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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa May 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/COVID19/F.Maltez/CHULC/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

 

COVID-19: A Segunda Pandemia do Século XXI

COVID-19: The Second Pandemic of the 21st Century

 

Fernando Maltez
https://orcid.org/0000-0001-5828-7727

Diretor do Serviço de Infecciologia, Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Central, Hospital Curry Cabral, Lisboa, Portugal

 

Palavras-chave: Coronavírus; COVID-19; Infecções por Coronavírus

Keywords: Coronavirus; Coronavirus Infections; COVID-19

 

 

A 31 de Dezembro de 2019, a Organização Mundial deSaúde (OMS) era notificada da ocorrência de vários casos de pneumonia de etiologia desconhecida, na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. Uma semana depois, era identificado e sequenciado o agente responsável, um novo coronavírus, designado por severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2), enquanto a doença, hoje conhecida por Coronavirus disease 2019 (COVID-19), se disseminava, rapidamente, pela China e pela Ásia. Em 25 de Janeiro de 2020, era diagnosticado na Europa (França) o primeiro caso importado e, a 30 desse mês, com 7818 casos contabilizados, a COVID-19 era declarada uma Emergência de Saúde Pública Internacional. Em resultado das viagens aéreas, em pouco mais  de  oito  semanas  espalhar-se-ia,  globalmente, pelo que, em 11 de Março, a OMS considerava-a uma pandemia. Entretanto, o número de casos na Europa e no Ocidente ultrapassava, rapidamente, o do continente asiático. À data desta publicação, estão notificados em todo o Mundo 2,9 milhões de infectados, registadas 202.597 mortes e, identificadas cadeias de transmissão na comunidade, em todos os continentes, tornando-se numa das piores pandemias da história da Humanidade. Dependendo da idade e do estado de saúde das pessoas afectadas, a taxa de mortalidade está próxima de 7% (15% acima dos 80 anos). Embora com variações geográficas, o seu número básico de reprodução (R0), ou seja, o número médio de casos secundários gerados por um indivíduo infectado numa população, completamente, susceptível, situa-se em 2-3. Para dar uma perspectiva deste número, na gripe espanhola de 1918, em que morreram entre 20 a 40 milhões de pessoas em todo o Mundo, o númerobásico de reprodução era de 1,8.1,2

As primeiras informações provenientes da China apontavam para uma doença, que teria comportamento semelhante ao da gripe. A maioria dos doentes mostrava sintomas ligeiros, recuperava em duas a três semanas e, a COVID-19 parecia afectar sobretudo idosos e pessoas com diferentes comorbilidades. Os clínicos convenceram-se, de que qualquer caso importado do epicentro da pandemia, seria, facilmente, identificado e isolado, interrompendo-se a transmissão secundária. Contudo, o vírus tinha características que dificultavam o seu controlo, como a possibilidade de poder ser, de igual modo, transmitido  de  forma  eficaz  por  indivíduos  assintomáticos, o desconhecimento exacto do período da transmissão e, a grande  velocidade  desta.  Por  isso,  e  confundido  algumas vezes com vírus influenza, propagar-se-ia, aceleradamente, após o diagnóstico dos primeiros casos, gerando, de imediato, em vários países, múltiplas cadeias de transmissão. Este fenómeno, seria mais evidente na Europa e nos Estados Unidos da América, do que, por exemplo, em países como República da Coreia, Japão ou Emiratos Árabes Unidos, que continham a doença, aparentemente, de forma mais eficiente. Facilitado por alguma apatia, por hesitações quanto ao uso, ou não, de máscaras (visível contraste entre a Ásia e os países ocidentais), quanto à utilidade, ou não, de encerramento de fronteiras e de quarentena para viajantes provenientes de áreas endémicas, quanto à eficácia, ou não, de encerramento de escolas e, ainda, por demasiado atraso no cancelamento de grandes eventos públicos e na implementação das regras de distanciamento físico e de isolamento social, a pandemia disseminou-se de forma grave na União Europeia, onde a grande surpresa foi a falta de resposta e de reacção de muitos Governos, ao evidente crescimento exponencial, em poucas semanas, do número de infectados e de mortes. Não se dispondo de uma vacina, nem de um tratamento antivírico eficaz, SARS-CoV-2 mostraria capacidade para desafiar sistemas de saúde robustos, como os da Itália, da Espanha e da França, onde teve um efeito explosivo, esgotando a capacidade de resposta de Serviços de Urgência, de Serviços de internamento e de Unidades de Cuidados Intensivos, enquanto se reclamava pela falta de testes diagnósticos, de equipamentos de protecção individual (EPI) e, pela necessidade dramática de ventiladores e de recursos humanos.2

Em Portugal, o primeiro caso de COVID-19 foi diagnosticado em 2 de Março, importado de Itália e, até à data, foram diagnosticados 24 322 casos e houve 948 óbitos. Os Hospitais e Serviços de referência, de início e, depois, todas as Instituições do Serviço Nacional de Saúde e os Hospitais privados, foram capazes, em conjunto, de responder à grande procura de cuidados de saúde e de ganhar tempo, para que o Ministério da Saúde e a Direcção-Geral da Saúde aumentassem a capacidade de testar, repusessem e ampliassem as reservasde EPI, de ventiladores e de outros equipamentos. Em todo o Mundo, Portugal foi um dos países, que realizou mais testes diagnósticos. Porventura, foi dos países da União Europeia que promoveu a evicção social e o encerramento de escolas e, que declarou e revogou o Estado de Emergência, com a inerente restrição de direitos e liberdades, de forma mais atempada. O distanciamento físico, a quarentena e os hábitos sanitários mostraram algum sucesso em abrandar a pandemia, mas ainda estamos longe de estar contida. O pico de novos casos deu lugar a uma fase em planalto, a que se seguirá a esperada recuperação e um decréscimo do número diário de diagnósticos. Ainda assim, continua elevado, existindo populações e bolsas de risco que ainda não foram, completamente, caracterizadas (idosos, profissionais de saúde, imunodeprimidos, migrantes). Também, apesar das vantagens de um achatamento da curva, necessitaremos de mais tempo, para atingir uma eventual imunidade de grupo. De momento, preparamo-nos para uma fase de retoma, gradual e cautelosa e, na ausência de uma vacina, o futuro dependerá muito da intensidade e do momento em que foram introduzidas as medidas de contenção desta onda e, da subsequente dinâmica de transmissão do vírus. Esta, resultará, entre outros factores, do grau de variação sazonal, da presença, extensão e duração da imunidade a SARS-CoV-2 e, também, de algum grau de imunidade cruzada com outros coronavírus. Se a imunidade não for permanente, o vírus entrará, provavelmente, em circulação regular. A imunidade de curta duração favorecerá epidemias anuais. A imunidade de maior duração (dois anos) favorecerá epidemias a cada dois anos. Se for permanente, então, até poderá vir a desaparecer por alguns anos. São urgentes os estudos serológicos. Para mitigar a possibilidade de ressurgimento da infecção, poderão ser necessários períodos prolongados ou intermitentes de isolamento social. A curto e a longo prazo será necessária uma vigilância mantida do cumprimento dessas medidas, já que a infecção pode recorrer, mesmo depois de um período prolongado de aparente eliminação.3,4

O vírus mostrou as fraquezas dos sistemas de saúde internacionais e, será uma importante lição para futuras pandemias, enquanto o confinamento, mesmo que intermitente, terá profundos efeitos negativos económicos, sociais e educacionais. O Mundo poderá pagar um elevado preço.

 

REFERÊNCIAS

1.     Biggerstaff M, Cauchemez S, Reed C, Gambhir M, Finelli L. Estimates of the reproduction number for seasonal, pandemic, and zoonotic influenza: a systematic review of the literature. BMC Infect Dis 2014;14:480.         [ Links ]

2.     World Health Organization. Coronavirus Disease (COVID-19). Situation Report - 99. WHO, 2020. [acedido 20/04/2020] Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/.         [ Links ]

3.     Direcção-Geral da Saúde. COVID-19 - Histórico a 28 de Abril de 2020. DGS, 2020 [acedido 20/04/2020] Disponível em: https://covid19.min-saude.pt/relatorio-de-situacao/.         [ Links ]

4.     Kissler SM, Tedijanto C, Goldstein E, Grad YH, Lipsitch M. Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the postpandemic period. Science. 2020 (in press) doi: 10.1126/science.abb5793.         [ Links ]

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos Interesse: Os autores declaram a inexistência conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare thatthey have followedthe protocols of their work center on the publication of data from patients. Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/Correspondência:

Fernando Maltez - fmaltez@chlc.min-saude.pt

Diretor do Serviço de Infecciologia, Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Central, Hospital Curry Cabral, Lisboa, Portugal

Morada: Rua da Beneficência, nº 8, 1069-166 Lisboa

 

Received/Recebido: 28/04/2020

Accepted/Aceite: 29/04/2020

 

Publicado / Published: 8 de Maio de 2020

 

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