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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/COVID19/S.Cunha/CHUC/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

 

A Resposta do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra à Pandemia de COVID-19

The Response of the Infectious Diseases Service of the Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra to the COVID-19 Pandemic

 

Saraiva da Cunha
https://orcid.org/orcid.org/0000-0002-3996-2384

Diretor do Serviço de Doenças Infeciosas, Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal

Professor Catedrático da Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

 

Resumo:

Procedeu-se a uma descrição sumária de todos os procedimentos e intervenções que foram necessários para preparar a resposta do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra à pandemia de COVID-19, na fase de contenção. A estrutura física do Serviço foi totalmente reajustada e as equipas tiveram de alterar profundamente os seus processos.

Atualmente, em fase de mitigação, a resposta do nosso Centro Hospitalar foi centralizada no Hospital Geral, que é um hospital dedicado aos doentes COVID-19.

 

Palavras-chave: Coronavírus; Pandemia; Serviços Hospitalares.

 

Abstract:

A summary description of all actions and interventions that were necessary to prepare the response of the Infectious Diseases Service of the Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra to the COVID-19 pandemic, in the containment phase, was carried out. The physical structure of the Service was completely readjusted, and the teams had to change their procedures profoundly.

Currently, in the mitigation phase, the response of our Hospital was centralized at the Hospital Geral, which is a hospital dedicated to COVID-19 patients.

 

Keywords: Coronavirus; Hospital Departments; Pandemics.

 

A doença provocada por um novo Betacoronavírus designado SARS-CoV-2, conhecida abreviadamente na terminologia anglo-saxónica como COVID-19, surgiu na cidade de Wuhan, na China, no final do mês de Dezembro de 2019.1 A sua rápida dispersão levou a Organização Mundial da Saúde a declarar o estado de pandemia no dia 11 de Março de 2020, quando já se contabilizavam mais de 12 5000 casos.2 Em Portugal, os dois primeiros casos confirmados da COVID-19 foram notificados pela Direção Geral da Saúde (DGS) no dia 2 de Março de 2020. No dia 26 de Abril de 2020 estavam confirmados 23 864 casos e tinham-se registado 903 óbitos, havendo 236 410 casos suspeitos.3

Os diferentes sistemas de saúde dos países mais fortemente atingidos pela pandemia foram confrontados com a necessidade de resposta à crescente avalanche de doentes, tendo muitos pura e simplesmente colapsado.

Em Portugal a organização da resposta nacional à pan-demia esteve a cargo do Ministério da Saúde, através da ação direta da DGS. Foi elaborado um plano nacional de contingência,4 que numa primeira fase se destinou a suster a epidemia (fase de contenção). Nesta fase, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) entrou na primeira linha dos hospitais de referência para doentes pediátricos (em 27 de Fevereiro de 2020) e na segunda linha para doentes adultos (na segunda semana de Março). Foi também crucial para a capacidade de resposta do CHUC a entrada em laboração no dia 3 de Março de 2020 de um Laboratório de Virologia, integrado na rede nacional de diagnóstico laboratorial, que permitiu a realização dos testes de biologia molecular para deteção de SARS-CoV-2.

Para organizar a resposta hospitalar no CHUC o Conselho de Administração nomeou, em reunião realizada no dia 27 de Fevereiro de 2020, uma “estrutura de coordenação e acompanhamento da COVID-19”, constituída por um “grupo coordenador” e por um “grupo de acompanhamento”, ambos presididos pelo Presidente do Conselho de Administração. Foi num curto espaço de tempo elaborado o plano de contingência do CHUC, estruturado em sucessivas fases de resposta, consoante se antecipava a evolução da pandemia. Na primeira etapa, coincidindo com a fase de contenção definida pela DGS, o Serviço de Doenças Infeciosas ficou responsável pela organização da resposta hospitalar do CHUC para doentes adultos (mais de 18 anos).

 

Preparação do Serviço

O Serviço de Doenças infeciosas do CHUC, em período de atividade normal, é composto por um sector de internamento com 29 camas (5 são quartos de pressão negativa), o hospital de Dia, e uma área de ambulatório que contempla diferentes consultas (geral, imunodeficiência, profilaxia pré-exposição VIH (PreP), medicina do viajante e de rastreio e prevenção da infeção em doentes imunodeprimidos).

Com a entrada do CHUC, por indicação da DGS, na se-gunda fase dos Hospitais de referência para receber doentes com suspeita/confirmados de COVID-19, foi necessário adaptar e transformar, profundamente, toda a estrutura física do Serviço.

 

1. Sector de Internamento

Inicialmente, recebíamos por uma entrada dedicada com acesso direto aos 5 quartos de isolamento (que tinham sido previamente libertados através da transferência dos doentes internados para outros Serviços/Hospitais com capacidade de isolamento) do sector de internamento, todos os casos suspeitos que acorriam diretamente ao CHUC ou vinham referenciados do exterior. Os quartos eram usados para a realização das colheitas das zaragatoas para os testes de biologia molecular para diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2 e os doentes aguardavam no respetivo quarto o resultado do teste. Assim, libertou-se o Serviço de Urgência da pressão inicial exercida pela afluência destes doentes.

Rapidamente esta solução se esgotou, havendo necessidade de ocupar todo o sector de internamento, adotando um isolamento por coortes, que obrigou à transferência/alta de todos os doentes que ali permaneciam. Os que não tinham condições para alta foram transferidos para a enfermaria do Serviço de Dermatologia, onde ainda mantemos um sector de internamento com 12 camas, apenas para casos mais complicados, nomeadamente de infeção por VIH. Com a ocupação de toda a enfermaria por doentes suspeitos/confirmados de COVID-19, foi decidido libertar este espaço de toda a atividade que não fosse a estritamente assistencial.

Foi deslocalizada para o sector de ambulatório toda a atividade dos profissionais de saúde que não envolvesse o cuidar direto dos doentes, o que exigiu uma profunda (e nunca antes efetuada) reorganização do Serviço. Os diversos gabinetes existentes no sector de internamento, dos médicos, do Sr. Enfermeiro Chefe, da Secretária Clínica, o refeitório, as copas e a sala de convívio foram encerrados. Todas as entradas para o sector de internamento do Serviço foram fechadas, ficando apenas em funcionamento uma entrada dedicada cuja inviolabilidade é garantida pela presença constante de um elemento da equipa de segurança do CHUC. Com esta medida pretendeu-se blindar qualquer possibilidade de intromissão indevida na área de internamento, preservando o restante ambiente hospitalar.

Foram definidos locais próprios para colocação e retirada dos equipamentos de proteção individual (EPI), bem como circuitos para os alimentos, os medicamentos, os lixos e os ma-teriais de consumo clínico.

Toda a enfermaria foi delimitada com marcas bem visíveis, separando áreas limpas de zonas sujas, o que permitiu um circuito mais simples e seguro dos profissionais. A capacidade da enfermaria foi reduzida de 29 para 22 camas, com a eliminação de uma cama em cada sala de três camas, para permitir o necessário distanciamento numa política de isolamento por coortes. Os 5 quartos de isolamento eram prioritariamente ocupados por doentes mais graves (em que se antecipava a eventual necessidade de entubação) ou por mulheres grávidas em período não expulsivo (ficou definido no plano de contingência que seriam aqui internadas).

 

2. Sector de Ambulatório

Tal como o sector de internamento, também o de ambulatório foi profundamente atingido pela necessária reorganização do Serviço para dar resposta à pandemia. As áreas do Serviço onde ainda estavam localizados gabinetes de elementos das estruturas dirigentes das Unidades de Gestão Intermédia (UGI) foram libertadas. Estes, bem como os locais em que funcionavam as consultas de infeciologia geral, de medicina do viajante e de rastreio e prevenção da infeção em imunodeprimidos foram ocupados pelos profissionais de saúde que foram retirados do sector de internamento.

As consultas de medicina do viajante e de rastreio e prevenção da infeção em imunodeprimidos foram suspensas. A consulta de infeciologia geral foi transferida para o hospital de dia, onde se manteve em funcionamento a consulta de imunodeficiência (para doentes infetados por VIH) e de PreP.

As consultas presenciais foram sempre que possível suspensas e adotou-se o modelo de teleconsulta. Apenas se aceitavam primeiras consultas com evidente critério de prioridade.

A atividade do hospital de dia foi reduzida ao inadiável, e a Sra. Enfermeira que ali exerce atividade dedicou-se ao aconselhamento e resposta a questões levantadas pelos doentes, maioritariamente provenientes da consulta de imunodeficiência, de preferência por via telefónica.

 

Reorganização das Equipas

A atividade desenvolvida pela equipa de enfermagem, assistentes técnicos e assistentes operacionais, embora com nova e redobrada exigência em virtude das medidas de controlo de infeção indispensáveis, não sofreu uma alteração tão profunda como a registada entre a equipa médica (Fig. 1).

Foram suspensas todas as férias e licenças sem perda de remuneração e os estágios dos internos de doenças infeciosas já programados para realizar fora do nosso Serviço foram provisoriamente cancelados.

Os médicos internos de outras especialidades que estagiavam no Serviço foram alocados ao sector da enfermaria localizado no Serviço de Dermatologia, evitando contactos com doentes COVID-19.

Os médicos do Serviço que desenvolviam atividade no sector de internamento, organizados em 4 sectores, mantiveram os cuidados de saúde aos doentes COVID-19 e ainda aos doentes internados no Serviço de Dermatologia, em regime de rotatividade semanal das camas de que eram responsáveis (por vontade livremente expressa dos interessados).

Foram definidas regras simples de prestação de cuidados médicos aos doentes COVID-19, de que destaco as seguintes:

a) Elaboração de protocolos de atuação;

b)Informação e treino dos profissionais na utilização rigorosa e criteriosa do EPI;

c)Entradas limitadas na área de internamento dos doentes preferencialmente para desempenho de multitarefas;

d)Prestação de cuidados de saúde por médicos com idade superior a 60 anos só quando absolutamente justificado, medida que posteriormente se verificou ser indispensável5;

e) Regime de teletrabalho em regime de rotatividade, sempre que possível, com o intuito de manter uma reserva estratégica de médicos aptos a substituir os que eventualmente se infetem.

Instituiu-se uma escala de urgência COVID-19 especificamente dedicada a dar resposta aos doentes que afluíam ao Serviço de Urgência com sintomatologia respiratória e que eram encaminhados para uma área exclusiva. A escala era assegurada em permanência por dois médicos, quase sempre infeciologistas, com a colaboração pontual de internistas e pneumologistas.

Foi também instituído o rastreio aleatório de infeção por SARS-CoV-2 entre os profissionais de saúde, priorizando os que têm contacto direto com os doentes, através da realização periódica de testes de biologia molecular, procedimento que se tem vindo a generalizar.6 Está em preparação o rastreio serológico de todos os profissionais para percebermos a intensidade de transmissão e, embora com todas as dúvidas que sobre este assunto persistem, aferir o seu estado imunitário face a este vírus.

 

Situação Atual e Perspetivas Futuras

Com a passagem à fase de mitigação da pandemia, que ocorreu no final do mês de Março, o CHUC alterou profundamente o modelo seguido até então. O Hospital Geral (vulgo Hospital do Covões), uma das unidades hospitalares que integram o CHUC, foi transformado em hospital COVID-19, com capacidade até 206 camas de doentes estáveis e 34 de doentes críticos. Também a urgência COVID-19 foi deslocalizada para este hospital, onde os cuidados médicos passaram a ser assegurados por médicos internistas, com a colaboração pontual de infeciologistas.

Assim, o Serviço de Doenças Infeciosas tem hoje a responsabilidade de internar os doentes adultos COVID-19 que possam ser identificados no Serviço de Urgência do Hospital Universitário de Coimbra (HUC) e também os que sejam diagnosticados em qualquer outro Serviço desta unidade hospitalar integrante do CHUC. Continuamos ainda a receber todas as grávidas em período não expulsivo e todas as puérperas provenientes das duas Maternidades do CHUC.

A escala de urgência foi também alterada, com a extinção da escala de urgência COVID-19 e transferência da responsabilidade para os médicos internistas, que asseguram esta área do Serviço de Urgência do HUC. A escala de médico residente do Serviço de Doenças Infeciosas foi reforçada com a entrada de um médico interno da especialidade que acompanha o especialista no período diurno (9-21 horas), ficando no período noturno (21-9 horas) apenas um médico especialista.

O futuro da pandemia é hoje imprevisível, estando dependente de inúmeros fatores, alguns dos quais não controlamos. Contudo, não prevejo que o atual enquadramento funcional do Serviço de Doenças Infeciosas se modifique no curto e médio prazo. Os doentes COVID-19 vão continuar a ser diagnosticados, mesmo em pleno verão, em número imprevisível, havendo necessidade de manter em atividade uma estrutura hospitalar com capacidade de resposta. No próximo inverno, a situação é ainda mais nebulosa, havendo previsões que apontam para o recrudescimento da infeção por vírus SARS-CoV-2 em paralelo com os restantes vírus respiratórios, o que constituirá um desafio à nossa capacidade de diagnóstico e uma nova prova à capacidade de adaptação e resiliência do Serviço Nacional de Saúde.

 

REFERÊNCIAS

1.Ceraolo C, Giorgi FM. Genomic variance of the 2019-nCoV coronavirus. J Med Virol 2020; 92:522-8. doi: 10.1002/jmv.25700. Epub 2020 Feb 19.         [ Links ]

2.World Health Organization. WHO announces COVID-19 outbreak a pandemic. http://www.euro.who.int/en/health-topics/health-emergencies/ coronavirus-covid-19/news/news/2020/3/who-announces-covid-19-out-break-a-pandemic.         [ Links ]

3.Direção Geral da Saúde. Relatório da situação, 26 de Abril de 2020. Lisboa: DGS; 2020.         [ Links ]

4.Direção Geral da Saúde. Plano nacional de preparação e resposta à doença por novo coronavírus (COVID-19), Março 2020. Lisboa: DGS; 2020.         [ Links ]

5.Glyn JR. Protecting workers aged 60-69 years from COVID-19. Lancet In-fect Dis. 2020 (in press). doi:10.1016/S1473-3099(20)30311-X.         [ Links ]

6.Black JRM, Bailey C, Przewrocka J, Dijkstra KK, Swanton C. COVID-19: the case for health-care worker screening to prevent hospital transmission. Lancet. 2020 (in press). doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30917-X.         [ Links ]

 

Agradecimento

Um agradecimento é devido a todos os profissionais de saúde do CHUC que, direta ou indiretamente, estão envolvidos no combate à pandemia de COVID-19. A coragem, empenho e profunda dedicação com que diariamente respondem às mais diversas solicitações honram o CHUC e prestigiam o Serviço Nacional de Saúde.

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the pro-tocols of their work center on the publication of data from patients. Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer re-viewed.

 

©Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

©Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/Correspondência:

Saraiva da Cunha - saraivainf@netcabo.pt

Diretor do Serviço de Doenças Infeciosas, Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal Professor Catedrático da Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra

Praceta Prof. Mota Pinto, 3000-075 Coimbra, Coimbra, Portugal

 

Received/Recebido: 24/04/2020

 

Accepted/Aceite: 26/04/2020

 

Publicado / Published: 4 de Maio de 2020

 

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