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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.26 no.4 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.24950/rspmi/Revisao/75/19/4/2019 

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

Oxigenoterapiana Doença Avançada: Conhece a Evidência?

Oxygen Therapy in Advanced Disease: Do You Know the Evidence?

 

Luciana Frade1
https://orcid.org/0000-0003-4762-7081

Nuno Carreira2
https://orcid.org/0000-0001-6622-6182

Valentina Tosatto3
https://orcid.org/0000-0002-6456-3764

Sara Marote3
https://orcid.org/0000-0003-4706-2543

Isabel Galriça Neto4
https://orcid.org/0000-0001-8018-9912

1Serviço de Medicina Interna, Unidade Funcional III, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital São Francisco Xavier, Lisboa, Portugal

2Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal

3Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Lisboa, Portugal

4Directora da Unidade de Cuidados Paliativos, Hospital da Luz, Lisboa Portugal; Presidente da Competência de Medicina Paliativa da Ordem dos Médicos, Lisboa, Portugal

 

Resumo:

A dispneia é um dos sintomas que tem mais impacto tanto para o doente com doença avançada, como para o profissional de saúde com a responsabilidade de o acompanhar. Sem prejuízo de se dever aprofundar a evidência disponível sobre as indicações e eficácia da oxigenoterapia, é já vasta a informação que suporta a evidência de que o uso de oxigénio com intenção paliativa deve ser prescrito de forma criteriosa pois, à semelhança de qualquer outro tratamento, tem efeitos secundários associados e pode causar malefícios. O artigo que se apresenta é uma revisão bibliográfica das mais recentes matérias publicadas neste âmbito, com o objetivo de contribuir para melhorar a prática clínica no contexto do tratamento dos doentes em fim de vida.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Oxigenoterapia.

 

Abstract:

Dyspnoea is one of the most troublesome symptoms for both patients with advanced disease and healthcare professionals. We still have a long path to run across, but there is already plenty of information supporting that oxygen should be carefully prescribed in end of life since as any other treatment there are side effects related to it and in many situations there seems to be no additional benefit on prescribing this therapy. The present article constitutes a bibliographic review of published data on this matter, being the main goal of the authors to contribute to improve the treatment of end of life patients.

Keywords:Oxygen Inhalation Therapy; Palliative Care.

 

Introdução

A dispneia é definida como uma experiência complexa subjetiva de desconforto/dificuldade respiratória, caracterizada por sensações qualitativamente distintas e com diferentes graus de intensidade.1 Trata-se de um sintoma bastante frequente, não apenas no doente com patologia respiratória, mas também num vasto número de outras doenças (ex. insuficiência cardíaca, anemia etc.), sejam estas agudas e de abordagem simples, ou processos oncológicos e não-oncológicos em fase avançada. A dispneia é um dos sintomas mais frequentemente reportado por doentes com doença avançada e em fim de vida (65% dos doentes sofrem de dispneia nas semanas que precedem a morte2). De referir também que é um dos sintomas que mais compromete a qualidade de vida durante todo este processo.3 Importa clarificar que o doente com necessidade de cuidados paliativos, ou para simplificar, “doente paliativo”, é aquele que apresenta sofrimento decorrente de doença avançada e irreversível, não necessariamente no fim de vida, e que o período do fim de vida reporta-se ao período de pelo menos os últimos 12 meses de vida4 e não apenas aos últimos dias ou semanas.

A forma clínica como este sintoma se apresenta constitui, não apenas para o doente ou para familiares/cuidadores mas também para a maioria dos profissionais de saúde, uma grande fonte de preocupação e de stress perante a ideia de que poderá esta “falta de ar” culminar em morte, com elevado sofrimento para o doente. Assim, representa não apenas um importante elemento de ordem clínica, mas também um factor de complexidade psicossocial de grande peso na decisão terapêutica.

À semelhança dos outros sintomas, a dispneia requer numa abordagem inicial a identificação etiológica para prever tratamento curativo, se for o caso; no entanto, quando o agente causal não é reversível, e sempre nos referindo ao contexto de fim de vida e não a uma situação de fase aguda, o tratamento prossegue com vista ao indispensável alívio e controlo sintomático. O tratamento da dispneia na doença avançada tem ainda de forma culturalmente enraizada a necessidade do recurso imprescindível à oxigenoterapia. Esta é vista como uma terapêutica de primeira linha pela maioria dos doentes com este sintoma e também ainda por muitos profissionais de saúde, ainda que estudos como o Oxygen Trial tenham demonstrado que o doente dispneico com PaO2 normal não tem qualquer benefício nesta pratica quando comparados os resultados com o doente apenas sujeito ao ar ambiente.5 No entanto, é sabido que o oxigénio, à semelhança de todos os fármacos e tratamentos, transporta consigo benefícios naturalmente conhecidos, mas também riscos temerários que deverão ser tidos em conta para uma correcta decisão risco-benefício-eficácia-custo. É imperativo determinar se é apropriado o uso do chamado “oxigénio paliativo” pois a oxigenoterapia tem indicações específicas e está longe de ser uma medida de conforto inócua. Desta forma, baseando-se numa revisão narrativa da principal bibliografia publicada entre os anos 2006-2018 (keywords: breathleness; oxygen guidelines, oxygen in palliative care; oxygen at the end of life; refractory dyspnea) e também na sua experiência clínica – com comentários daí decorrentes ao longo de todo o texto -, os autores apresentam este artigo, que interroga se haverá na base desta atitude quotidiana uma evidência científica adequada e que também pretende recomendar as melhores práticas neste domínio.

 

Evidência e princípios da utilização de oxigénio na doença avançada

De sublinhar desde já que a investigação e as recomendações publicadas sobre este tema não recomendam a utilização de rotina de oxigénio no tratamento da falta de ar nos doentes em cuidados paliativos (recomendação nível 1+, grau B de evidência).6 O oxigénio constitui uma medida terapêutica em situações clínicas claras e assim a oxigenoterapia deve corresponder a uma prescrição, adequadamente administrada. Neste contexto, devemos em primeiro lugar definir dispneia e hipoxemia, conceitos frequentemente confundidos e que estão na base do recurso excessivo à oxigenoterapia, mas que se exige diferenciar na hora de tomar decisões terapêuticas nesta matéria. A dispneia – sensação subjectiva de falta de ar – é um dos sintomas mais angustiantes para doentes, familiares e profissionais de saúde. Bastante prevalente em cuidados paliativos (com prevalências entre os 21% - 70%, com 65% de prevalência nas últimas semanas de vida). Em doentes com cancro a prevalência oscila entre 10% - 70%7; em doentes com doença cardíaca oscila entre 60-88%; na doença pulmonar obstrutiva crónica entre 90% - 95%.6 Apresenta etiologia multifactorial, devendo ser alvo de uma abordagem individualizada, adequada a cada patologia e caso. A hipoxemia, por seu lado, constitui um sinal objectivo acerca da oxigenação dos tecidos. As definições são variáveis conforme autores: alguns autores definem valores < 94%, outros < 92% ou ainda < 90% em oximetria periférica. Concretamente, não existirá evidência de dano tecidual para valores de oximetria desde que os valores de oximetria estejam acima dos 90%. De uma forma geral, considera-se que um doente poderá estar em risco na presença de oximetrias periféricas abaixo dos 80%.8

A administração suplementar de oxigénio nas diversas interfaces disponíveis (cânulas nasais, máscara facial, máscara de alto débito), baseia-se no princípio de que o aumento do FiO2 irá aumentar a pressão alveolar de oxigénio e, consequentemente, permitirá um aumento da pressão arterial de oxigénio (PaO2), com uma melhor oxigenação tecidual. Contudo, dada a mecânica ventilatória depender tanto da eficiência ventilatória, como da perfusão alveolar, na existência de perturbações de circulação pulmonar, a administração suplementar de oxigénio poderá ter em alguns casos um papel limitado e até inútil.

A utilização primária apropriada de oxigenoterapia em doentes normoxémicos encontra-se limitada a um conjunto de patologias, nomeadamente na intoxicação por monóxido de carbono e cianeto, pneumotórax espontâneo, algumas complicações pós-operatórias e cefaleia em salvas.6

Existem, contudo, riscos da administração suplementar de oxigénio, nomeadamente o aparecimento de hipercápnia, vasoconstrição cerebral e coronária, produção de espécies reactivas de oxigénio com efeitos citotóxicos, atelectasia pulmonar, diminuição do débito cardíaco, aumento da resistência vascular periférica, desconforto e lesão da via aérea, para além dos inexoráveis custos – de conforto e económicos - associados a essa terapia.8

Segundo diversas orientações de referência, como a do National Clinical Guideline Centre- NICE (2015)9 a da British Thoracic Society Emergency Oxygen Guideline Development Group (2017)10 ou a da Thoracic Society of Australia and New Zealand (2015),11 a oxigenoterapia deve ser utilizada em doentes hipoxémicos seleccionados, e titulada conforme oximetrias periféricas, com valores-alvo diferentes consoante se trate de doentes com ou sem risco de desenvolver hipercapnia. Existe, pois, um leque de patologias agudas que justificam a utilização de oxigenoterapia, o mesmo tratando-se de patologias crónicas. Na existência de risco de hipercapnia (doença pulmonar obstrutiva crónica, doenças neuromusculares, cifoscoliose grave, possibilidade de overdose de opioides ou benzodiazepinas, cicatrizes clinicamente significativas de tuberculose, etc.), os valores alvo situam-se entre os 88% - 92%. Caso contrário, esse valor deverá balizar-se entre os 94% - 98%. Existem indicações formais, conforme as indicadas pelo Gippsland Region Palliative Care Consortium Clinical Practice Group, para oxigenoterapia em doente em fim de vida, e que estão sintetizadas na Tabela 1.

 

Tabela 2

 

Contudo, enquanto intervenção terapêutica, a oxigenoterapia não se encontra livre de efeitos adversos e riscos, designadamente ser um potencial promotor de ansiedade pela dependência do equipamento, cuja putativa falha pode ser um foco ansiogénico. Pode também provocar a secura de mucosas, com possíveis lesões na mucosa ocular, nasal e oral, trauma pelo contacto com o equipamento, incluindo lesões de pressão, ou desconforto pelo ruído associado, claustrofobia, tonturas, perda de independência e de mobilidade, com acréscimo do risco de isolamento social e também risco de incêndio acrescido.6

No que concerne à oxigenoterapia no doente paliativo, ao longo dos anos foi colocada a hipótese da oxigenoterapia ter um efeito benéfico na abordagem do doente com dispneia. A sua administração sistemática para esta tipologia de doentes baseou-se na intuição pessoal de que poderia ser benéfico e numa certa crença de que, em face de quadros tão ameaçadores, teria um poder quase miraculoso. Uma meta-análise levada a cabo por Uronis, Currow et al (2008),8 incluiu 134 doentes paliativos e não demonstrou benefício no uso de oxigénio para o alívio da dispneia em doentes ligeiramente hipoxémicos ou normoxémicos. Vários outros estudos, incluindo um estudo observacional com 114 doentes, conduzido por Campbell et al, 2013,13 que não revelou benefício na utilização de oxigénio nesta tipologia de doentes, corroboraram não haver diferença entre a administração de oxigénio ou de ar medicinal para o alívio sintomático quando PaO2>55 mmHg, não havendo, portanto, benefício de oxigenoterapia neste contexto. A eventual melhoria sintomática será devida ao contacto da face com ar fresco, com estimulação do nervo trigémeo/vagal e diminuição da dispneia.13 Adicionalmente, reconhecendo o ar medicinal como uma intervenção terapêutica e não um placebo, foi comparada a sua utilização ao uso de oxigénio, não se tendo evidenciado benefício deste último, evidenciando que os aparentes benefícios se encontram associados ao contacto facial com ar fresco.11 Outra questão prende-se com a relação entre a hipoxemia e a sensação de dispneia. Concretamente, não existe uma relação clara entre ambas as entidades no doente paliativo, já que várias causas de dispneia não cursam com hipoxemia e a reversão da hipoxemia em doentes paliativos pode não cursar com melhoria da dispneia. O nível de dispneia relaciona-se fracamente com a saturação periférica (nível de evidência 2+).6 Nesta população, é sobretudo a sensação de dificuldade respiratória e a evidência da mesma pela presença do esforço inspiratório que deve ser valorizada, uma vez que pode existir dispneia sem hipoxemia.

Existe, efectivamente, evidência forte na utilização de opioides - nomeadamente, morfina - e de intervenções terapêuticas não farmacológicas, em detrimento da utilização da oxigenoterapia, principalmente em doentes normoxémicos nível de evidência 2+.6,14,15 Para além disso, existe evidência contraditória sobre a utilização de oxigenoterapia em doentes hipoxémicos. Assim, conclui-se que a utilização de oxigenoterapia em doentes paliativos deve ser reservada para doentes com SpO2 persistentemente < 90% (após identificação e intervenção terapêutica optimizada nas várias possíveis causas) ou para doentes com referência a melhoria significativa da dispneia após curso de oxigenoterapia. Em doentes não hipoxémicos, as intervenções não farmacológicas e fármacos opioides devem ser preferidos e tentados em primeiro lugar, simultaneamente. A oxigenoterapia não deverá ser continuada na ausência de benefício clínico ou quando existem desvantagens (por exemplo, desconforto marcado com máscaras ou cânulas nasais, secura de mucosas) que suplantem os benefícios. Quando todas as outras estratégias foram optimizadas, poderá ser equacionado um teste terapêutico para doentes não-hipoxémicos, com uma duração recomendada de 72 horas, com adequada e sistemática reavaliação clínica (nível 1+). Na ausência de benefício, essa prova terapêutica deve ser suspensa.6

De um modo geral, a monitorização continuada de oximetrias ou determinação de PaO2, gasimetricamente, não deverá ser realizada, quando os cuidados se encontram focados no controlo sintomático e no conforto, nomeadamente na fase de últimos dias de vida. Na existência de conforto e adequado controlo sintomático por parte do doente paliativo, os níveis de oxigénio que ocorrem são irrelevantes e não devem desempenhar qualquer papel na tipologia ou nível de cuidados prestados. (grau D de evidência6). Nas últimas horas a dias de vida a decisão de continuar ou terminar oxigenoterapia deve ser feita de forma individualizada e discutida com o doente/pessoas significativas.

 

Tratamento global da dispneia

A abordagem do doente com dispneia em cuidados paliativos deve começar pela identificação da causa da dispneia e pelo seu tratamento. Se a causa da dispneia é reversível, a terapêutica deve ser dirigida à causa, mas devem sempre ser ponderadas simultaneamente intervenções que visem o alívio sintomático. Se a causa é irreversível e/ou a terapêutica dirigida está otimizada sem alívio da dispneia, o alívio sintomático torna-se o objetivo prioritário da terapêutica,4 sendo aconselhado a remoção da quantificação da saturação por oximetria.16

O tratamento farmacológico preferencial para alívio da dispneia é a administração sistémica (oral ou parentérica) de uma baixa dose de opioides (nível I de evidencia).3,17 Sugerimos o início de um opioide em dose equivalente a 10 mg/dia de morfina oral, com recurso inicial a bólus (6/6 horas ou 4/4 horas) e depois titulação progressiva, com incrementos de 30%-50% da dose prévia e sob monitorização entre diária e semanalmente, considerando o benefício versus efeitos adversos. Nos casos mais graves, e após titulação, poderá estar indicado o recurso a uma perfusão contínua de morfina em internamento e sob monitorização.

O tratamento com oxigénio está indicado apenas para doentes com dispneia moderada a severa e hipoxemia documentada, e mesmo nesses doentes, deve haver uma reavaliação do benefício da terapêutica num prazo máximo de 3 dias,18 que deverá ser suspenso se o paciente não referir melhoria após alguns dias. O recurso aos anticolinérgicos como a butilescopolamina, atropina, hiosciamina e o glicopirrolato, são opções para reduzir as secreções excessivas associadas a alguns quadros de dispneia.19 As benzodiazepinas podem ser úteis no tratamento da ansiedade,19 mas já no que toca às nebulizações com soluções salinas e a furosemida inalada, não há evidência que suporte o seu uso no tratamento da dispneia.3 De referir ainda que nos doentes com sobrecarga hídrica, a fluidoterapia entérica e parentérica devem ser reduzidas ou mesmo descontinuadas e, pode estar indicada a administração de diuréticos em baixa dose,19 em bólus ou perfusão contínua. Em doentes com derrame pleural ou linfangiose carcinomatosa, os corticoides – a dexametasona é a mais potente e com menores efeitos mineralocortioides – podem também contribuir para a obtenção de melhoria sintomática.

O tratamento de sintomas coexistentes como a dor e a ansiedade, que de alguma forma possam agravar a dispneia, também faz parte da abordagem terapêutica desse sintoma.17

O tratamento não farmacológico da dispneia inclui estratégias que promovam o movimento do ar como o uso de ventoinhas ou ar condicionado.3

Nos doentes paliativos com sobrevida esperada de meses a anos e, especialmente naqueles com doença pulmonar obstrutiva crónica, está recomendada a realização de reabilitação pulmonar (nível I de evidência).3,17 A ventilação mecânica não invasiva (VNI) não corresponde a uma medida de primeira linha nestes casos, ainda que não possa ser excluída em casos selecionados. Pode estar indicada em casos de doença grave irreversível, devidamente avaliados e com ponderação do custo benefício para o doente, se este tolerar e se com isso se promover o alívio sintomático.17 Em casos selecionados com bom estado geral associado e prognóstico superior a 6 meses e com o devido consentimento informado do paciente, podem estar indicados procedimentos invasivos como a desobstrução das vias aéreas por técnicas endobrônquicas e a drenagem de derrame pericárdico ou pleural ou de líquido ascítico. Adicionalmente, todos os doentes com dispneia, assim como os seus familiares, devem receber apoio psicossocial, emocional e educacional.19

Quanto às novas formas de oxigenoterapia, como o caso da de alto fluxo por cânulas nasais para casos de hipoxemia severa, que já se utiliza sob indicações precisas desde 2013, convém dizer que também não é medida de primeira linha em doentes em fim de vida nem existe evidência que possa representar uma mais-valia sobre os opioides e os ansiolíticos. Pode ter limitações nesta população, nomeadamente em ambiente domiciliário, e está reservada para casos selecionados, com a devida ponderação dos benefícios e custos para o doente.20

 

Resumo das recomendações práticas sobre oxigenoterapia

A dispneia é uma experiência altamente subjetiva, condicionada por inúmeras componentes fisiológicas, psicológicas e emocionais, mas muito ameaçadora. Como tal, é difícil avaliar objetivamente a evolução da mesma em resposta à eficácia da oxigenoterapia em si. Os tratamentos paliativos pretendem fornecer alívio sintomático da dispneia em situações avançadas e irreversíveis, independentemente da patologia de base e do prognóstico da situação clínica. Quando o objetivo é o alívio sintomático já nos últimos dias de vida, a monitorização da saturação ou da pressão parcial de oxigénio arterial não tem qualquer papel e, perante a necessidade de obter um rigoroso conforto sintomático do doente, a medição dos níveis de oxigénio resulta irrelevante e desadequada.10

Apesar disto, a oxigenoterapia designada como “paliativa” ou dita “medida de conforto” continua muitas vezes a ser erradamente utilizada nos doentes com patologia avançada e irreversível para tratamento da dispneia, como primeira opção terapêutica e como parte dum tratamento estandardizado, independentemente dos níveis arteriais de oxigénio e, mais importante, do alívio sintomático da dispneia que a mesma pode proporcionar. Dentro das razões que induzem à utilização indiscriminada da oxigenoterapia paliativa podemos encontrar frequentemente a necessidade de poder acalmar a angústia e a ansiedade do doente, da sua família e mesmo o conforto emocional da equipa assistencial em poder fazer “qualquer coisa” para o tratamento, às vezes num cenário de impotência.21 No imaginário coletivo, o oxigénio parece ter também um papel simbólico de salva-vida, podendo criar uma dependência psicológica.6 Ao mesmo tempo pode constituir um forte placebo para o doente ou ser considerado uma panaceia para o tratamento de qualquer doente com dispneia.

Todavia, nos doentes paliativos não hipoxémicos a utilização de oxigénio diário não acresce benefício em comparação com o ar ambiente por cânulas nasais para o tratamento da dispneia refrataria.22 Além disso, a oxigenoterapia paliativa não é tão eficaz como os opioides no controlo sintomático da dispneia na doença avançada e irreversível e, por isso, deve ser utilizada só depois de ter explorado as outras opções terapêuticas, farmacológicas e não farmacológicas.12

Na prática clínica com doentes em fase de últimas semanas/dias de vida, continuamos a observar um recurso abusivo à realização de culturas e à antibioterapia de largo espectro, em detrimento das medidas terapêuticas já mencionadas – nomeadamente os opioides ou a corticoterapia sistémica - e com prejuízo do controlo sintomático. Ao mesmo tempo, e na população de doentes em fim de vida, há um recurso desadequado e excessivo à oxigenoterapia de alto débito, sem a correspondente reversão do descontrolo sintomático.

Em resumo, à luz das principais recomendações e da nossa prática clínica com milhares de doentes acompanhados nos últimos 12 anos, perante um doente paliativo com dispneia, torna-se fundamental:

Estabelecer e tratar as eventuais causas reversíveis. Aplicar medidas farmacológicas e não farmacológicas para garantir o alívio sintomático, sem recorrer sempre a priori à oxigenoterapia, como referido nas NICE Guidelines, 20159 limitar a oxigenoterapia paliativa aos doentes com saturação de oxigénio periférica consistentemente < 90% ou aos doentes que apresentam alívio significativo da dispneia com o oxigénio. Nos doentes não hipoxémicos, os opioides e as outras medidas não farmacológicas devem ser tentadas antes da oxigenoterapia.10 Atender a que, apesar das evidências, o plano terapêutico seja ponderado e individualizado: por isso, mesmo na ausência de hipoxemia e apos a otimização das outras medidas terapêuticas, pode ser realizada uma prova terapêutica com oxigenoterapia, informando o doente dos eventuais riscos e benefícios e avaliando a eficácia após 72 horas para se aferir da justificação da continuação da mesma. Reter que os dados publicados sugerem ainda que o recurso à oxigenoterapia nos cuidados paliativos é fonte de dúvidas nas decisões dos profissionais de saúde, com um elevado custo emocional associado.23

 

REFERÊNCIAS

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Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence / Correspondência:

Luciana Frade – luciana.frade@live.com

Serviço de Medicina Interna, Unidade Funcional III, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital São Francisco Xavier, Lisboa, Portugal

Estrada do Forte do Alto do Duque, 1449-005 Lisboa

 

Received / Recebido: 15/04/2019

Accepted / Aceite: 02/09/2019

 

Publicado / Published: 11 de Dezembro de 2019

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