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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.4 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/Revisao/5/19/4/2019 

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

Miopatia Imunomediada por Anticorpos Anti-HMGCR: Revisão da Literatura com Base num Caso Clínico

Anti-HMGCR Immune-Mediated Myopathy: Literature Review Based in a Case Report

 

Bernardo Baptista1
https://orcid.org/0000-0002-2510-6106

João Galaz Tavares1
https://orcid.org/0000-0002-5395-5236

Natália Marto1
https://orcid.org/0000-0003-2898-0816

Alexandra Bayão Horta1
https://orcid.org/0000-0002-8696-6089

Rafael Roque1
(https://orcid.org/0000-0002-9027-9310

Vasco V. Mascarenhas1
https://orcid.org/0000-0002-5451-5021

1. Serviço de Medicina Interna, Hospital da Luz, Lisboa, Portugal

 

Resumo:

As estatinas estão entre os medicamentos mais prescritos a nível mundial e são geralmente seguros. Recentemente foi caracterizada uma forma rara, mas potencialmente grave, de complicação das estatinas e que pode surgir anos após o início da medicação – a miopatia necrotizante imunomediada (MNIM) anti-3-hidroxi-3-metilglutaril-coenzima A redutase (anti-HMGCR). A propósito de um caso clínico que ilustra a forma clássica de apresentação da MINIM anti-HMGCR, faz-se uma revisão da literatura. Mulher de 67 anos medicada com sinvastatina há 5 anos, apresenta-se com quadro subagudo caracterizado por mialgias e tetraparésia de predomínio proximal, elevação da creatina quinase, padrão miopático no eletromiograma, biópsia muscular compatível com miopatia necrotizante e anticorpos anti-HMGCR. Suspendemos a estatina e instituímos terapêutica imunossupressora, tendo a evolução sido favorável. A distinção entre a MNIM anti-HMGCR e outras miopatias é fundamental, para que o tratamento possa ser instituído atempadamente. Assim, é importante que os clínicos estejam familiarizados com esta doença.

 

Palavras-chave: Autoanticorpos; Doenças Autoimunes; Doenças Musculares; Hidroximetilglutaril-CoA Redutases; Inibidores de Hidroximetilglutaril-CoA Redutases; Miosite.

Statins are amongst the most prescribed drugs worldwide and they are generally safe. A rare but potentially serious adverse effect of statins’ therapy has been described – anti-3-hydroxy-3-methyl-glutaryl-coenzyme A reductase (anti-HMGCR) immune-mediated necrotizing myopathy (IMNM) – that can occur years after the drug has been started. We conducted a literature review after illustrating a typical case of anti-HMGCR IMNM. A 67-year-old female treated with simvastatin for the past 5 years presented with proximal myalgias and tetraparesis, raised creatine kinase, a myopathic pattern on electromyogram, a necrotizing myopathy on muscle biopsy and anti-HMGCR antibodies. The statin was stopped, and immunosuppressive therapy was commenced, leading to a complete remission. The distinction between anti-HMGCR IMNM and other myopathies is crucial, so that the appropriate treatment can be started promptly. Likewise, it is important that clinicians be aware of this entity.

Keywords: Autoantibodies; Autoimmune Diseases; Hydroxymethylglutaryl CoA Reductases; Hydroxymethylglutaryl-CoA Reductase Inhibitors; Muscular Diseases; Myositis.

 

Introdução

As estatinas estão entre os medicamentos mais prescritos em todo o Mundo, têm um papel muito bem estabelecido na prevenção primária e secundária de eventos cardiovasculares e são geralmente seguros. No entanto, a toxicidade muscular é um dos principais fatores que compromete a adesão à terapêutica e pode apresentar-se de múltiplas formas. São exemplos desta toxicidade as mialgias, a elevação ligeira (<5 vezes o limite superior do normal) e assintomática da creatina quinase (CK), a miopatia tóxica autolimitada e a rabdomiólise.1 Nos últimos anos, uma forma rara, mas clinicamente relevante tem vindo a ser caracterizada – miopatia necrotizante imunomediada (MNIM).2,3 Neste pequeno grupo de doentes, anticorpos (Ac) dirigidos à enzima-chave da síntese do colesterol – 3-hidroxi-3-metilglutaril-coenzima A redutase (HMGCR) – parecem ter um papel etiopatogénico, sendo esta a enzima que é inibida pelas estatinas.4 A distinção entre a MNIM anti-HMGCR e outras miopatias nem sempre é fácil, mas é fundamental, para que o tratamento possa ser instituído atempadamente.

 

Caso Clínico

Mulher de 67 anos, caucasiana, naturalidade portuguesa, admitida em internamento por mialgias e tetraparésia de predomínio proximal. A doente tinha antecedentes de hipertensão arterial essencial, hipercolesterolémia, gota e hidrosadenite supurativa. Estava medicada com alopurinol 150 mgqd, atenolol/clorotalidona 100/25 mgqd e sinvastatina 20 mgqd desde há 5 anos. Foi inicialmente avaliada em consulta de Medicina Interna por quadro clínico com 3 meses de evolução caracterizado por astenia, mialgias e falta de força muscular de predomínio proximal, sem febre, hipersudorese noturna, perda ponderal, disfagia, diplopia, disartria, alteração da sensibilidade, dor lombar ou incontinência de esfíncteres, e não se apurou outra sintomatologia na revisão por órgãos e sistemas. No exame físico constatou-se:

1) discreto eritema da face e região foto-exposta ântero-superior do tórax, sem heliotropo, poiquilodermia ou outros sinais sugestivos de dermatomiosite;

2) tetraparésia simétrica de predomínio proximal no grupo dos flexores da coxa (força muscular grau 3/5 segundo a escala Medical Research Council - MRC), com compromisso axial mais notório na flexão do pescoço (força muscular MRC grau 3/5), poupando a face. Os reflexos osteotendinosos estavam presentes e eram simétricos. A avaliação sensitiva era normal, assim como o restante exame físico. Laboratorialmente destacava-se elevação da velocidade de sedimentação (60 mm/h), CK (4338 UI/L), lactato desidrogenase (472 UI/L), alanina aminotransferase (268 UI/L) e aspartato aminotransferase (186 UI/L), com hemograma, tempos de coagulação, fosfatase alcalina, y-glutamiltransferase, bilirrubina, creatinina, ureia e urina II normais. A doente ficou internada com a suspeita de miopatia inflamatória grave, tendo realizado:

1) ressonância magnética (RM) de corpo inteiro – compatível com miopatia inflamatória com envolvimento proximal e relativamente simétrico dos membros superiores e inferiores, bem como dos músculos para-espinhais (Fig. 1);

2) eletromiograma (EMG) – aspetos de lesão difusa da fibra muscular com necrose ativa;

3) provas de função respiratória (PFR) – pressões expiratória e inspiratória máximas diminuídas (MEP e MIP respetivamente), com espirometria e difusão de monóxido de carbono (DLco) dentro da normalidade;

4) tomografia computorizada (TC) do tórax com referência a nódulo tiroideu (3 cm) no lobo esquerdo, sem evidência de doença do interstício pulmonar (DIP);

5) ecografia abdominal – sinais sugestivos de esteatose hepática moderada;

6) pro-BNP (brain natriuretic peptide) e troponina I normais; eletrocardiograma sem alterações;

7) eletroforese das proteínas séricas com hipergamaglobulinémia de base larga; aumento das imunoglobulinas G e A, sem componente monoclonal na imunoeletroforese;

8) Ac antinucleares (ANA) e Ac anti-SSA, SSB, Ro52, Jo1, PM/Scl, Scl70, centrómero, Sm/RNP, histonas, PCNA e nucleossoma, negativos;

Em internamento suspendeu-se a estatina, realizaram-se três pulsos de metilprednisolona endovenosa 500 mg seguidos de prednisolona 40 mgqd (0,7 mg/kg) e a doente iniciou um programa de reabilitação motora, sem intercorrências. Em cinco dias assistiu-se a melhoria subjetiva acompanhada de descida da CK até 1730 UI/L. Antes do início da corticoterapia realizou-se uma biópsia do músculo deltoide esquerdo e uma citologia aspirativa por agulha fina guiada por ecografia do nódulo tiroideu – nódulo benigno (categoria II de Bethesda).

Já em ambulatório, perante o resultado da biópsia muscular – padrão de miopatia necrotizante (Fig. 2) – acrescentou-se o estudo dos Ac anti-SRP (signal recognition particle) e anti-HMGCR – negativos e positivos, respetivamente. Assim, o diagnóstico final foi de MNIM anti-HMGCR, em doente sob sinvastatina. Durante a redução de dose da prednisolona (ao reduzir dos 20 mgqd), assistiu-se a um agravamento clínico e laboratorial, pelo que se incrementou de novo a dose de prednisolona e acrescentou o metotrexato (MTX) oral semanal. Após 1 ano e 6 meses de seguimento, a doente encontra-se em remissão clínica, laboratorial e eletrofisiológica, sob metotrexato 15 mg/semana e prednisolona 1,25 mgqd. Até à data não se verificaram efeitos adversos relacionados com a terapêutica.

 

Discussão e Breve Revisão

Fazem parte do grupo das miopatias inflamatórias (MIs), a dermatomiosite (DM), a polimiosite (PM), a miosite associada à síndrome anti-sintetase (MaSAS), a miosite por corpos de inclusão, e a MNIM, sendo que esta última representa 10% a 20% das MIs.5,6 Atualmente distinguem-se três subgrupos de doentes no espetro da MNIM: doentes com Ac anti-SRP, doentes com Ac anti-HMGCR, e doentes seronegativos; em todos os grupos de doentes, mas predominantemente nos seronegativos, pode haver sobreposição com outras doenças autoimunes, mais frequentemente doença mista do tecido conjuntivo e esclerose sistémica.7,8 Apesar de ser raro, pode encontrar-se na MaSAS um padrão histológico compatível com uma miosite necrotizante.2 A este respeito importa referir que:

1) os achados da biópsia muscular não são característicos de nenhuma doença em particular e podem ser encontrados em diversas situações não imunes;

2) em todas as MIs, o diagnóstico é estabelecido pela integração da clínica, da biópsia muscular e da presença de auto-Ac, desde que excluídas outras causas.9,10 No grupo das MIs, a MNIM anti-HMGCR e a MaSAS são as que mais frequentemente podem apresentar um padrão de miosite necrotizante na biópsia muscular. No entanto, na MaSAS são característicos o fenómeno de Raynaud, a artrite, a DIP, as mãos de mecânico, a febre e um dos Ac anti-aminoacil-tRNA sintetase (e.g.,Jo1, PL-7, PL-12, OJ, EJ, KS, Ha, Zo), ao passo que na MNIM anti-HMGCR as manifestações extra-musculares estão frequentemente ausentes e são positivos os Ac anti-HMGCR.5,9,10

Os Ac anti-HMGCR foram descritos pela primeira vez em 2010, e rapidamente se tem vindo a expandir o conhecimento acerca da MNIM anti-HMGCR.2 É uma doença com predileção para o género feminino e com uma idade média no diagnóstico que varia consoante as séries – entre os 50 e 70 anos.2,11–16 Tem uma incidência global estimada em 2 por 1 000 000/ano e, particularmente nos doentes tratados com estatinas, é de 2-3 casos em cada 100 000.17,18 Nos adultos, o polimorfismo HLA DRB1*11:01 confere um risco acrescido para a doença.16,19 Apesar de ser uma doença classicamente associada às estatinas, esta associação não é ubíqua e varia consideravelmente consoante a origem das séries.2,3,8,11–13,15,20,21 Existe alguma evidência sugerindo que doentes sem exposição a estatinas são mais jovens, têm valores mais elevados de CK, e são mais resistentes à terapêutica.3,12,22 Tem sido postulado que o consumo de arroz vermelho, chá Pu-erhou alguns tipos de cogumelos ostra, pode ser fator de risco para a MNIM anti-HMGCR, presumivelmente pelo teor destes alimentos em mocolina K (lovastatina na sua forma natural).1 A este respeito, é interessante que num estudo de doentes chineses, apenas 13,6% dos doentes tinha exposição a estatinas, possivelmente fruto dos hábitos dietéticos e/ou da influência do património genético.21 Ainda a propósito dos fatores de risco para as MNIM, com a utilização crescente dos inibidores PD-1 (programmed death 1) na área da Oncologia, podemos encontrar na prática clínica formas graves de MNIM, em doentes predominantemente seronegativos.23,24 A associação da MNIM anti-HMGCR com neoplasia tem sido reportada – mais frequentemente adenocarcinoma do tubo digestivo, da mama, do útero e do ovário –, mas existem variações significativas nesta associação consoante as series (e.g., 6% vs 36% de doentes com neoplasia em coortes com 104 e 33 doentes com MNIM anti-HMGCR, respetivamente).13,16,25,26 Assim, para além da realização de exames orientados pela suspeição clínica e dos rastreios recomendados para a idade e género do doente, a procura sistemática de neoplasia oculta é provavelmente desnecessária.

O caso que se descreve ilustra a forma de apresentação clássica da MNIM anti-HMGCR – apresentação subaguda caracterizada por mialgias e tetraparésia de predomínio proximal, numa doente sob terapêutica com estatina. Não obstante, reitera-se que esta pode ser, também, a forma de apresentação clínica das outras formas de MNIM e das MIs em geral, bem como de algumas miopatias tóxicas, doenças neuromusculares não imunes – mais frequentemente distrofia muscular de cinturas (tipo 2A ou calpainopatia e tipo 2B ou disferlinopatia) e distrofia fascioscapulohumeral – e da miopatia do hipotiroidismo.5,27,28 Pode ainda fazer parte da sua apresentação clínica a disfagia, havendo descrições muito raras de manifestações extra-musculares – mais frequentes nos doentes seronegativos – como a artrite, fenómeno de Raynaud, alterações cutâneas típicas de DM e ainda DIP.2,8,11–13,21,27,29,30 No caso que se descreve, as alterações cutâneas estavam presentes há vários anos e persistiram apesar do tratamento, pelo que muito provavelmente não estão em relação com a miopatia, e não se encontrou evidência de envolvimento do parênquima pulmonar.

Nos exames complementares, tipicamente a CK está aumentada em 10 a 100 vezes o limite superior do normal e o EMG mostra um padrão de lesão da fibra muscular.2,3,11,20 Tal como aconteceu no caso que se descreve, a acompanhar a elevação da CK pode encontrar-se um aumento da AST e/ou da ALT (origem muscular e não hepática).10 A RM muscular não permite por si só distinguir entre as várias formas de MIs, mas pode corroborar um padrão inflamatório – hiperintensidade de sinal em STIR (short tau inversion recovery) denotando edema – e pode ainda avaliar o dano – hiperintensidade em T1 correspondendo a substituição adiposa – e definir a distribuição/gravidade da doença orientando a escolha do melhor local para a biópsia.2,6,10,20 A histologia muscular revela necrose muscular com regeneração das fibras musculares, infiltrado inflamatório escasso e, ocasionalmente, pode haver sobre-expressão de MHC classe I e deposição de complexo de ataque à membrana, maioritariamente no sarcolema de fibras musculares não-necróticas.2,3,11,31 Nos últimos anos assistiu-se a uma enorme evolução no painel dos Ac específicos das MIs (MSAs), assumindo estes um papel importante no diagnóstico diferencial (relação fenótipo-Ac, manifestações extra-musculares associadas), na previsão da resposta ao tratamento e risco de neoplasia, e no prognóstico.5,10,32 Os penúltimos Ac a integrarem o grupo dos MSAs foram os Ac anti-HMGCR. No contexto clinico-patológico adequado estes têm uma elevada especificidade (>95%) e são virtualmente diagnósticos da MNIM anti-HMGCR.3,27,33 Existem diversas técnicas laboratoriais para a sua deteção, mas a mais utilizada é o ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay), sendo a imunoprecipitação o gold standard.1 Apesar de ser raro, caso haja envolvimento pulmonar, o padrão mais frequentemente encontrado na TC é o de pneumonia intersticial não específica.34 As PFR podem mostrar alterações associadas à DIP e/ou um padrão compatível com envolvimento dos músculos respiratórios – diminuição da MIP e MEP– como aconteceu no caso que se descreve.6

Sendo uma doença rara e muito recentemente descrita, o seu tratamento é exclusivamente baseado em publicações de casos clínicos, coortes de doentes e opinião de peritos. Em regra, a suspensão da estatina é necessária ainda que não suficiente, o que não reduz a importância desta atitude. A este respeito, é consensual que, se possível, o doente não deve ser retratado com estatinas (efeito de classe). Para além da suspensão da estatina, frequentemente é necessária a instituição de corticoterapia e outro(s) imunossupressor(es)/imunomodulador(es) - seja como poupador de corticoide ou como adjuvante no tratamento.7,12,30,35,36 Estão descritos casos de sucesso com a imunoglobulina endovenosa (IgEV), o MTX, a azatioprina, os inibidores da calcineurina, e o micofenolato mofetil.5,30 Em situações refratárias e/ou de maior gravidade, pode haver necessidade de recorrer à ciclofosfamida, ao rituximab e/ou à plasmaferese.7,29,35 Em 2017 foi publicado um documento de consenso sobre a MNIM, e na MNIM anti-HMGCR os autores recomendam: iniciar corticoterapia (com ou sem pulsos endovenosos) e, concomitantemente ou até 1 mês após o diagnóstico, iniciar um poupador de corticoides, sendo o MTX a primeira escolha.7 Em alternativa ao MTX (ou em adição nas situações graves), a escolha deve recair sobre a IgEV, podendo esta ser utilizada em monoterapia (e.g., se for necessário evitar por completo os corticoides).7,37 Em situações de falência do tratamento inicial, não se deve esperar mais do que 6 meses para iniciar a IgEV. O tratamento deve ser mantido durante um mínimo de 2 anos com uma dose mínima ou sem corticoides, e só depois se deve iniciar redução de dose (até à suspensão se possível) do(s) poupador(es) de corticoide. Adicionalmente os doentes devem integrar, se possível desde o início, um programa de reabilitação motora.5,7

Na monitorização da resposta ao tratamento devem ser seguidos os mesmos princípios das MIs, com o objetivo de recuperar a força muscular e capacidade funcional, tentando evitar/minimizar efeitos adversos da terapêutica e, se presentes, tratar as manifestações extra-musculares. Durante o seguimento deve ser realizada uma avaliação sistemática da força muscular – subjetiva, semi-quantitativa e, se disponível, com dinamometria quantitativa. A monitorização dos valores de CK é igualmente importante, considerando alguns princípios:

1) o seu aumento pode preceder o agravamento clínico,

2) a sua diminuição tipicamente antecede a melhoria clínica e,

3) em doentes com doença de longa data e/ou mal controlada, a CK pode não aumentar (substituição de fibras musculares por tecido adiposo e conjuntivo).6 Por outro lado, nalguns casos, apesar da normalização da força muscular, há manutenção de níveis elevados de CK, o que parece ser mais frequente na MNIM anti-HMGCR do que nas outras MNIM e MIs.13 Numa situação de dúvida quanto à atividade da doença, o EMG e a RM muscular podem ser úteis. Alguma evidência sugere que os títulos de Ac anti-HMGCR poderão estar diretamente relacionados com a gravidade da doença, mas, estes raramente (ou nunca) normalizam, mesmo em doentes que atingem a remissão clínica, pelo que não parece haver lugar à monitorização dos seus títulos.12,14,22

O prognóstico da MNIM anti-HMGCR varia consideravelmente nas várias séries que se encontrou na literatura. Por exemplo, numa revisão de 100 doentes com MNIM anti-HMGCR, o tratamento foi eficaz em 90% dos casos, mas 88,8% precisaram de dois ou mais imunossupressores (incluindo corticoides na maioria), em adição à suspensão da estatina.11 Por outro lado, na maior coorte de doentes com MNIM anti-HMGCR publicada até à data (n = 104), aproximadamente 1/3 dos doentes tinham doença refratária após 2 anos de terapêutica imunossupressora agressiva.13 O único fator de mau prognóstico que os autores encontraram foi a idade – doentes mais jovens tiveram maior gravidade na apresentação clínica e uma recuperação mais lenta com o tratamento, independentemente da exposição a estatinas.

Tratando-se de uma doença rara, que necessita de um elevado índice de suspeição clínica e, cujo estudo e investigação são difíceis e dispendiosos, a colaboração multidisciplinar em centros de referência constituirá a melhor forma de estudar estes doentes. Desta forma poderemos eventualmente avançar no conhecimento científico e responder a questões importantes como por exemplo:

1) a existência ou não de associação com neoplasia,

2) quais os fatores de prognóstico e,

3) qual a melhor estratégia terapêutica.

Concluindo, as estatinas são fármacos amplamente utilizados e os seus efeitos secundários são em geral resolvidos com a simples suspensão do fármaco. No entanto, a MNIM anti-HMGCR é uma complicação rara, mas potencialmente grave desta terapêutica, em que a suspensão do fármaco não é por norma suficiente para levar à resolução do quadro clínico, sendo necessário o recurso à terapêutica imunossupressora. Por outro lado, a MNIM anti-HMGCR pode ocorrer em doentes sem exposição a estatinas e tem a particularidade de ter um marcador laboratorial, os Ac anti-HMGCR, que deve ser utilizado de forma judiciosa. Assim, é importante que sejam divulgadas as características clínico-patológicas desta entidade, para que esta não seja confundida com outras miopatias, se estabeleça um diagnóstico precoce, e se tomem, atempadamente, as atitudes necessárias.

 

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Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Pessoas e Animais:  Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com  os  regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence / Correspondência:

Bernardo Baptista – bernardo.b87@gmail.com

Serviço de Medicina Interna, Hospital da Luz – Lisboa, Portugal

Av. Lusíada, Nº 100, 1500-650 Lisboa

 

Received / Recebido: 23/01/2019

Accepted / Aceite: 21/02/2019

 

Publicado / Published: 11 de Dezembro de 2019

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