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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/P.Vista/COVID19/N.B.Vieira/NEForMI/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

 

Formação em Tempos de Pandemia

Professional Qualification in Times of Pandemic

 

Nuno Bernardino Vieira
https://orcid.org/0000-0001-8168-8115

Coordenador do Núcleo de Estudos de Formação em Medicina Interna (NEForMI), Lisboa, Portugal

Serviço de Medicina 3; Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Unidade Hospitalar de Portimão, Portimão, Portugal

 

Palavras-chave: Coronavírus; Educação Médica; Infecção por Coronavírus; Internet; Pandemia

Keywords:  Coronavirus;  Coronavirus  Infection;  Education, Medical; Internet; Pandemics

 

 

Mais do que o impacto de uma doença infecciosa, maisdo que uma ameaça à saúde pública, mais do que um teste ao nosso sistema nacional de saúde, vivemos um tempo de autêntica  revolução social e de comportamentos. Embora todos sintamos a ansiedade e o receio da imprevisibilidade do que aí vem, para o bem e para o mal, estamos a participar ativamente em todo o processo e daqui a uns anos poderemos dizer que também nós escrevemos esta página que marcará a História da humanidade.

Para nós médicos, uma das nossas áreas de intervençãoque acabou por sofrer mais com esta revolução foi a área da formação. O modo como nos formamos e o modo como formamos os nossos pares, foi algo que se transformou drasticamente nos últimos dois meses. E a grande questão que se coloca é se algum dia será como dantes…

Recordo ainda os primeiros dias de Março, a 6 de Março tive o prazer de participar no simpósio do Núcleo de Estudos de Diabetes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) que decorreu no âmbito do Congresso Nacional de Diabetes, o último grande congresso médico que ainda se realizou antes do lockdown português. No dia seguinte fui "de fugida" a Lisboa orientar o último dia de formação presencial do Curso de Investigação Clínica em Medicina Interna do Centro de Formação em Medicina Interna (FORMI) onde participaram cerca de 20 colegas. Em ambas as iniciativas, o tema de conversa já era inevitavelmente a chegada da COVID-19 a Portugal, já que os primeiros casos em território nacional haviam sido confirmados a 2 de março. No entanto, ainda consegui usufruir dos momentos de troca de experiências, partilha de dúvidas e questões e também, não menos importante, de convívio entre pares, algo que as plataformas digitais ainda não nos conseguem satisfazer.

Inevitavelmente, as medidas de promoção do isolamento social não se coadunam com estas iniciativas de formação presencial, sejam os grandes congressos, as reuniões científicas temáticas mais modestas, os cursos de formação presencial, ou até mesmo, as reuniões clínicas em cada um dos nossos serviços. O denominador comum de todas  elas, a “aglomeração” de um grupo de profissionais de saúde, é encarada hoje em dia como um risco de saúde pública. E o grande problema é que não podemos garantir por mais quanto tempo assim continuará. Mas isto significa que ficámos privados de formação? Felizmente, não!

Como todas as crises da existência Humana, esta tambémé um tempo de oportunidades e de mudança. Curiosamente, na área da formação, ainda não se criou nada de novo, pois as reuniões com streaming nas redes sociais, os webinars, os cursos de e-learning, os congressos virtuais, já são uma realidade desde há alguns anos. No entanto, até ao final de Fevereiro de 2020 ainda eram encarados por muitos de nós (nos quais eu me incluo) como uma excentricidade e uma modernice que roçava a futilidade. E de facto a oportunidade surgiu com as recomendações de inibição das reuniões presenciais, que tornaram estas ferramentas uma necessidade e não apenas uma alternativa secundária. Em poucos dias passámos a ser "bombardeados" nas nossas caixas de correio e nas redes sociais com ofertas formativas, que podemos "consumir" de forma gratuita, à hora que mais nos for conveniente, ao ritmo que nos apetecer e… sem sair de casa! E o que inicialmente era uma exclusividade da pandemia COVID-19, já se começa a alargar a outras temáticas. Muitos de nós, começámos a experimentar este mundo novo e a descobrir os seus encantos. Esta tem sido verdadeiramente a grande oportunidade da formação à distância se dar a conhecer, mesmo aos mais cépticos.

De qualquer forma, temos que conviver com o reverso da medalha desta facilitada acessibilidade. O problema de ser “tão fácil” implica o crescimento exponencial da oferta, cuja forma e conteúdos não são auditados por nenhuma entidade que garanta a sua qualidade. É importante que mantenhamos um espírito crítico, da mesma forma que olhamos com reserva para o manancial de estudos referentes à COVID-19 publicados internacionalmente nas últimas semanas e muitos deles de qualidade duvidosa. Caberá sem dúvida às sociedades científicas, bem como à própria Ordem dos Médicos que tem sob si também a responsabilidade de dar o patrocínio científico a ações de formação, um papel de fiscalização e de certificação desta oferta formativa.

Urge então o tempo para a análise crítica e para uma reflexão do que poderá ser a formação profissional médica no futuro a médio e longo-prazo, algo no qual o Núcleo de Estudosde Formação em Medicina Interna (NEForMI) terá que se debruçar e em conjunto com os restantes Núcleos de Estudo e a própria Direção da SPMI, encontrar as melhores respostas para as novas exigências do “mercado”. Será importante aumentar a oferta de formação em formato e-learning, acessível a muitos, sem necessidade de perdas de tempo em deslocações e muito mais económica para os formandos. A formação presencial não se extinguirá obviamente, continuará a existir, principalmente nas áreas onde seja fundamental a troca de experiências, a aquisição de competências não técnicas, ou o cultivo de um team building entre pares.

Caminharemos acima de tudo para os modelos híbridos onde os conteúdos mais teóricos e expositivos são transmitidos previamente em plataformas digitais, reservando-se algumas preciosas horas de contacto presencial para complementar a experiência formativa com estudo de casos práticos, ou a apresentação do trabalho realizado pelos formandos.

Será este também o caminho dos grandes congressos / reuniões científicas? Provavelmente sim. Provavelmente no futuro passará a existir a possibilidade de assistir a um congresso presencialmente ou à distância numa plataforma digital, tendo ambas as formas o mesmo valor curricular. Inclusivamente, os congressistas presenciais poderão ter que ser limitados por requisitos de saúde pública, principalmente em épocas de vagas pandémicas. Provavelmente os eventos serão mais curtos e com mais sessões em simultâneo, de forma a que em cada sala não se aglomerem muitos participantes, garantindo-se, no entanto, que todas as sessões sejam registadas em vídeo e disponibilizadas num sítio electrónico ao qual os congressistas inscritos poderão aceder e assistir às sessões à posteriori em diferido, na sua casa ou no local de trabalho, à hora e ao ritmo mais conveniente. Provavelmente… em breve veremos se será este o caminho.

E porque não falar também no nível micro, na vivência dos nossos serviços de Medicina Interna. Passarão estas ferramentas a ser também utilizadas rotineiramente nos nossos serviços? Algo que já sentíamos como impossível, que era juntar todos os clínicos do serviço em simultâneo à volta da mesma mesa, pelas especificidades do horário de trabalho de cada um, neste futuro que já vivemos será cada vez mais complicado. Horários desfasados, equipas espelho, rotatividade de equipas, etc… são realidades que penso que não se irão extinguir no futuro próximo.

Desta forma, a realização de uma formação ou até mesmo uma comunicação do director de serviço, só chegará a todos os elementos do serviço com o recurso a estas plataformas digitais. Fica aqui o repto para que cada Serviço de Medicina Interna possa reflectir sobre esta situação e que seja inovador na procura das melhores respostas para as suas necessidades, não esquecendo que apesar das contingências, é fundamental manter uma cultura de formação contínua e de actualização nos nossos serviços, com principal preocupação pelos nossos Internos que se encontram em processo de formação.

Com a esperança de não estarmos a caminhar para um admirável mundo novo ao jeito de Aldous Huxley, e também com um sentimento de nostalgia do meu primeiro fim-de-semana de Março passado, encaro apesar de tudo com expectativa e optimismo os desafios que vamos viver nos próximos tempos na área da formação profissional médica. Mais do que os conhecimentos em si, o desafio será como os iremos comunicar, transmitir, apreender, compreender e aplicar na prática clínica, com o estímulo acrescido de que poderemos fazer chegar a nossa oferta formativa aos 4 cantos do mundo em milésimos de segundo neste mundo global.

Contudo, espero sinceramente que esta revolução social não nos prive a nós e às gerações vindouras da oportunidade de se deixar enfeitiçar por um orador apaixonante, de poder participar num debate de ideias olhos nos olhos, de partilhar as suas experiências profissionais e pessoais num coffee-break ou de terminar uma tarde de congresso numa esplanada entre colegas discutindo as diversas ciências da nossa vida… experiências que tanto nos fizeram crescer como médicos e como pessoas.

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients. Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/Correspondência:

Nuno Bernardino Vieira - nunobernardinovieira@gmail.com

Serviço de Medicina 3; Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Unidade Hospitalar de Portimão, Portimão, Portugal

Sítio do Poço Seco, 8500-338 - Portimão

 

Received/Recebido: 27/04/2020

Accepted/Aceite: 28/04/2020

 

Publicado / Published: 8 de Maio de 2020

 

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