SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 suppl.1Thank You!Hospitalization in Times of Pandemic: Indications and Effects of Care Models of Variable Geometry author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/COVID19/M.L.Brazao/HCF/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

A Medicina Interna e a Pandemia COVID-19 em Portugal

Internal Medicine and the COVID-19 Pandemic in Portugal

 

Maria da Luz Brazão1
https://orcid.org/0000-0002-2584-1573

Sofia Nóbrega2
http://orcid.org/0000-0003-3433-3105

 

1Assistente Hospitalar Graduada em Medicina Interna, Serviço de Medicina Interna, Hospital Central do Funchal, Funchal, Portugal

2Assistente Hospitalar em Medicina Interna, Serviço de Medicina Interna, Hospital Central do Funchal, Funchal, Portugal

 

Palavras-chave: Coronavírus; Pandemia

Keywords: Coronavirus; Pandemics

 

As pandemias, ao envolverem fatores económicos, sociais e de saúde, constituem uma séria ameaça à saúde pública e um desafio global, exigindo à população mundial o cumprimento de recomendações/normas, que são dinâmicas e evolutivas, no sentido de minimizar o risco de infeção e a propagação do vírus. Em cada país, é de vital importância a sintonia na ação entre políticos, gestores e as chefias de saúde, no sentido da elaboração de um plano estratégico robusto com o objectivo de uma adequada prestação de cuidados aos utentes1.

A pandemia por COVID-19 motivou a tomada de medidas urgentes que mudaram de forma dramática o nosso quotidiano. Nos EUA assiste-se ao conflito entre a necessidade de intervenções urgentes mais restritivas pelo crescente número de casos e de mortes, e a resistência por parte da população devido à interferência das mesmas na liberdade civil2. A experiência noutros países como Espanha e Itália, mostra que as medidas de confinamento como o isolamento social, tiveram um efeito benéfico, com redução do número de casos diários, mortes e de internamentos em Unidades de Cuidados Intensivos.3

Apesar de serem imperativas as medidas de confinamento, não podemos esquecer que a redução das mesmas, tem de ser feita de forma gradual e faseada, colocando-se aqui a necessidade da realização de testes em massa e avaliação da imunidade da população aquando do regresso à vida ativa. Apesar de necessária, esta abordagem acarreta um número de testes e de equipamentos de protecção individual (EPI) que ultrapassa a capacidade de alguns países, além de haver sem-pre o risco de infeção pela presença de falsos negativos ou de aquisição de infeção a posteriori2.

A doença COVID-19 fez com que os sistemas de saúde se vissem confrontados com um ambiente volátil, incerto (uncertainty), complexo e ambíguo, já descrito pelo exército americano com o acrónimo VUCA. Este ambiente criou desafios na forma de agir, organizar, reestruturar e garantir a segurança em tempos de crise. É fundamental a colaboração de todos e um trabalho de coordenação diário.

Há autores que defendem o suporte em 5 pilares fundamentais4:

- Colocar as pessoas em primeiro lugar, assegurando o bem-estar físico e emocional dos profissionais de saúde, que também têm medos e frustrações;

 

- Criar soluções criativas, tão necessárias numa altura em que o panorama geral vai mudando diariamente e há que saber dar resposta aos problemas que vão surgindo, desde a falta de equipamento, ao número crescente de doentes COVID-19 positivos e que passa pela otimização dos circuitos com triagem por telemedicina, e realização de rastreios drive-through;

 

- Apostar no trabalho em equipa e na comunicação, fun-damentais em tempo de crise em que se torna imperativo a rotação de papéis, o alocar de recursos onde eles são necessários e pela necessidade de criar um ambiente de partilha, entreajuda, de aprendizagem e de adaptação constante;

 

- Criar parcerias, porque nenhuma organização consegue de forma isolada lidar com uma pandemia e com todas as suas implicações em termos sociais, demográficos e económicos e é preciso uma resposta conjunta para tentar manter algum equilíbrio;

 

- Adotar uma liderança clara e humilde, pois nas alturas de crise é necessário um líder que defina objetivos, dê orientação e confiança, através de mensagens e ações precisas, transparentes e atempadas.4

 

Mas a pandemia que enfrentamos, levantou-nos outros desafios nunca antes experimentados, confrontando-nos com a necessidade de planeamento proactivo na abordagem de doentes frágeis, com comorbilidades e com a inevitabilidade de lidar com os problemas na comunicação. É o caso de doentes em fim de vida ou com evolução clínica desfavorável, num panorama em que as visitas e os contatos são restritos.5 Outra questão é a sensação de perda da conexão médico-doente, a sensação de impotência perante os medos dos doentes, de colegas e das nossas próprias incertezas e dos receios com a nossa própria segurança.6

É importante discutir estes aspetos em equipa e tentar sempre que possível que as decisões sejam partilhadas. A informação, a comunicação e a empatia são fundamentais. O desafio é encontrarmos humanidade e bondade no meio deste período de trauma e sofrimento.

Em toda esta temática, a Medicina Interna e os Internistas são de fulcral importância na gestão e abordagem desta pandemia em Portugal. Pela sua transversalidade, multidisciplinaridade e capacidade de liderança, os Internistas são os especialistas ideais para dar resposta adequada nas crises.

 

Integrando os gabinetes de crise.

Em cada hospital na linha de comando e em sintonia com o Conselho de Administração deve estar um Internista com capacidade de liderança, conhecimento clínico e técnico, conhecimento profundo da instituição, capacidade de diálogo com as diferentes áreas do hospital e disponibilidade a 100%. Este líder centraliza toda a informação da evolução da situação clínica/logística, estabelece comunicação e contacto permanente com os coordenadores das várias áreas assistenciais de gestão da COVID-19, realiza briefings diários com todos os coordenadores que estão na linha da frente assistencial, incorporando o seu feedback na revisão e atualização do plano de resposta.

 

Na reorganização hospitalar nomeadamente:

Na construção/delineação de circuitos e fluxos de doentes. Este tem sido um dos maiores desafios nesta pandemia pois, adaptar hospitais que distam mais de 50 anos da sua construção, alguns de polo único e sem obras de reparação, não é tarefa fácil.

O objetivo é:

 

- Assegurar a separação dos circuitos e fluxos da urgência geral “tradicional”, criar uma pré triagem para doentes respiratórios e não respiratórios e aplicar protocolos de triagem por gravidade de doentes na urgência COVID-19.

 

- Criar espaços independentes tipo “tendas” dedicadas aos rastreios de sintomas pouco graves (verdes e azuis respiratórios).

 

- Criar áreas específicas para todos os doentes com sintomas respiratórios à parte dos restantes e de entre estes, distinguir aqueles com critérios de doente suspeito de COVID-19 dos restantes com queixas respiratórias.

 

- Criar uma área tampão entre o Serviço de Urgência (SU) e o internamento onde ficam os doentes com critérios de internamento, mas ainda à espera do resultado do teste SARS-CoV-2 (demoram cerca de 4-5 horas).

 

- Assegurar que os circuitos até ao internamento convencional e dedicado à COVID-19, estão completamente separados.

 

Na elaboração de protocolos que se pretendem dinâmicos e adaptados às evidências que vão surgindo em ensaios clínicos, de abordagem clínica, critérios de internamento e alta e terapêuticos.

 

Na organização e gestão da urgência e do internamento.

A pandemia veio modificar a gestão do SU e do internamento como um todo. De facto, este processo deve ser entendido como dinâmico, evolutivo com adaptação imediata ao aumento da procura, antecipando a cada dia a necessidade de alargar espaços, aumentar número de camas, recrutar mais profissionais, aumentar os stocks, etc.

 

Os Internistas integram e chefiam as equipas de urgência externa e interna.

Todas as caraterísticas de uma boa liderança em urgência devem ser cumpridas na íntegra quer nas equipas COVID quer nas não COVID (tradicionais):

- A segurança dos profissionais deve ser uma prioridade. Todos devem cumprir integralmente as recomendações da Direção Geral de Saúde (DGS) no que concerne aos EPI.

- Adaptar os horários à carga de trabalho, garantindo os períodos de descanso, antecipando a necessidade de recrutar mais profissionais no sentido de evitar stress desnecessário, desgaste físico e emocional na equipa.

- Motivar, dar feedback, manter uma boa comunicação, distribuindo tarefas, transmitindo a todos o que se espera de cada um e partilhando com a equipa as mudanças necessárias.

 

Mas os Internistas também integram as equipas de internamento COVID e não COVID, as equipas de Unidades de Cuidados Intermédios médicos e alguns são chamados a integrar as equipas de Unidades de Cuidados intensivos (de salientar a importância da formação transversal do Internista que tem no seu curriculum formação em Medicina Intensiva, o que tem sido uma mais valia nesta pandemia e não se verifica na nossa vizinha Espanha nem em Itália).

Na gestão de todos os outros doentes “não COVID” através da manutenção de consultas não presenciais (teleconsulta) e da atividade de hospital de dia no sentido de gerir a doença e evitar as descompensações.

Em tempos incertos como este, em que a interpretação da informação disponível e as mudanças nas mensagens de saúde pública são uma constante, muitas populações vulneráveis podem ser ainda mais marginalizadas pela comunicação inadequada em saúde, o que acaba por levar a mais confusão e inação pública, acarretando riscos substanciais para si e toda a comunidade.1

Um desafio que se tem colocado aos Internistas nesta pandemia é o resultado do medo que se instalou na população, especialmente nos doentes idosos com comorbilidades e doenças crónicas em recorrerem ao hospital, acabando por fazê-lo apenas em fases já muito avançadas e descompensadas da sua doença. É importante investir na literacia em saúde e urgente fazer sentir a estes doentes que podem recorrer ao SU com segurança.1

A este propósito, um estudo americano concluiu também que muitos adultos com comorbilidades não tinham o conhecimento necessário sobre a COVID-19 e, apesar de preocupados, não estavam mudando rotinas ou planos. As disparidades observadas sugerem que podem ser necessários maiores esforços de saúde pública para mobilizar as comunidades mais vulneráveis.1

Nesta pandemia tem ficado claro que para darem resposta a todas estas tarefas/solicitações o número de Internistas em Portugal está muito aquém do número ideal. Assiste-se por vezes a alguma surpresa por parte das Administrações Hospitalares relativamente a este facto.

Terminamos, salientando dois pontos necessários para o sucesso da abordagem a esta pandemia:

- A colaboração de todos é fundamental. Precisamos estar juntos e funcionar em equipa, pelo que é importante a participação das outras especialidades que não apenas a Medicina Interna, Infeciologia e Pneumologia no apoio ao internamento, integrando equipas de urgência interna e externa e dando resposta mais rápida aos exames complementares de diagnóstico e terapêutica, permitindo assim maior rotação de doentes. É urgente agilizar a burocracia dos processos.

- Na pandemia por COVID-19, a comunicação adequada e a tomada de decisão são um desafio contínuo, uma vez que a informação é dinâmica. Torna-se importante gerir toda a avalanche de informação que surge num curto espaço de tempo, alguma dela de origem duvidosa e sem evidência. É necessário centralizar e validar toda esta informação e depois transmiti-la a quem está na linha da frente.7 Para este papel podem ser chamados a colaborar os médicos que estão de quarentena, em isolamento obrigatório, a gozar licença de maternidade e paternidade, o que seria uma mais-valia para todos nós.

 

REFERÊNCIAS

1.Wolf MS, Serper M, Opsasnick L, O'Conor RM, Curtis LM, Benavente JY, et al. Awareness, Attitudes, and Actions Related to COVID-19 Among Adults With Chronic Conditions at the Onset of the U.S. Outbreak: A Cross-sectio-nal Survey. Ann Intern Med. 2020 (in press). doi: 10.7326/M20-1239.         [ Links ]

2.Studdert DM, Hall MA. Disease Control, civil liberties, and mass testing - calibrating restrictions during the COVID-19 pandemic. N Engl J Med. 2020 (in press). doi: 10.1056/NEJMp2007637.         [ Links ]

3.Tobías A. Evaluation of the lockdowns for the SARS-CoV-2 epidemic in Italy and Spain after one month follow up. Sci Total Environ. 2020;725:138539. doi: 10.1016/j.scitotenv.2020.138539.         [ Links ]

4.Nembhard IM, Burns LR, Shortell SM. Responding to Covid-19: Lessons from Management Research. N Engl J Med. 2020 (in press).         [ Links ]

5.Back A, Tulsky JA, Arnold RM. Communication Skills in the Age of COVID-19. Ann Intern Med. 2020 (in press). doi: 10.7326/M20-1376.         [ Links ]

6.Cunningham C. COVID-19: The Worst Days of Our Careers. Ann Intern Med. 2020 (in press). doi: 10.7326/M20-1715.         [ Links ]

7.Loannidis J. Coronavirus disease 2019: The harms of exagerated informa-tion and no- evidence-based measures. Eur J Clin Invest. 2020;50:e13222. doi: 10.1111/eci.13222.         [ Links ]

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer re-viewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/Correspondência:

Maria da Luz Brazão - mlbrazao@hotmail.com

Serviço de Medicina Interna, Hospital Central do Funchal, Av. Luís de Camões 6180, 9000-177 Funchal

 

Received/Recebido: 20/04/2020

Accepted/Aceite: 23/04/2020

 

Publicado / Published: 4 de Maio de 2020

 

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License