidade e dependência dos profissionais de saúde. Essa vulnerabilidade advém de um conjunto de necessidades elencáveis, prolongadas no tempo e mutáveis. O sentido renovado de profissionalismo médico assenta em novas metodologias de gestão da cronicidade e complexidade. Discutimos e operacionalizamos o conceito de Plano Individual e Integrado de Cuidados como reconciliação de múltiplos planos respondendo diretamente às necessidades específicas. O planeamento é centrado no doente, circunstanciado ao seu valor intrínseco de ser humano com relevância histórica irrepetível, nas suas preferências e diversidade e projetando-o no futuro, em que as suas necessidades antecipadas são colmatadas por uma equipa interdisciplinar. O suporte implementado é ajustável à mudança de estado do doente/ família. Consideramos esta ferramenta de trabalho cria uma estrutura sólida na abordagem dos doentes frágeis e complexos.

Palavras-chave: Comunicação; Cuidados Paliativos; Planeamento de Cuidados ao Doente; Relações Profissional-Doente.

 


 

Abstract:Socio-cultural and technological advances have created a new paradigm of living and dying. Chronic disease, often multiple and complex, creates prolonged states of vulnerability and dependence on health professionals. This vulnerability comes from a set of listable, time-consuming and changeable needs. This renewed sense of medical professionalism is based on new methodologies for the chronic condition and complexity management. We discuss and prepare the concept of Individual and Integrated Care Plan as a reconciliation of multiple plans responding directly to specific needs. Planning is patient-centered, circumscribed to its intrinsic value as a human being of unrepeatable historical relevance, in its preferences and diversity, and projecting it into the future, where its anticipated needs are bridged by an interdisciplinary team. Implemented support is adjustable to patient / family status change. We consider this work tool to create a solid framework in approaching the frail and complex patients.

Keywords: Communication; Palliative Care; Patient Care Planning; Professional-Patient Relations.

 


Novos Desafios na Prestação Cuidados de Saúde – os Mesmos Princípios do Cuidar

O último século trouxe uma revolução no percurso vital das pessoas e na forma como a sociedade se organiza. Os avanços do conhecimento, efetivados através de novas possibilidades tecnológicas modificaram as condições de vida em sociedade (a possibilidade de água potável, saneamento básico, técnicas de conservação de alimentos, …) e tiveram impacto enorme nas tecnologias em saúde, sejam elas diagnósticas, terapêuticas ou de suporte/ optimização de função de órgão.

Criaram-se novas possibilidades. Podemos esperar viver mais tempo.1 Podemos viver livres de enfermidade por um longo período das nossas vidas. Esse período foi capitalizado na promoção de estilos de vida com enfoque na produção laboral, no direito ao tempo de lazer, na noção de direito inalienável à qualidade de vida. O cenário de morte não se nos afigura ontologicamente próximo.

No que concerne à saúde, os hospitais assumiram a responsabilidade da aplicação e gestão dos meios tecnológicos disponíveis e transformaram-se em fulcros da gestão da doença, principalmente nos cenários de maior gravidade, seja ela aguda ou crónica. Os profissionais de saúde são, assim, guardiães e agentes validados e valorizados pela capacidade de operacionalizar essa tecnologia. A doença grave e os cenários de fim de vida são vividos e balizados pela tecnologia e pelas paredes dos hospitais, onde esta se concentra. A tecnologia é empregue como forma de suportar função, como ponte para a cura.2

Às novas possibilidades correspondem novos cenários. Morrer de doença aguda é, actualmente, uma exceção. A vivência da doença crónica passa a ter uma relevância epidemiológica na nossa realidade, modificando a forma de viver o percurso vital e tem impacto na organização familiar, comunitária, social e das instituições de saúde e de apoio. Existem ainda cenários novos, como os cenários dos sobreviventes a doença grave (exemplo, após cuidados intensivos, disfunção grave de órgão ou após doença oncológica) que redundam em processos de cronificação dos danos decorrentes das intervenções prolongadoras de vida.

Por definição, a doença crónica é permanente, produz incapacidade/deficiências residuais, decorrentes de alterações patológicas irreversíveis.3 Exige uma formação especial do doente e/ou família para a reabilitação/ gestão do quotidiano, podendo necessitar de longos períodos de supervisão, observação ou cuidados.

A doença crónica representa causa de morte de 60% da população mundial (85% na Europa) e 45% de toda a morbilidade mundial.4 Cerca de 50% - 80% dos recursos de saúde são alocados a cuidar de patologias crónicas. Nos Estados Unidos da América, os 10% de doentes mais graves representam 64% dos custos totais com a saúde, principalmente por prestação de estratégias de investigação diagnóstica e terapêuticas e internamentos desajustados.5

A doença crónica é aquela que não vai curar e que congrega um conjunto de necessidades altamente variáveis e individualizadas, mas prolongadas no tempo. Este é o racional para a necessidade de desenvolvimento de uma resposta médica de acompanhamento – Medicina do Acompanhamento. Trata-se de um reencontro com o foco ancestral da profissão de saúde (médica ou de enfermagem). A tecnologia aqui empregue já não serve de ponte para a cura; aliás, já não serve como ponte, mas frequentemente como estratégia definitiva de suporte/ optimização de função (exemplo: hemodiálise, ventiladores domiciliários, pacemakers, dispositivos de suporte da bomba cardíaca). Novas respostas tecnológicas são agora também empregues na medicina de suporte de pendor paliativo e surgem metodologias e tecnologias novas de acompanhamento, incluindo a monitorização e gestão remota. Esta nova realidade exige um pragmatismo e clareza na definição dos objetivos do cuidar.

As novas possibilidades tecnológicas criaram novas realidades de doença e do viver em processos de doença prolongada. Os efeitos provocados pela patologia (muitas vezes vivida em multimorbilidade) frequentemente conducentes a insuficiência de órgão e os danos secundários decorrentes da doença e/ou dos processos terapêuticos envolvidos (depressão e outras doenças mentais; imobilismo com amiotrofia; obesidade; quedas; delirium) são expressões directas da fragilidade condicionada pelo processo de doença. As respostas de pendor tecnológico (por vezes, tecnocráticas) reduzem a possibilidade de intervenção do doente no próprio processo de gestão da doença, pois se lhe retira o papel de especialista na sua própria vida. Esta impossibilidade de controlo, mais do que ferir o princípio ético da autonomia é expressão de vivência da vulnerabilidade (ie, sensação de ser ferido na dignidade humana). Quanto mais frágil, mais passivo o papel do doente e menos capaz a resposta dos sistemas de saúde, maior a potencialidade para o sofrimento humano.

Porque se nos apresentam frágeis, dependentes, com múltiplos processos co-mórbidos e em cenários de vivência de doença que são novidades no percurso vital dos doentes e da família, as interpelações ao sistema de saúde constituem sempre pedidos de ajuda. Os profissionais de saúde, porque agentes que dominam os processos fisiopatológicos e treinados para operacionalizar metodologias diagnósticas, são chamados à responsabilidade da correcta gestão dos artifícios diagnósticos e terapêuticos, evitando incrementar ainda mais os danos ou incapacidades, adotando sempre resposta cabal de ajuda que envolva o controlo de sintomas, a gestão da comunicação, a envolvência do doente e família que devem incluir-se na equipa terapêutica, nivelando as expectativas para aqueles que devem ser os objectivos terapêuticos tangíveis e realistas. O profissional de saúde é chamado a ser advogado do doente e da família para as questões da saúde, assumindo papel de mitigador de sofrimento. O profissional que cuida, também defende e educa. Trata-se de um renovado sentido da Responsabilidade profissional.

Plano Individual e Integrado de Cuidados: Os Conceitos

O Plano Individualizado e Integrado de Cuidados é mais do que um documento. Trata-se de um processo através do qual é descrito e operacionalizado, de forma facilmente acessível e inteligível, a forma como os tratamentos necessários se articulam com o suporte do doente e da família. É o produto da convergência entre os objectivos do cuidar e a melhor forma de os poder operacionalizar no espaço, no tempo, conhecendo-se interlocutores e responsabilidades inerentes.6

O Plano Individual e Integrado de Cuidados assenta em três valores relacionais únicos, sem os quais não se consegue operacionalizar. Por outro lado, estes valores relacionais reforçam a relação terapêutica entre todos os envolvidos – base fundamental para o sucesso da actividade clínica. São eles:

• Valor relacional da solicitação: Trata-se do pedido de ajuda.

Por definição, significa que alguém diminuído da capacidade para colmatar uma necessidade procura outro e permite a entrada no seu percurso vital porque esse outro é detentor de capacidade e conhecimento que saem do domínio daquele que solicita. Todo o pedido de ajuda é um exercício de exposição e de humildade. Todo aquele que se expõe torna-se vulnerável, tanto que não domina qual será o acolhimento e envolvimento que essa exposição vai receber por parte do outro. Por definição na relação em sociedade, todo pedido de ajuda deve receber uma resposta de ajuda. Uma vulnerabilidade exposta e não protegida incorre em risco de dano no sentido de dignidade de quem solicita ajuda – no campo da saúde, esta é uma vertente da iatrogenia geralmente não valorizada.

• Valor relacional da solicitude: pode ser simplesmente entendida como predisposição para ajudar. Significa uma vontade intrínseca de aproximação com o intuito de ajudar, o que implica uma abertura ao outro e ao seu sofrimento. É um valor relacionado com a motivação para se colocar perante o outro que pede ajuda. Aquele que exerce a solicitude entende que se pode, potencialmente, expor a situações de elevada complexidade e sofrimento e que lhe será exigido ser fonte de ajuda num cenário de controlo emocional interno.

• Valor relacional da empatia: constitui uma competência comunicacional essencial no processo de comunicação, podendo ser definida como a capacidade de se “colocar no lugar do outro”, sentindo com o outro, mas não por ele. Trata-se de uma competência que permite reconhecer e compreender a emoção do outro. São exemplos de manifestações de empatia: reconhecer o sofrimento do doente/ família e procurar identificar as suas preocupações ou ansiedades, procurando dar resposta a esses sentimentos; tentar compreender o que o doente / família sente, comunicar o que se percepcionou e validar; utilizar expressões que permitam que o doente / família sintam que tentamos compreender o que sentem, como ´Parece-me estar com muito medo´ ou ´Deve ser muito difícil´; usar momentos de silêncio, entre outros.

Assim, o Plano Individual e Integrado de Cuidados envolve (Tabela 1)6,8:

• Exploração, recolha e partilha de histórias de todos os envolvidos, incluindo o doente, a família/ pessoas relevantes e profissionais de saúde ou de suporte envolvidos, a partir das quais se extraem significados atribuídos às alterações vividas no processo de doença e seus impactos existentes ou previsíveis. Estas crenças e valores modelam atitudes e ajudam a nortear o exercício deliberativo. Permite identificar prioridades da actuação, fragilidades a colmatar e pontos fortes dos interlocutores a capitalizar para construção de ambiente terapêutico adequado;

• Explorar e discutir informação, fomentando entendimento sobre o que se pode e o que se deve fazer, distinguindo daquilo que não é expectável, porque não ajustado à realidade ou à possibilidade (aquilo que não se pode ou não se deve fazer);

• Avaliação sistemática de necessidades;

• Consensualização de objectivos do cuidar. Chama-se a esta fase o processo da tomada de decisão e define aquilo que se pretende atingir;

• Elaboração de um plano de acção. Envolve a atribuição de papéis e a interligação entre interlocutores, com responsabilidade partilhadas e conhecidas;

• Gestão de risco. Como securizar o ambiente terapêutico, incluindo os efetores de cuidados. Envolve identificação, discussão dos riscos inerentes ao plano e inclui directivas antecipadamente conhecidas e a capacitação para a abordar os cenários de risco;

• Devem estar claros os objetivos de cuidados, as intervenções e resultados esperados, bem como os momentos de reavaliação e eventual reformulação do plano, se ajustado e necessário.

São exemplos de planos de cuidados complexos: situações de adição, alcoolismo, problemas de segurança pessoal, problemas / alterações cognitivas, se se trata de uma criança ou se é um adulto vulnerável.

O Plano Individual e Integrado de Cuidados é também um registo de necessidades, ações desenvolvidas ou a desenvolver e responsabilidades, bem como um documento de gestão de risco. Deve ser entendido e partilhado entre todos as partes envolvidas e deve haver uma sensação de pertença àquele plano (critério crucial para adesão ao plano terapêutico).

Em resumo, o Plano Individual e Integrado de Cuidados trata-se de uma reconciliação de múltiplos planos criados para responder às múltiplas necessidades, respondendo diretamente às necessidades específicas (“right care in the right place in the right time”). Utiliza princípios antecipatórios de cuidados (plano para crise). O planeamento é centrado no doente como indivíduo, circunstanciado ao seu valor intrínseco de ser humano com relevância histórica e irrepetível, refletindo nas suas preferências e diversidade e projetando-o no futuro (curto ou longo prazo), em que as suas necessidades antecipadas são acauteladas e colmatadas por uma equipa interdisciplinar. O tratamento e suporte implementados são, por isso, flexíveis, carecendo de reavaliação regular da sua eficácia/ efetividade. É ajustável à mudança de estado do doente/ família e sensível a novas necessidades. Consubstancia o modelo da Medicina do Acompanhamento e de Suporte.

O Plano Individual e Integrado de Cuidados não é um exercício burocrático, nem uma listagem de equipamento necessário para atender às necessidades. É um exercício comunicacional poderoso, colaborativo e de responsabilidade partilhada, centrado nos valores do doente e da família. Também não é uma lista de desejos, mas um plano consensualizado e produto refinado do processo deliberativo que culmina no exercício de tomada de decisão. O tempo exigido à maturação do Plano Individual e Integrado de Cuidados é, em si, um tempo de estabelecimento e fortalecimento de relação de confiança, que, per se, tem valor terapêutico. Para além de ser um instrumento de trabalho, cumpre simultaneamente um propósito terapêutico do estabelecimento de sólida relação.

Mesmo em situação de proximidade do fim de vida, a pessoa deve continuar a ver respeitados os seus direitos de cidadão e de doente. Grande parte destes doentes encontra-se competente para a tomada de decisão, reunindo condições para exercer o seu direito ao consentimento livre e esclarecido. Assim, o profissional deve proceder à abordagem das questões relacionadas com o fim de vida numa fase precoce do processo de doença avançada, antecipando a discussão sobre desejos, preferências, medos, sentimentos, crenças, valores, sobre as intervenções e sobre os cuidadores por quem gostaria de ser acompanhado.

Estas informações devem ser registadas no processo individual do doente, uma vez que estes factores devem ser considerados quando ele deixa de estar competente. O profissional de saúde que discute estas questões com o doente deve reunir conhecimento de base sobre a situação, incluindo aspectos éticos e legais, bem como as necessárias competências de comunicação.

Plano Individual e Integrado de Cuidados: Operacionalizar e Monitorizar

A elaboração de um Plano Individual e Integrado de Cuidados é, como se disse, mais do que o elencar de um conjunto de necessidades e orientação para fontes de ajuda. É um processo organizado que dá forma à deliberação e à decisão. Tem por base a comunicação. Queremos dizer, então, que há um encontro comunicacional entre dois elementos: grupo de profissionais e doente e profissional. Ambos os intervenientes, têm vivências internas (millieu interno) que importa reconhecer.

O profissional de saúde deve atender a suas próprias necessidades e reconhecer limites e dificuldades. Esta percepção dos seus limites permitirá acautelar apoios que considere necessários para colmatar possíveis ineficiências do processo. Fundamenta-se, assim, a necessária intervenção multidisciplinar. São elementos a atender pelo profissional:

“Comunico eficazmente?”; “ Sei ouvir?”; “Respeito e apoio indivíduos no seu processo de decisão?”; “Sou capaz de encaminhar eficazmente para fontes de informação apropriada?”; “Sei discutir risco e benefício?”; “Como excluo as minhas crenças pessoais?”; “Consigo reconhecer o meu doente como parceiro na deliberação e decisão, pois ele é o verdadeiro “especialista sobre ele próprio?”; “Sei articular-me com outras fontes de saber?”

Por outro lado, é importante que os profissionais conheçam o que são geralmente consideradas mais-valias na actuação das equipas. A investigação científica que explora a questão é surpreendentemente consistente ao salientar que os doentes/ famílias valorizam mais a acessibilidade e confiança nos profissionais, a discussão diagnóstica, prognóstica e o controlo sintomático do que as condições hoteleiras ou a informação sobre a terapêutica a realizar. Este padrão ocorre tanto no ambiente da medicina do doente agudo como na gestão da patologia crónica.

Conhecidas as “agendas escondidas” dos intervenientes, a operacionalização passa por três momentos relevantes (Tabela 2)8:

1) estabelecimento de relação ou conexão ou “engagement”. Visa encetar relação, avaliar estilo comunicacional do doente/ família e adoptar estratégias que fomentem a confiança. O estilo comunicacional é aberto;
2) avaliação formal das necessidades do ponto de vista bio-psico-social e existencial. É um momento exploratório dos impactos da doença, dos significados atribuídos e vai permitindo direccionar as expectativas para definição de objectivos concretos e realistas;
3) planeamento de recurso externos e internos, orbitando em torno de objectivos bem concretos.

É ainda relevante criar condições que garantam transições seguras e suaves de ambientes terapêuticos, assegurando eficácia, segurança e confiança. A existência de documento escrito formalizando o plano de cuidados e a existência de elementos charneira. São exemplos, a figura de enfermeiro de ligação ou equipa de transição. Uma articulação eficaz entre os cuidados especializados e os cuidados de saúde disponíveis na comunidade promove sentimentos de segurança no doente e cuidador, evitando recorrências frequentes ao serviço de urgência.

A forma como, no nosso hospital, operacionalizamos estes princípios, no ambiente de ambulatório e de suporte ao internamento pode ser sistematizado em dois momentos:
• A primeira consulta ou consulta de acolhimento corresponde, habitualmente, ao primeiro contato do doente e família com a filosofia e abordagem da equipa. Após a apresentação pessoal dos profissionais (e da estrutura física do serviço, se necessário), é importante conhecer o enquadramento social e familiar, com recurso ao genograma e ao ecomapa, devendo ser claramente identificada a figura do cuidador, atual ou potencial.

Existem vantagens em optar por uma abordagem individual, pelo menos numa primeira fase, ao doente e família, já que, por vezes, um e outro se podem inibir na expressão de emoções sobre a situação atual ou expectativas futuras. A abordagem individual ao doente, no entanto, pode provocar na família a sensação de perda de controlo sobre a situação, pelo que deve ser tranquilizada. Esta reação é frequente quando a família alimenta uma situação de conspiração do silêncio, sendo por vezes necessário recorrer a uma conferência familiar.

É importante o recurso a perguntas abertas, mostrando ao doente (e família) que estamos verdadeiramente interessados e disponíveis para escutar as suas preocupações. A vontade de o fazer bem leva-nos a treinar e melhorar progressivamente as aptidões e competências de comunicação.

A revisão da história de doença e de vida constitui uma estratégia que permite um conhecimento profundo do doente, incluindo as suas vontades e objectivos, no sentido de o doente se posicionar na concretização do seu projeto, reformulando-o e ajustando-o à nova situação. Só desta forma é possível planear intervenções no âmbito dos cuidados psico-existenciais e espirituais. Pode, por exemplo, recorrer-se a exercícios práticos.

É conduzida uma rigorosa avaliação de sintomas, bem como do seu impacto na qualidade de vida do doente.

Faz parte da consulta de acolhimento a avaliação do grau de autonomia nos autocuidados, bem como a necessidade de equipamento adaptativo que facilite a sua satisfação. São frequentes os pedidos de colaboração no que diz respeito ao apoio instrumental na prestação de cuidados de higiene por uma instituição/empresa, por exemplo. É importante identificar estratégias de coping e promover no doente a sua descoberta, quer com recurso à revisão dos mecanismos utilizados em situações de crise anteriores, quer explorando as que são usadas no momento presente. O profissional de saúde deve ser capaz de fazer uma avaliação do insight psicológico e identificar a necessidade de o encaminhar para um profissional mais habilitado. Este encaminhamento pode ser também necessário para a família ou pessoas significativas.

A avaliação do risco de sobrecarga do cuidador é uma intervenção importante. A família deve ser ensinada a promover ela própria o seu autocuidado, já que é importante prevenir situações de exaustão, física e sobretudo emocional. O seu papel deve ser também elogiado, já que muitas vezes o cuidador não obtém este tipo de reforços por parte do doente, receptor dos seus cuidados.

• Na consulta de seguimento o profissional deve proceder a uma avaliação, o mais objetiva possível, dos sintomas, bem como a uma reavaliação das necessidades físicas, psicológicas e sociais, realização de ensinos e promoção da atenção do doente e cuidador relativamente a sinais de alerta, que devem conduzir ao contacto com a equipa prestadora de cuidados de saúde. Deve também manter-se o reforço positivo do cuidador.

A família deve ser instruída relativamente às constantes de conforto, ou seja, aos sinais que deverá monitorizar diariamente e que permitem aferir sobre o estado do doente, como por exemplo a qualidade do sono e sinais de desconforto. Os comportamentos de adesão ao regime terapêutico são fundamentais à situação de controlo de sintomas, pelo que doente e cuidador devem estar esclarecidos sobre os fármacos, sua utilização, horário e atentos a complicações previsíveis.

Em todos os momentos de consulta, interna ou externa, existe oportunidade de rever o plano definido com doente e família e esclarecer dúvidas. A presença de um contacto telefónico disponível em regime de horário alargado (24/7) promove a sensação de segurança no doente e cuidador.

Este nível de prestação de cuidados assenta num elemento de enfermagem com treino avançado em Cuidados Paliativos e num médico, com competência em Medicina Paliativa, integrado na equipa de Medicina Interna. A sua colaboração é solicitada pelo médico do doente, em presença de doença associada a situação complexa do ponto de vista da organização de cuidados, controlo de sintomas, apoio psico-social e coordenação entre níveis de cuidados. Esta intervenção não se limita a doentes crónicos, pois inclui situações de patologia aguda com necessidades equivalentes de acompanhamento, suporte e coordenação. Feita a avaliação, é dado feedback direto à equipa assistente para elaboração do plano individual e integrado de cuidados ajustado a esse doente. É frequente a necessidade de competências psico-sociais e apoio nutricional, ambas disponíveis na instituição e com relação priveligiada na interação com a Equipa de Acompanhamento, Suporte e Paliação.

Conclusão

O cuidado total é um desafio a que só é possível responder com uma cultura de empatia, compaixão e multidisciplinaridade. O PIIC é a forma processual de como a relação terapêutica se aprofunda enquanto se se desenvolvem respostas cabais e que possam ser consideradas verdadeira ajuda.

 

Referencias

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Correspondência:Rui Carneiro ruicarneiro77@gmail.com

Equipa de Acompanhamento, Suporte e Paliação, Departamento de Medicina, Urgência e UCI, Hospital da Luz – Arrábida, Porto, Portugal
Praceta Henrique Moreira, 150 4400-346 Vila Nova de Gai

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Provenance and peer review. Not Commissioned; externally peer reviewed.

 

Recebido: 29/10/2018

Aceite: 09/12/2018

 

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