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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27  supl.1 Lisboa maio 2020

https://doi.org/10.24950/rspmi/COVID19/HGO/S/2020 

ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES

 

A Hospitalização Domiciliária e a COVID-19

Hospitalization at Home and COVID-19

 

Rita Nortadas
https://orcid.org/0000-0003-2696-9453

Pedro Correia Azevedo
https://orcid.org/0000-0002-2630-2221

Vitória Cunha
https://orcid.org/0000-0002-9238-8668

Francisca Delerue
https://orcid.org/0000-0003-0570-0818

Unidade de Hospitalização Domiciliária, Serviço de Medicina Interna, Hospital Garcia de Orta; Almada, Portugal

 

Palavras-chave: Coronavírus; COVID-19; Infecções por Coronavírus; Cuidados Domiciliários; Serviços Hospitalares de Assistência Domiciliar

Keywords: Coronavirus; Coronavirus Infections; COVID-19; Home Care Services; Home Care Services, Hospital-Based

 

Introdução

A Hospitalização Domiciliária (HD) teve início em Portugal, em 2015, como projeto piloto do Serviço de Medicina Interna do Hospital Garcia de Orta (HGO), sob monitorização da tutela. Após ter demonstrado resultados positivos, esta atividade foi regulamentada pela Direção Geral da Saúde (DGS) na norma 020/2018, estando atualmente presente em 25 hospitais e com vista à expansão por todo o território nacional.1

A HD surgiu como alternativa ao internamento convencional, destinada a doentes agudos ou crónicos agudizados que exijam cuidados de nível hospitalar e que cumpram critérios clínicos, sociais e geográficos que permitam o internamento no domicílio.2,3  A infeção respiratória é um dos diagnósticos principais mais frequentes nos doentes internados em unidades de hospitalização domiciliária (UHD), representando 30% da totalidade dos internamentos nestas unidades. Têm  normalmente  associada  insuficiência respiratória tipo 1 ligeira e indicação para oxigénio suplementar, antibioterapia endovenosa e/ou cinesioterapia respiratória.4

Segundo a literatura, a HD mostrou vantagens relativamente ao internamento habitual nomeadamente menor taxa de infeção nosocomial, menor incidência de síndrome confusional agudo, menor risco de acamamento, de deterioro do seu estado funcional e de desnutrição. De acordo, com a nossa experiência, existe um maior tempo de dedicação exclusiva pelos profissionais de saúde ao doente e verificamos um maior envolvimento do doente e do cuidador em todo o processo, o que contribui para a educação e literacia da comunidade e para uma maior adesão aos cuidados de saúde e à terapêutica.4,5

 

 

A Hospitalização Domiciliária em contexto de pandemia COVID 19

Perante o estado de pandemia de infeção a SARS-CoV2 declarada pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, houve a necessidade emergente de reorganizar o Sistema Nacional de Saúde em geral, e as instituições hospitalares em particular, de forma a ser possível dar resposta à procura massificada de cuidados, essencialmente por doentes respiratórios. Tendo por base as recomendações da World Health Organization (WHO),6 o Núcleo de Estudos da Hospitalização Domiciliária (NEHospDom) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) elaborou um documento de consenso sobre o posicionamento que as UHD poderiam adoptar e a DGS publicou a 23 de março na norma 004/2020 os termos em que isto poderia acontecer.7-9

Tendo por base as recomendações nacionais e internacionais, a UHD do HGO definiu três modalidades de resposta:

i)        UHD Não-COVID

ii)       UHD COVID

iii)       Consulta UHD-COVID

 

UHD Não-COVID

A UHD do HGO começou por ampliar a sua lotação para 25 doentes internados com outros diagnósticos (doentes não-COVID, que designam doentes sem sintomas respiratórios atribuídos à COVID), reforçando a equipa médica e de enfermagem, adquirindo uma maior capacidade para admissão de doentes das enfermarias convencionais. Esta abordagem contínua imprimiu um maior dinamismo e uma maior fluidez ao Serviço de Medicina Interna, permitindo que as transferências para o domicílio aconteçam atualmente numa fase relativamente precoce do internamento, libertando camas para os doentes mais graves ou outros que requeiram investigação diagnóstica. Já estava no quotidiano da UHD este tipo de complementaridade ao internamento convencional, mas nesta fase optmizaram-se os tempos de avaliação e estabeleceu-se um maior diálogo com os serviços que levou a uma maior precocidade nas transferências.

Com o intuito de criar portas de entrada no hospital alternativas ao Serviço de Urgência, muitos doentes passaram a ser sinalizados à UHD por referenciação direta desde as Consultas Externas ou Hospitais de Dia de várias especialidades médico-cirúrgicas: Medicina Interna, Gastrenterologia, Nefrologia, Hemato-Oncologia, Cirurgia Geral, Cirurgia Vascular, Urologia, Obstetrícia e Ginecologia, entre outros. Também alguns médicos de Medicina Geral e Familiar optaram por referenciar diretamente doentes, sobretudo com patologia infeciosa com indicação para antibioterapia endovenosa. Nestas situações o doente é contactado pela equipa e, caso estejam reunidas as condições e haja aceitação, é programada admissão no domicílio no próprio dia ou na manhã seguinte,evitando a sua deslocação ao hospital e todo o circuito de risco que esta deslocação implicaria. Na primeira visita é feita uma avaliação inicial que pode incluir avaliação analítica/gasimétrica, colheita de culturas, biópsias cutâneas e instituição terapêutica, bem como avaliação nutricional e recomendação de dieta ajustada.

 

UHD-COVID

A equipa UHD-COVID do HGO foi criada exclusivamente para doentes com infeção a SARS-CoV2 com critérios de internamento hospitalar que cumpram o definido pela norma da DGS 004/2020:

- após o sétimo dia de internamento hospitalar

- estabilidade clínica e evolução favorável

- débito de O2 igual ou inferior a 2 L/min

- condições sociais que permitam isolamento em casa

- cuidador não portador de condição de saúde vulnerável

 

Após a avaliação inicial da equipa médica e de enfermagem e caso se verifiquem critérios clínicos para internamento em HD, é realizada avaliação social pela Técnica Superior de Serviço Social da unidade, de modo a assegurar o isolamento no domicílio. É fornecida informação em suporte de papel ao doente/cuidador sobre as medidas de isolamento a adoptar em casa.

Assim que se encontrem reunidas as condições necessárias os doentes são transferidos para casa ficando, na sua maioria, telemonitorizados, garantindo um maior nível de vigilância e de segurança e evita deslocações desnecessárias ao domicílio. Deste sistema faz parte um botão de pânico e de deteção de quedas.

São realizadas visitas presenciais, via telefone ou por teleconferência pela equipa médica e de enfermagem, bem como a medição dos sinais vitais à distância (pressão arterial, temperatura, saturação periférica de O2, peso e glicémia).

A Farmácia do hospital garante e fornece toda a terapêutica que o doente precisa até ao fim do internamento, reduzindo o número de deslocações da equipa ao domicílio.

Tal como acontece com os restantes doentes, após resolução do quadro agudo de infeção o doente tem alta, ficando referenciado à consulta.

 

 

Consulta UHD-COVID

A Consulta UHD-COVID surgiu para dar resposta a doentes com infeção a SARS-CoV2 que permaneciam internados no hospital, mesmo depois do seu quadro clínico resolvido e já sem critérios de internamento, apenas a aguardar realização de protocolo de cura.

Atualmente, estes doentes têm alta hospitalar mantendo medidas de isolamento no domicílio e referenciados à Consulta UHD-COVID.

A partir da data da alta, é realizada consulta telefónica diária por um dos médicos da equipa da UHD, reforçando o isolamento social e confirmando a estabilidade clínica e boa evolução do doente. São agendadas de forma individualizada as visitas pela equipa ao domicílio para realização das zaragatoas segundo o protocolo de cura. Os doentes têm alta da consulta após 2 testes negativos consecutivos.

 

Conclusão

A HD contribui para a otimização dos serviços de internamento e leva à expansão do hospital ultrapassando os condicionamentos físicos do seu edifício. Pode ainda funcionar como porta de admissão alternativa ao Serviço de Urgência, evitando deslocações do doente desnecessárias e libertando o Serviço de Urgência para o doente urgente e emergente.

A HD representa uma solução para o Sistema Nacional de Saúde perante um problema de sobrelotação, com as vantagens clínicas para o doente, já descritas.

A reorganização da UHD do HGO nesta altura de pandemia está em linha com a dinâmica impressa pela Medicina Interna ao HGO. O ajuste da atividade clínica e o aumento da capacidade da unidade a vários níveis são uma mais-valia na resposta do HGO frente às dificuldades enfrentadas no momento atual. A capacidade de adaptação e o dinamismo da equipa ficaram espelhados nesta dinâmica, e os resultados têm sido positivos. Esperamos que seja uma lição para o futuro, e que as boas práticas sejam exemplo e ação para a melhoria.

 

REFERÊNCIAS

1.     Direção-Geral da Saúde. Hospitalização Domiciliária em idade adulta. Norman.º 020/2018 20/12/2018. 2018:1-22. [consultado 25 Abril 2020] Disponível em:  http://nocs.pt/hospitalizacao-domiciliaria-emida-de-adulta.

2.     Leff B, Burton L, Mader SL, Naughton B, Burl J, Inouye SK et al. Hospital at home: feasibility and outcome of a program to provide hospital-level care at home for acutely ill older patients. Ann Intern Med. 2005; 143: 798- 808.         [ Links ]

3.     Varney J, Weiland TJ, Jelinek G. Efficacy of hospital in the home services providing care for patients admitted from emergency departments: an integrative review. Int J Evid Based Healthc. 2014; 12:128-4.         [ Links ]

4.      Delerue F, Correia J. Hospitalização Domiciliária mais um Desafio para a Medicina Interna.  Med  Interna. 2018;25;15-7. doi: 10.24950/rspmi/Op/1/2018.         [ Links ]

5.     Cunha V, Escarigo MC, Correia J, Nortadas R, Azevedo PC, Beirão P, et al . Home Hospitalization: One Year Balance of the First Portuguese Unit. Med Interna. 2017;24:290-5. doi: 10.24950/rspmi/O112/17/2017.         [ Links ]

6.     World Health Organization. Home care for patients with suspected novel coronavirus (COVID-19) infection presenting with mild symptoms, and management of their contacts. Feb 4, 2020. [consultado 25 Abril 2020] Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/home-care-for-patients-with-suspected-novel-coronavirus-(ncov)-infection-presenting-with-mild-symptoms-and-management-of-contacts        [ Links ]

7.     Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Documento de Consenso de Peritos sobre o Posicionamento da Hospitalização Domiciliária como Estratégia Integrada no Plano Nacional de Preparação e Resposta para a Doença por Coronavirus (COVID-19).Lisboa: SPMI; 2020.         [ Links ]

8.     Direção Geral da Saúde. Covid-19: Fase de mitigação. Norma nº 004/2020 de 23/03/2020.  [consultado  25  Abril  2020]  Disponível em: https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0042020-de-23032020-pdf.aspx

9.     Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. ;395:1054-62. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30566-3.         [ Links ]

 

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

 

Ethical disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interestto declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Provenance and Peer Review: Commissioned; without externally peer re-viewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) 2019. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) 2019. Re-use permitted under CC BY- NC. No commercial re-use.

 

Correspondence/ Correspondência:

Rita Nortadas - ritanortadas@msn.com

Unidade de Hospitalização Domiciliária, Serviço de Medicina Interna, Hospital Garcia de Orta; Almada, Portugal

Av. Torrado da Silva, 2805-267 Almada

 

Received/Recebido: 02/05/2020

Accepted/Aceite: 02/05/2020

 

Publicado / Published:8 de Maio de 2020

 

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