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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/COVID19/F.Ilharco/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

 

Não Se Pode Não Comunicar

One Cannot Not Communicate

 

Fernando Ilharco
https://orcid.org/0000-0002-8130-1328

Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal

Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), Lisboa, Portugal

Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC), Lisboa, Portugal

 

Palavras-chave: Comunicação; COVID-19

Keywords: Communication; COVID-19

 

Nunca o que é falado, e em língua alguma, é o que dizemos.”

Martin Heidegger1

 

Quando comunico, comunico-me sempre primeiro - ditado antigo. O modo como se diz o que se diz, geralmente, tem mais influência do que aquilo se diz. Em qualquer comunicação, falada ou não, existe conteúdo e relacionamento, sendo que este último aspecto é o que tende a ser mais significativo e influente. A chamada escola da pragmática da comunicação, oriunda dos EUA, segunda metade do século XX, mostrou que em sociedade as pessoas estão sempre a comunicar. “Não se pode não comunicar”2, na vida familiar, social ou profissional. A comunicação é o meio em que acontece a vida.

Fala-se, gesticula-se, telefona-se, mas será que ficandocalado, não telefonado, não indo, não se comunica? Comunica-se. Não se pode não comunicar é uma regra da comunicação. Por isso, por vezes, comenta-se ‘estás muito calado?’, constatando a relevância, por isso, o carácter comunicativo, do estar muito calado.

Maisdo que o que se diz, o tom com que se diz o que se diz é relevante. Vozes muito agudas, tons elevados, tendem a ser incomodativos, comunicando stress, insegurança e ansiedade. As pessoas não apreciam muito, nem as vozes, nem quem assim fala. Falar pausadamente, com um tom de voz baixo, grave, mas sem exageros transmite segurança, confiança e costuma ser eficaz a comunicar.

A comunicação tem, por isso, dois aspectos: o conteúdoe o relacionamento, ou seja, o que é dito e a forma como é dito o que é dito, o tom de voz, os gestos, os sorrisos, etc. No entanto, e ao contrário do que o senso comum defende, a forma como as coisas se dizem é o que pesa mais, tanto em ambientes sociais como em contextos profissionais. Por exemplo, numa conversa sobre um dado assunto, através do

tom de voz, das pausas, da rapidez com que dizemos as coisas, etc., podemos sugerir que o que o nosso interlocutor diz ou sente não é relevante… E por mais que detalhemos aspectos técnicos pode ser aquele aquele modo o que mais vai influenciar o desfecho da conversa. No relacionamento com os outros tudo comunica. Não se não comunica.

 

Regra de ouro

Recebes o que dás, máxima bíblica, é a regra de ouro da influência social3, 4.  Dar um presente, uma prenda, uma atenção, dar tempo e simpatia. Será isso mesmo que se receberá de volta.

Está no nome, a prenda prende. Um presente ou uma recordação recordam, deixam presente quem o deu. O "obrigado" de quem recebe é a confirmação da obrigação de retribuir. É isso o que prende, as duas pessoas ficaram ligadas. O "thank you" inglês vem de "think you", penso em ti, recordo-te, ficas presente.

Pode ser dar atenção, dar algum tempo ao outro, ter um gesto de apoio, mas dar hoje é receber amanhã. Trata-se da regra de reciprocidade, funda no inconsciente coletivo, que terá centenas de milhares de anos. Ela assenta na entreajuda, na luta pela sobrevivência, na partilha de alimentos e nas ajudas face aos perigos do dia-a-dia. Quem recebe hoje sabe, e sente, que tem que retribuir amanhã; quem dá hoje sabe e sente que pode contar receber amanhã.

 

Fazer-se entender

Em ambiente profissional tantas vezes falamos com estranhos, com pessoas que não conhecemos. No hospital, no consultório, ou quando vamos às compras, em férias ou em muitas outras actividades interagimos com desconhecidos. Seguimos protocolos sociais que facilitam a comunicação. Mas, os outros nem sempre nos percebem, nem sempre somos bem entendidos.

Como comunicar melhor? Diminuindo a incerteza, nossa e de quem fala connosco. Ser capaz de reduzir a incerteza causa uma comunicação mais eficaz5.  Primeiro que tudo, falar. Falar, clarifica e aproxima; “a falar é que a gente se entende”, costuma dizer-se. Mas não apenas falar. Também expressarmo-nos com gestos, sorrindo, mostrando-nos afáveis e positivos. Havendo oportunidade, devemos mostrar que apreciamos alguma coisa no outro - as suas descrições, o seu conhecimento, as sugestões, a bonita gravata, etc. Tendemos a gostar de quem gosta de nós - é outra regra da influência.

À medida que uma conversa avança podemos procurar semelhanças entre nós e a outra pessoa. Parecenças, similaridades… somos os dois do Norte, do Algarve;somos os dois do Sporting… Também conheces o Manuel, a Maria e o… costuma ser eficaz constatar a existência de amigos comuns. A partilha de relacionamentos, profissionais ou sociais, aumenta a confiança entre as pessoas, diminui a incerteza e facilita uma comunicação mais eficaz.

Contar histórias é também uma forma interessante paraconvencer os outros. O ser humano é essencialmente um contador de histórias 6.   Muitas vezes as histórias são mais influentes do que argumentos estritamente racionais. Uma história tem emoções, motivos e personagens; os bons, os maus e os assim-assim. As pessoas identificam-se, simpatizam, com esta ou aquela personagem. Quando se ouve uma históri atende a baixar-se a guarda, e quanto mais mergulhamos na história mais as coisas nos parecem possíveis. Mas é preciso ter cuidado. As histórias também são eficazes para enganar. Daí a expressão "grande história que te contaram."

 

Razão emoção e comunicação

A separação entre o corpo e a mente é apenas teórica,evidentemente. Hoje as neurociências e as ciências comportamentais trabalham crescentemente no relacionamento, na unidade, da mente e o corpo.

As emoções afectam o pensamento, moldam-no, mudam-no, conduzem-no - conta até 3 antes de reagires, dorme sobre o assunto, respira fundo, etc. Para pensar melhor, tantas vezes as pessoas procuram primeiro mudar a postura corporal, o modo como se sentem fisicamente.

As redes de comunicação entre os sistemas neurológico, imunitário, muscular, etc., interferem constantemente no funcionamento do sistema nervoso, na forma como nos sentimos7. Aliás, a mente é um órgão do corpo cujo principal trabalho é mexer o corpo, conforme ao que pensamos e ao que sentimos; conforme ao que inconsciente, subconsciente e conscientemente se vai passando. Como Damásio8,9  mostrou, as emoções moldam constantemente o que fazemos. William James, o pai da psicologia norte-americana, dizia: "não canto porque estou feliz, mas estou feliz porque canto." Ou seja, o que fazemos causa as emoções que sentimos. "Quem canta, seus males espanta",diz o ditado.

Fazer um sorriso, mesmo forçado, faz-nos sentir mais satisfeitos, mesmo se estivermos zangados ou tristes. Ao forçar um sorriso com as mãos, puxando os cantos da boca para cima, ou trincando suavemente um lápis, os músculos da cara e o sistema nervoso reagirão como reagem quando se sorri de facto; e o estado emocional tende a melhorar instantaneamente.

Quando se está desmotivado ou stressado, outro comportamento eficaz costuma ser o de pôr as costas direitas. Num minuto ou menos, a testosterona, a química da confiança,  tende  a  subir  e  o  cortisol,  a  química  da  atenção e do stress, tende a ajustar para níveismais favoráveis ao bem-estar, e uma pessoa sentir-se-á mais confiante e mais capaz.  As  emoções  são  influenciadas  de  forma  relevante pelo que fazemos. Tantas vezes, mais influenciadas pelo que fazemos do que pelo que pensamos.

 

Ter que correr bem

Uma conversa, uma reunião, um encontro que tem que correr bem, já aconteceu a todos. Por vezes, muita coisa pode depender de uma única conversa. Pode depender de a outra pessoa apreciar o nosso trabalho, gostar do nosso empenho, ficar satisfeita com o que dissemos, com a forma como nos comportámos na reunião.

O primeiro passo a dar é prepararmo-nos. Além de melhorar o entendimento do assunto, a preparaçãomelhora a forma como falaremos e aumenta a confiança. Mas pode não chegar. Uma pessoa pode estar bem preparada, mas ficar nervosa e explicar-se mal, interromper o outro, mostrar-se distante, etc. Em resumo, a conversa pode correr mal, o outro pode não gostar da forma como correu a reunião e podemos não conseguir o que queríamos - comunicámos mal.

Prepararmo-nos é sempre o primeiro passo. Depois sorrir, e quando e se pertinente, dar uns toques, um aperto de mãos, beijinhos de cumprimento, um contacto ligeiro no braço. Vindo a propósito, sendo razoável no fluir da conversa, a comunicação pelo tacto é eficaz. Tende a aproximar as pessoas.

Outro comportamento que costuma ter bons resultados,que as pessoas, geralmente, aceitam inconscientemente, é a imitação. A imitação simpática de gestos, de palavras e expressões da pessoa com quem estamos. Sem exageros, aqui e ali, suavemente. Cada um de nós fala de dada maneira, usa mais umas palavras do que outras, mais umas ou outras expressões e gestos. Copiar subtilmente a maneira como o outro se expressa ajuda a ganhar a sua confiança e a que ele aprecie a nossa companhia e sugestões. Repetir o que o outro disse por palavras nossas, sobretudo repetir as suas perguntas, costuma ser eficaz.

Se for pertinente, sente-se. Tome ainiciativa e convide a sentarem-se. Sentarmo-nos a conversar com alguém significa que temos tempo para essa pessoa, que gostamos de estar com ela. Para que o outro goste de si enquanto está a interagir com ele, pense no melhor que encontra nessa pessoa, pense em algo que aprecia nela. Esse pensamento vai influenciar positivamente o que diz e a forma como se expressa. E o outro vai sentir.

Se quer que influenciar e que decidam a seu favor, oiça os outros. Mas, não finja que ouve, porque se o outro perceber que está a fingir, que não está interessado, as coisas vão correr mal. Dê sinais que está a ouvir e que está interessado, fazendo perguntas sobre o que o outro lhe vai dizendo. Sorria, sente-se, oiça, pergunte, tenha uma voz suave e pense positivo.

Quem quer deixar uma imagem positiva, numa reunião ou em novos contactos, muitas vezes aproveita as oportunidades para falar dos seus sucessos, para sorrir e olhar olhos nos olhos. É um comportamento que pode não resultar. Podeparecer ensaiado, pode parecer falso. E além disso muita gente já conhece essas práticas.

Um dos comportamentos que podemos seguir para impressionar os outros com eficácia é impressionarmo-nos a nós mesmos. Na vida social e na vida profissional, quando quer impressionar os outros, impressione-se a si próprio primeiro7 Prepare-se muito e bem, ensaie e esteja confiante. O que comunica melhor, o que influencia e impressiona mais os outros é o genuíno e autêntico. Acredite em si que é mais fácil os outros também acreditarem.

 

REFERÊNCIAS

1.     Heidegger M. Poetry, Language, Thought. New York: Harper & Row; 1971.         [ Links ]

2.     Watzlawick P. Pragmatics of Human Communication: A Study of Interactional Patterns, Pathologies and Paradoxes. New York: WW Norton; 1967.         [ Links ]

3.     Cialdini R. Influence: The Psychology of Persuasion. New York: Harper Collins; 1984.         [ Links ]

4.     Cialdini R. Harnessing the Science of Persuasion. Harvard Business Rev.2001;11.         [ Links ]

5.     Berger C. Communicating Under Uncertainty. In: Roloff M, Miller G, editors. Interpersonal Processes: New Directions in Communication Research. Newbury Park: Sage; 1987.p. 39-62        [ Links ]

6.     Fisher W. The Narrative Paradigm: In the Beginning. J Commun. 1985; 35: 74-89.         [ Links ]

7.     Cuddy A. Presence. London: Orion Books; 2016.         [ Links ]

8.     Damásio A. O Erro de Descartes. Lisboa: Publicações Europa-América; 1994.         [ Links ]

9.     Damásio A.   The Feeling of What Happens. New York: Harvest Books; 2000.         [ Links ]

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients. Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY- NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/Correspondência:

Fernando Ilharco - ilharco@fch.lisboa.ucp.pt

Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,Portugal

Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC), Lisboa, Portugal Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), Lisboa, Portugal

Palma de Cima 1649-023, Lisboa

 

Received/Recebido: 26/04/2020

Accepted/Aceite: 28/04/2020

 

Publicado / Published: 7 de Maio de 2020

 

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