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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.3 Lisboa set. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/Editorial/3/2019 

EDITORIAL / EDITORIAL

Sobre os Serviços de Urgência

About Emergency Departments

 

João Sá1
https://orcid.org/0000-0002-2466-7163

 

1Hospital da Luz, Lisboa, Portugal

O 5º Congresso Nacional de Urgência terá lugar em Portimão na primeira quinzena de Outubro. Seguramente será uma oportunidade para discussão proveitosa de temas relacionados com a missão e a função dos serviços de urgência externa hospitalar, das práticas em situações clínicas complexas, mas sobretudo com a organização de áreas que consomem recursos que faltam noutros palcos da vida dos hospitais.

A conferência de encerramento aborda uma dimensão claramente política e estratégica ao equacionar a questão de um Serviço Nacional de Saúde construído e laborando em função das exigências dos serviços de urgência.

Não o será quando se aprecia a tipologia de acessos de doentes à maior parte das especialidades, em particular as cirúrgicas e as médico-cirúrgicas. Habitualmente admissão é programada e o tratamento já está definido em função de um diagnóstico e de uma avaliação de estadio realizados na fase de ambulatório, discutidos frequentemente em sessões de decisão multidisciplinar.

No que à Medicina Interna diz respeito o cenário é completamente inverso. A esmagadora maioria dos doentes admitidos nas enfermarias são-no a partir dos serviços de urgência (em muitas instituições uma taxa de admissão não electiva de 90% poderá ser lisonjeira). Não obstante uma tendência para a redução de demoras médias de internamento verificada nos últimos anos todo o trabalho de investigação para o diagnóstico principal e secundários, as possíveis ramificações das doenças, o planeamento da terapêutica, a sua aplicação e a monitorização inicial são efectuados em ambiente de enfermaria.

Enquanto não se estabelecerem outras vias de acesso a cuidados diferenciados o serviço de urgência permanecerá o local de admissão mais certo e seguro. E mantendo-se este cenário por falta de coragem política para o mudar radicalmente, aos internistas cabe a missão obrigatória da gestão e controlo de operações na urgência externa, para que lhes seja facilitada a tarefa de definição de fluxos de doentes por toda a estrutura hospitalar – os pacientes claramente “médicos” e os outros que carecem de apoios de consultadoria exigentes e quotidianos. Não estando aplicada no terreno a solução desejável, composta por ferramentas dissuasoras do acesso sem critério de doentes aos serviços de urgência e emergência, ou de alternativas reconhecidas pela rapidez e eficácia (o ambulatório extra-hospitalar, a consulta no dia, a triagem telefónica e a reorientação de doentes), sobram duas soluções.

A primeira, uma espécie de resvalar para um aumento de áreas dos serviços de urgência, inflacionamento de recursos humanos (médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares, administrativos) e materiais em resposta a uma procura crescente e não controlada. Trata-se de uma má solução que não resolve a questão nuclear, é onerosa e retira equipas e equipamentos à assistência electiva. Quantos directores de Medicina Interna se lamentam com a falta de intervenientes para o trabalho de enfermaria, de consultas externas e de urgência interna, e para as tarefas de ensino e iniciativas na investigação. Quantos responsáveis de serviços de imagiologia e de patologia clínica vêm uma parcela substancial dos tempos de uso de equipamentos e de ocupação de médicos e técnicos desviada para o apoio à urgência externa. O efeito da dimensão e da função dos serviços de urgência nos moldes actuais é sempre depressora doutras actividades de assistência hospitalar e o impacto institucional é sistémico.

A outra solução passa pela adopção de atitudes que visam retirar dos serviços de urgência os indivíduos portadores de situações menos graves e sem prioridade, uma espécie de tarefa de purificação com a finalidade de fornecer aos indivíduos em situação de risco vital ou funcional cuidados rápidos e sofisticados. Assim foram surgindo as vias verdes, outras linhas de fluxo prioritário, as unidades de decisão clínica, as áreas de avaliação rápida, o streaming (uma via rápida para doentes sem gravidade retirando-os dos serviços de urgência), a transferência rápida para unidades de internamento (redução dos tempos door to floor), as consultas pós-agudos planeadas a partir do episódio de urgência, as equipas de triagem mistas (médicos e enfermeiros treinados), as avaliações laboratoriais point of care, centros de imagem integrados nos serviços / departamentos de urgência, a ultrassonografia de cabeceira, estudos imagiológicos protocolados activados desde a triagem (por enfermeiros) entre outras soluções que têm em comum o facto de dependerem da liderança e do esforço dos futuros e actuais especialistas de Medicina Interna.

Por tudo o que expus e a terminar reforço a certeza de que em termos de poderes na organização hospitalar, no presente e num movimento reformador próximo e inevitável, que devolverá o serviço de urgência aos acidentados e doentes emergentes, hiperagudos e agudos, as urgências são uma responsabilidade incontornável dos internistas, decorrente dos saberes ecléticos de que dispõem, e da abertura à pluridisciplinaridade que os caracteriza.

 

Publicado / Published: 20, de Setembro de 2019

 

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