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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/COVID19/A.Silva/Expresso/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

 

Informar (Também) é Estar na Primeira Linha

Informing (Also) is Being on the Front Line

 

Ângela Silva

Jornalista, Expresso, Paço de Arcos, Portugal

 

A primeira grande sondagem sobre a forma como os portugueses estavam a acompanhar a pandemia que abalou o país e o mundo foi feita pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) e pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) para o grupo SIC/Expresso e oferecia dados importantes. Oitenta por cento dos inquiridos mostravam estar a acompanhar as notícias sobre a epidemia "com muita atenção" e a fonte de informação em que mais depositavam "muita" ou "alguma" confiança era a televisão (91%). O país tendia para monofocado - fenómeno que o confinamento haveria de acentuar. Mas o dado mais surpreendente da sondagem vinha a seguir: as redes sociais sofriam um rombo, aparecendo em último lugar e atrás da imprensa escrita, jornais e revistas. E a uma distância bastante expressiva - 55% dos inquiridos diziam confiar na imprensa escrita e apenas 25% mostravam confiar nas redes para se manterem informados sobre a COVID-19.

Estávamos na segunda quinzena de março, o país tinha acabado de entrar em estado de emergência e a mensagem para os jornalistas era simples: quando a coisa é séria, as pessoas fogem das fake news. O medo pede segurança. A segurança pede conhecimento. E com a sociedade aparentemente mais imune às notícias falsas, os órgãos de comunicação tradicionais voltavam a surgir como uma espécie de seguro de quem se esperava confiabilidade. Mas para os jornalistas, como para a comunidade em geral, falar desta pandemia era falar mais de dúvidas do que de certezas. E no que toca a confiabilidade, a sondagem do ICS/ISCTE dava-nos outro dado importante: o poder político (neste caso a ministra da Saúde) aparecia 11 pontos abaixo da Direção-Geral de Saúde. Ou seja, as pessoas queriam menos política e mais conhecimento técnico. Para as redações profissionais, que investem na formação de jornalistas especializados, a prioridade para responder à necessidade do público teria que ser dados fiáveis, reportagens objetivas, com base em fontes informadas e fornecendo algum contexto e perspetiva.

Não foi fácil, nem isento de erros. Por um lado, os jornalistas estavam dependentes dos números e dados que dia a dia eram divulgados pelas entidades oficiais e durante dias a fio televisões e sites noticiosos assumiram em excesso um perfil que em grande parte se confundia com o de canais oficiosos.

Com o país monofocado, as agendas das redações passaram a ter um tema único e para os jornalistas, numa primeira fase, a prioridade chamava-se números: quantos morreram, quantos infetados, quantos recuperados, quantos assintomáticos… Em simultâneo, a excessiva pressão em que foram forçados a trabalhar, distantes uns dos outros e com as limitações de coordenação inevitáveis em teletrabalho, somadas à tentação de chegar primeiro, muitas vezes contribuíram para baralhar a opinião pública.

Viu-se na polémica sobre 'usar máscara, sim ou não'. No papel atrás referido de porta-vozes excessivamente oficiosos, os orgãos de comunicação social acabaram muitas vezes por ir veiculando as informações contraditórias das entidades oficiais, em vez de explicarem que a única notícia fiável era, de duas, uma: ou os responsáveis públicos não queriam recomendar máscaras por não as terem em número suficiente; ou pura e simplesmente ainda não tinha certezas sobre nada. A notícia mais crua, por vezes, não chegou a ser dada.

Inebriados pelas audiências televisivas que dispararam para números ímpares e pelas vendas de jornais em papel e em assinaturas online que, em duas semanas, e segundo dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), chegaram a duplicar, não foi fácil aos profissionais da comunicação social começar a virar a página. Sem faltar rigor, começava a faltar distância. Mas a página virou aos poucos, com notícias e reportagens a lançarem novas perguntas, novas respostas, novas pistas de análise - por que é que os números são tão diferentes a norte e a sul?; o que é que falhou nos lares para a percentagem de mortes ser tão elevada?; como está a correr a articulação entre o SNS e os privados?; quais os danos para a saúde dos portugueses desta deslocação de meios quase em exclusivo para a COVID 19?

Foi pelos órgãos de comunicação social que fomos sabendo de bloqueios, atrasos e hesitações nas decisões políticas ou na capacidade de resposta das instituições às dimensões sanitária, social e económica desta crise. Mas também foi pela comunicação social que ficámos a saber de sucessos, conjugação de esforços e iniciativas ímpares da sociedade civil. Nunca em tão pouco tempo se fizeram tantas reportagens ou se ouviu tanta gente a relatar experiências deste combate. Foi pelos órgãos de comunicação social que o país, fechado em casa, pôde entrar nos hospitais, partilhar a coragem e entrega de médicos e enfermeiros a trabalhar no limite, ter noção dos efeitos devastadores do vírus através das imagens dos doentes internados cá dentro e lá fora, perceber o rombo económico pelos relatos de empresários, de desempregados ou de famílias com pais em lay-off a acompanhar filhos sem aulas. E foi pelos órgãos de comunicação social que nos chegou a dimensão global da tragédia, com os países ricos a parecerem pobres e os Presidentes de super potências a aconselharem injeções de lixívia.

Nunca em tão pouco tempo houve tanta análise, tanto comentário, tanto vídeo e tanto gráfico. Nunca os infográficos dos jornais trabalharam de forma tão concentrada. Nunca os fotojornalistas tiraram fotos tão despidas de gente. E, talvez para compensar, nunca as páginas de jornais publicaram tanta foto de enfermarias, unidades de cuidados intensivos, batas, máscaras e luvas. Para trás ficou tudo o resto que foi esquecido. Alguém se lembra dos prazos do Brexit? Alguém sabe como está o Luanda Leaks? E a Operação Marquês que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates? O que sabemos das eleições presidenciais previstas para janeiro? E do aeroporto do Montijo? Compete aos jornalistas não deixar esquecer. Mas os danos colaterais do monofoco COVID, no jornalismo como na saúde, só mais à frente serão devidamente apurados. Para já, o epicentro do trabalho dos jornalistas vai, inevitavelmente, continuar a ter um pólo de atenção quase único: como voltar à vida e conviver com o vírus?

As vendas de jornais a crescer são uma ilusão. A publicidade - principal fonte de receita dos media - caiu a pique e não vai recuperar com a crise económica. Há grupos de comunicação social em lay-off total, há renegociações salariais, haverá seguramente despedimentos. Mas como os médicos ou os enfermeiros, os jornalistas sabem não ser dispensáveis, uns numa frente, outros noutra. Quanto mais confinados, inseguros e com medo, mais os cidadãos precisam de receber informação. Informar também é estar na primeira linha.

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the pro-tocols of their work center on the publication of data from patients. Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer re-viewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/Correspondência:

Ângela Silva - avsilva@expresso.impresa.pt

Jornalista, Expresso

Edifício S. Francisco de Sales, Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos, Portugal

 

Received/Recebido: 24/04/2020

Accepted/Aceite: 26/04/2020

 

Publicado / Published: 4 de Maio de 2020

 

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