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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.3 Lisboa set. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/O/93/19/3/2019 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Modified Early Warning Score como Preditor de Readmissões Precoces Numa Unidade de Cuidados Intensivos: Um Estudo de Caso-Controlo

Modified Early Warning Score as a Predictor of Early Readmissions in an Intensive Care Unit: A Case-Control Study

 

André Rosa Alexandre1
https://orcid.org/0000-0001-7435-634X

Catalina Gomez2
https://orcid.org/0000-0001-92179498

Alexandre Marques1
https://orcid.org/0000-0002-5133-2473

António Nunes1
https://orcid.org/0000-0001-6557672X

José Andrade Gomes1
https://orcid.org/0000-0003-1393-7081

 

1Serviço de Medicina Intensiva, Hospital da Luz – Lisboa, Portugal
2 Serviço de Hematologia, Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil E.P.E., Lisboa, Portugal

Correspondência

 

Resumo:

Introdução: A taxa de readmissões precoces (= 2 dias após a alta) nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) é usada como marcador de qualidade. Os doentes readmitidos têm pior prognóstico, sendo necessários instrumentos para os identificar antes da readmissão. O Modified Early Warning Score (MEWS) permite a identificação precoce de doentes com elevado risco de deterioração clínica, admissão em UCI e mortalidade intra-hospitalar quando realizado no Serviço de Urgência ou nas enfermarias. Testámos o MEWS como preditor de readmissões precoces em UCI quando calculado no momento da alta destas unidades.

Material e Métodos: Conduzimos um estudo de caso-controlo (1:1) para comparar doentes com readmissões precoces com controlos sem readmissões numa UCI polivalente, num período de 9 anos. Realizámos uma regressão logística para aferir a capacidade discriminativa do MEWS na predição de readmissões precoces em UCI. A precisão preditiva do score foi calculada pela área sob a curva receiver operating characteristic.

Resultados: Emparelhámos 114 readmissões precoces (taxa de 1,5%) com 114 controlos. Qualquer valor de MEWS > 0 esteve associado a um aumento significativo do risco de readmissões precoces. Um MEWS = 0 apresentou um valor preditivo negativo de 99,7%. A área sob a curva receiver operating characteristic do score para a predição de readmissões precoces foi 0,69 (IC95%: 0,62-0,76; p < 0,001).

Discussão: A precisão preditiva do MEWS para a predição de readmissões precoces nas UCI foi superior à de outros scores reportados na literatura. Conclusão: O MEWS é um score clínico de fácil aplicação, podendo contribuir para aumentar a segurança no momento da alta de doentes internados em UCI.

Palavras-chave: Continuidade de Cuidados; Mortalidade Hospitalar; Readmissões; Unidades de Cuidados Intensivos

 


 

Abstract:

Introduction: Early readmission rate ( = 2 after discharge) to the Intensive Care Units (ICU) is used as a quality measure. Since readmitted patients have poor outcomes, tools to identify them before readmission happens are needed. The Modified Early Warning Score (MEWS) identifies patients at high risk of clinical deterioration, admission to ICU and intra-hospital mortality when done at the Emergency Room or at the ward. We tested MEWS as a predictor of early readmissions to the ICU when done at the moment of discharge from these Units.

Material and Methods: We conducted a case-control study (1:1) comparing patients with early readmissions with controls without readmissions to a polyvalent ICU, during a period of 9 years. Logistic regression was used to determine the discriminative power of MEWS to predict early readmissions to the ICU. The predictive precision of the score was calculated by the area under the receiver operating characteristic curve.

Results: We paired 114 patients with early readmission (rate of 1.5%) with 114 controls. Any value of MEWS > 0 was associated with a significant increase in the risk of early readmission. A value of MEWS = 0 showed a negative predictive value of 99.7%. The area under the receiver operating characteristic curve of the MEWS to the prediction of early readmissions was 0.69 (IC95%: 0.62-0.76; p < 0.001).

Discussion: The predictive precision of MEWS to this purpose was higher than other scores reported in the literature.

Conclusion: MEWS is an easy clinical score with the potential to increase patient safety at the moment of discharge from the ICU.

Keywords:Continuity of Patient Care; Hospital Mortality; Intensive Care Units; Patient Readmission

 


Introdução

As Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) recebem doentes com grande complexidade clínica e geram custos elevados.1 Para a otimização funcional destas unidades têm vindo a ser desenvolvidas e avaliadas diversas medidas de qualidade,2–4 sendo exemplo a quantificação das readmissões em UCI durante o mesmo internamento hospitalar.1,5 Estima-se que 1,3% a 13,7% dos doentes com alta das UCI sejam readmitidos,1 embora o valor a alcançar como marcador de qualidade não deva ultrapassar os 4% a 6%.6

As readmissões em UCI podem ser divididas em: precoces (= 2 dias após alta da UCI) e tardias (> 2 dias após alta da UCI). Assume-se que as precoces têm associação mais provável com a admissão inicial, tendo a sua avaliação sido sugerida como medida de qualidade por diversas sociedades profissionais de medicina intensiva.4,7,8 Esta recomendação baseia-se na presunção de que, pelo menos em parte, as readmissões precoces resultem de falhas na transição de cuidados para os níveis inferiores às UCI.9 Embora exista uma controvérsia crescente sobre a utilização desta medida de qualidade,10,11 nomeadamente pelo viés de seleção que resulta de apenas os doentes que sobrevivem à admissão índice poderem ser readmitidos,11 é consensual que as readmissões representam custos mais elevados, internamentos hospitalares mais prolongados e maior morbilidade e mortalidade.1

Estão já identificados diversos fatores de risco para readmissão precoce em UCI1,12,13 que deixam antever o carácter multifatorial desta problemática, sendo alguns inerentes ao doente e outros dependentes das UCI ou dos serviços hospitalares para onde são realizadas as transferências.1 Adicionalmente, têm sido testados diversos scores na tentativa de prever que doentes terão maior probabilidade de serem readmitidos precocemente com o objetivo de diminuir estes eventos. No entanto, nenhum dos scores testados até à data (Stability and Workload Index for Transfer Score – SWIFT, Sequential Organ Failure Assessment Score – SOFA, Therapeutic Intervention Scoring System – TISS-28, entre outros) foi satisfatório.14 Todos apresentam como principais limitações a precisão moderada, a elevada complexidade de execução e a necessidade de recurso a exames complementares de diagnóstico.15

O Modified Early Warning Score (MEWS) é um score (Tabela 1) que avalia cinco variáveis clínicas de fácil aferição à cabeceira do doente: a pressão arterial sistólica (em mmHg), a frequência cardíaca (em bpm), a frequência respiratória (em cpm), a temperatura (em grau Celsius) e o nível de consciência (pela escala AVPU).16 Cada variável é pontuada individualmente, resultando o valor final do score da sua soma. O MEWS é eficaz na identificação precoce da deterioração clínica, quando realizado na admissão do doente no Serviço de Urgência ou diariamente na enfermaria, sendo preditor de maior mortalidade intra-hospitalar e da necessidade de admissão em UCI se = 5 pontos.16

Neste contexto, realizámos este estudo com o objetivo de avaliar a capacidade discriminativa do MEWS, realizado no momento da alta das UCI, para a identificação de doentes com elevado risco de readmissão precoce.

Material e Métodos

Este é um estudo de caso-controlo realizado na UCI do Hospital da Luz – Lisboa, uma UCI polivalente integrada num hospital privado em Portugal. O período de estudo foi de 1 de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2016, sendo o estudo aprovado pela Comissão de Ética (CES/06/2018/ME) com dispensa de consentimento informado. O estudo foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsínquia.

Identificámos todas as readmissões precoces não programadas (= 2 dias após alta da UCI) com recurso à consulta dos processos clínicos eletrónicos. Foram excluídos do estudo os doentes com menos de 18 anos, os que faleceram na primeira admissão na UCI, os admitidos exclusivamente para realização eletiva de técnicas, os doentes cujo resultado clínico final era desconhecido, os transferidos para outros hospitais e os com alta hospitalar direta da UCI. Emparelhámos os doentes identificados com readmissões precoces com controlos selecionados do grupo de doentes sem readmissões num rácio de 1:1. Este emparelhamento foi realizado através de aleatorização automática estratificada por género, idade e a tipologia de internamento (médica versus cirúrgica).

Os seguintes dados foram recolhidos dos processos clínicos e comparados entre os grupos: género, idade, tipologia e duração do internamento inicial (internamento índice) na UCI, pior valor dos scores de gravidade registados nas primeiras 24 horas de internamento (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II - APACHE II17- e Simplified Acute Physiology Score II - SAPS II18), sinais vitais (frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, frequência respiratória, temperatura timpânica) e estado de consciência (segundo escala AVPU19) no momento da alta da UCI e resultado clínico final. Os sinais vitais recolhidos no estudo foram registados no processo clínico eletrónico com base nos valores obtidos pelos monitores clínicos Infinity® Delta XL (Dräger®). O valor do score MEWS foi calculado de acordo com o definido por Subbe CP et al.16 O cálculo do MEWS foi feito retrospetivamente com base nos dados colhidos prospectivamente. Por conseguinte, o seu valor não se associou a qualquer atitude na gestão dos doentes no momento da sua saída da UCI.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

A análise descritiva das características dos dois grupos foi realizada com recurso a percentagens ou a medianas com intervalos inter-quartil (IIQ). As medianas da idade, da duração de internamento e dos scores APACHE II, SAPS II e MEWS foram comparados entre os grupos com recurso ao teste U de Mann-Whitney por terem estas variáveis apresentado distribuições não normais.

Foram calculadas a taxa de readmissões precoces (nº absoluto de readmissões precoces na UCI/nº absoluto de admissões na UCI x 100), a taxa de mortalidade intra-hospitalar (nº absoluto de óbitos intra-hospitalares dos doentes admitidos na UCI/nº absoluto de admissões na UCI x 100) e a taxa de mortalidade intra-hospitalar dos doentes com readmissões precoces (nº absoluto de óbitos intra-hospitalares dos doentes com readmissões precoces na UCI/nº absoluto de readmissões precoces na UCI x 100).

Avaliámos a capacidade discriminativa do MEWS para a predição de readmissões precoces em UCI através de um modelo de regressão logística com determinação de odds ratio (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%). A avaliação da qualidade de ajustamento do modelo foi realizada através do teste de Hosmer-Lemeshow. A avaliação do potencial preditor do MEWS neste contexto foi feita pela determinação da área sob a curva de receiver operator characteristic (AUROC), com cálculo dos valores de sensibilidade, especificidade, razão de verosimilhança positiva, razão de verosimilhança negativa, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo para cada valor de cut-off do MEWS. Considerámos a existência de significância estatística para valores de p < 0,05. Foi utilizado o software SPSS® 23.0 (IBM, USA) na análise estatística.

Resultados

Durante os 9 anos do estudo foram admitidos 7368 doentes na UCI. Ocorreram 403 readmissões, sendo 114 readmissões precoces (taxa de readmissões precoces de 1,5%). O número absoluto e a taxa de readmissões precoces variaram ao longo do estudo dum máximo anual de 16 doentes (2,2%) a um mínimo de seis (0,7%). De entre os doentes sem readmissões foram selecionados aleatoriamente 114 controlos emparelhados por género, idade e tipologia de internamento. A (Tabela 2) apresenta a comparação das características entre os dois grupos.

A duração do internamento inicial na UCI foi ligeiramente superior no grupo de doentes com readmissões precoces (1,7 [IIQ: 0,9-3,3] dias vs 1,2 [IIQ:0,8-2,7] dias; p = 0,246) mas sem que a diferença tenha significância estatística. A duração do reinternamento foi significativamente superior ao internamento índice (3,7 [IIQ: 1,3-7,3] dias vs 1,7 [IIQ: 0,9-3,3] dias; p = < 0,001).

A gravidade clínica aferida pelos scores de gravidade APACHE II e SAPS II era sobreponível entre os grupos. A taxa de mortalidade intra-hospitalar dos doentes readmitidos precocemente na UCI foi de 14%. Por oposição, não se registou nenhum óbito no grupo controlo.

A mediana do valor de MEWS no momento da alta da UCI foi de 2 (IIQ: 1-2) pontos no grupo dos doentes com readmissões precoces e 1 (IIQ: 1-2) pontos no grupo controlo (p < 0,001). O valor máximo de MEWS em ambos os grupos foi de 4 pontos, não sendo identificados doentes com MEWS = 5 pontos. A Fig 1 mostra a distribuição dos pontos de MEWS em ambos os grupos. A variável que contribuiu com maior peso para o valor de MEWS dos doentes com readmissões precoces foi a frequência respiratória (média ± desvio-padrão: 1,49 ± 0,07 pontos), seguida da frequência cardíaca (0,18 ± 0,04 pontos), da pressão arterial sistólica (0,09 ± 0,03 pontos) e da alteração do estado de consciência (0,04 ± 0,02 pontos). Nenhum dos doentes em ambos o grupo recebeu pontos por alterações da temperatura timpânica.

 

 

Qualquer valor de MEWS superior a zero significou um aumento de risco de readmissões precoces estatisticamente significativo (Tabela 3). Assim, e de forma sequencial, um MEWS = 1 aumentou o risco de readmissões precoces em 3,60 vezes (OR 3,60; IC95%: 1,40-9,50; p = 0,010), MEWS = 2 em 6,70 vezes (OR 6,70; IC95%: 2,40-18,30; p < 0,001), MEWS = 3 em 20,30 vezes (OR 20,30; IC95%: 5,00-82,00; p < 0,001) e MEWS = 4 em 15,80 vezes (OR 15,80; IC95%: 2,60-95,60; p = 0,003). Apenas um MEWS = 0 demonstrou uma diminuição do risco de readmissões precoces (OR 0,06; IC95%: 0,01-0,39; p = 0,003). O teste de Hosmer-Lemeshow demonstrou o adequado ajustamento do modelo para a predição de readmissões precoces (?2 = 0,000; p = 1,000).

 

 

A AUROC calculada para o MEWS (Fig 2) no momento da alta da UCI foi de 0,69 (IC95%: 0,62-0,76; p < 0,001). A Tabela 4 apresenta as sensibilidades, especificidades, razões de verosimilhança e valores preditivos calculados para cada valor de MEWS. O cut-off de MEWS = 2 foi o que apresentou o melhor par de sensibilidade (57%; IC95%: 47%-66%) e especificidade (71%; IC95%: 62%-79%) para a predição de readmissões precoces em UCI de acordo com a curva ROC.

 

 

Discussão

O nosso estudo mostra que os doentes com MEWS = 0 tiveram redução do risco de readmissão precoce. O valor preditivo negativo (VPN) calculado para o MEWS = 0 foi de 99,7%, demonstrando que a principal utilidade do score neste contexto passa pela segurança adicional que este valor trará no momento da alta dos doentes da UCI.

Embora valores de MEWS = 1 tenham aumentado o risco de readmissões precoces, não é possível tirar conclusões adicionais. Apenas podemos especular sobre o eventual benefício de prolongar o internamento em UCI até redução do MEWS. Outra estratégia possível nestas situações seria realizar as transferências para níveis intermédios de cuidados (step-down units) que permitam diminuir o risco de descompensação e readmissão precoce na UCI.

Refira-se que os doentes de ambos os grupos eram relativamente jovens, com predomínio do género masculino e de internamentos por causa cirúrgica. A gravidade medida pelos scores de APACHE II e SAPS II foi relativamente baixa e não apresentou diferenças significativas entre os dois grupos. Também não houve diferença significativa entre a duração do internamento inicial na UCI, sendo esta apenas discretamente superior no grupo de doentes readmitidos. Este achado parece contrariar a hipótese de que as readmissões destes doentes se devam à precocidade da alta da UCI, o que é coincidente com o que foi recentemente reportado por Maharaj R et al11 que também encontraram internamentos índices mais prolongados nos doentes que viriam a ser readmitidos precocemente.

A taxa de readmissões precoces verificada na nossa UCI durante o período de estudo (1,5%) encontra-se no limite inferior do reportado na literatura1 e abaixo da taxa máxima considerada como admissível.6

A duração do internamento durante a readmissão precoce foi particularmente prolongada, sugerindo o esperado agravamento clínico destes doentes. A mortalidade intra-hospitalar nas readmissões (14%) foi substancialmente superior à mortalidade global da UCI durante o período do estudo (5%), confirmando o pior prognóstico destes doentes. Este incremento de mortalidade nas readmissões precoces está de acordo com o habitualmente reportado em estudo prévios que chegam a reportar taxas de mortalidade de 20,7% a 69,7%.1,20,21

Um estudo recente de Uppanisakorn et al22 confirmou que o National Early Warning Score (NEWS), uma adaptação do MEWS introduzida pelo Royal College of Physicians of London, pode ser usado como preditor independente de descompensação clínica e readmissão em UCI nas primeiras 24 horas após a alta. Apesar das diferenças entre os dois scores, os contextos e os desenhos de ambos os estudos, os achados referidos por Uppanisakom reforçam a potencial utilidade do MEWS que aqui sugerimos.

Um outro achado interessante relativamente a este score foi a ausência de doentes nos dois grupos com MEWS = 5, o valor de cut-off descrito por Subbe CP et al16 para a identificação precoce de doentes em deterioração clínica no Serviço de Urgência ou nas Enfermarias. Esse estudo foi realizado num contexto clínico diferente do nosso, sendo essa a razão provável para a diferença de cut-off identificado.

A AUROC que obtivemos para o MEWS (AUROC = 0,69) na predição de readmissões precoces foi discretamente superior à dos outros três scores mais utilizados para esta indicação reportadas por Roehrig C et al14: SOFA (AUROC = 0,65), SWIFT (AUROC = 0,65) e TISS-28 (AUROC = 0,67). Tal como o MEWS, nenhum destes scores foi desenhado especificamente para a predição de readmissões precoces em UCI. É provável que esta precisão moderada/baixa, praticamente sobreponível entre os quatros scores, seja um reflexo da reduzida compreensão atual dos mecanismos fisiopatológicos que levam à deterioração clínica, mostrando a necessidade urgente de identificar os fatores de risco que melhor apontem para a necessidade de readmissão precoce em UCI de cada doente.

Embora a AUROC do MEWS seja semelhante à de outros scores já utilizados na predição de readmissões precoces, consideramos que o MEWS tem benefícios significativos que o tornam um instrumento mais atrativo para utilizar neste contexto. Entre essas vantagens destacamos a facilidade de utilização do score que é inteiramente baseado em variáveis clínicas avaliáveis quase instantaneamente à cabeceira do doente. Adicionalmente, estas variáveis já são medidas por rotina, não implicando por isso uma alteração significativa na prática diária das UCI. O facto de não serem necessários meios complementares de diagnóstico para o cálculo do score potencia a generalização do seu uso, incluindo UCI em continentes e países mais desfavorecidos (low-income countries) e com menos recursos. Acrescentamos que, ao invés dos outros scores citados que são de uso quase exclusivo nas UCI, o MEWS é um score muito utilizado nas enfermarias de todo o mundo e validado para a avaliação do risco de deterioração clínica. Assim, a mesma escala poderia passar a ser utilizada em todo o contínuo de internamento dos doentes.

Relativamente às variáveis medidas destacamos o impacto que a frequência respiratória teve para a elevação do score nos doentes readmitidos. Este achado é coincidente com o recentemente reportado por Mochizuki K, et al23 que verificaram ser este o sinal vital que, quando alterado, melhor previa a descompensação clínica e a recorrência de doentes ao Serviço de Urgência após uma primeira alta destas unidades. Apesar desta evidente importância clínica, este parâmetro vital continua a ter métodos de monitorização contínua pouco fiáveis, sendo frequentemente aferido pela observação clínica dos movimentos da parede torácica. No nosso estudo a medição da frequência respiratória foi feita através da leitura dos monitores onde esta é medida continuamente por impedância torácica pneumográfica. Muitos fatores podem interferir com a correta monitorização da frequência respiratória por esta técnica, como a colocação incorreta dos elétrodos de eletrocardiografia, ou outros artefactos de movimento.24 Tendo em conta estas limitações admitimos que esta seja a variável menos precisa no nosso estudo e eventualmente sobrestimada. No entanto, o seu peso no MEWS dos doentes readmitidos foi suficientemente superior às restantes variáveis em estudo para que a sua significância clínica não possa ser ignorada. A sua avaliação prospetiva com um método mais fidedigno de aferição poderá contribuir para esclarecer a sua real importância.

Reconhecemos que o nosso estudo tem limitações. Relembramos que a nossa UCI tem uma dimensão reduzida, está integrada num hospital privado, recebe doentes predominantemente cirúrgicos em pós-operatórios eletivos e com uma gravidade clínica relativamente baixa. Hospitais com disponibilidade de camas de Cuidados Intermédios, como é o nosso caso, poderão ter taxas de readmissão mais baixas que outros sem esse nível de cuidados. Taxas de readmissão mais baixas diminuem a significância do VPN por tornarem o evento de readmissão precoce particularmente raro. Em UCI com taxas de readmissão superiores à nossa a importância do VPN pode aumentar significativamente. Adicionalmente, o cálculo do MEWS foi retrospetivo com recurso ao registo dos sinais vitais realizado prospectivamente pelos sistemas de monitorização contínua com os seus potenciais erros associados. Por fim, o emparelhamento que efetuámos por género, idade e tipologia de internamento também impede que se retirem conclusões quanto à importância destas características no risco de readmissões precoces, algo que não podemos excluir à partida.

Por fim, destacamos como pontos fortes do nosso estudo a sua duração prolongada, a dimensão significativa da população estudada e a simplicidade do MEWS.

Conclusão

Tanto quanto sabemos este é o primeiro trabalho a sugerir a utilidade do MEWS realizado no momento da alta da UCI para a predição de readmissões precoces nestas unidades.

A principal mais-valia do nosso estudo prende-se com o elevado VPN (99,7%) que um valor de MEWS = 0 apresentou para a ocorrência de readmissões precoces em UCI, mostrando o potencial do score para aumentar a segurança no momento das altas de doentes internados nas UCI.

Estudos prospetivos mais amplos e em diferentes realidades são necessários para confirmar a validade dos nossos achados.

Agradecimentos

Os autores estão muito gratos ao Professor Doutor Pedro Póvoa pelas suas sugestões que tanto ajudaram a melhorar o texto final, e à Dra. Zulmira Abdula pelo seu apoio na colheita dos dados.

 

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Correspondência: André Rosa Alexandre andrerosaalexandre@gmail.com
Serviço de Medicina Intensiva, Hospital da Luz – Lisboa, Portugal Av. Lusíada, Nº 100, 1500-650 Lisboa

 

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

Provenance and peer review. Not commissioned; externally peer reviewed

Publicado / Published: 20, de Setembro de 2019

 

Recebido: 13/05/2019

Aceite: 08/07/2019

 

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