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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.28 no.1 Lisboa Mar. 2021  Epub Mar 15, 2021

https://doi.org/10.24950/pp/1/2021 

Página do Presidente/ Presidents Page

A SPMI é o Rosto da Medicina Interna há 70 anos!

SPMI has been the Face of Internal Medicine for 70 years!

João Araújo Correia1  , Presidente
http://orcid.org/0000-0002-6742-3900

1Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna


Mesmo sem nos podermos abraçar, os Internistas devem iniciar este ano de 2021 de peito cheio! É verdade que o desgaste provocado por esta terrível pandemia COVID, já é visível em muitos de nós. Também nos desesperamos pela gritante falta de equidade entre os Especialistas e Internos de áreas médicas diversas, no esforço que é pedido para este combate. A luta contra uma pandemia, precisa da entreajuda de todos os médicos, dando cada um o que lhe é possível, até ao limite das suas competências. Mas, a verdade é que nunca como hoje a Medicina Interna (MI) teve tanta visibilidade, tornando-se óbvio aos olhos de todos, que é a especialidade basilar do SNS no Hospital. Só os Serviços de MI conseguem multiplicar o número de camas á sua responsabilidade, mantendo uma resposta estruturada, confiável e segura! Se na gripe sempre o fizemos todos os Invernos, com o aumento da lotação em mais de 30% para responder às necessidades de internamento do Serviço de Urgência (SU), agora com a pandemia COVID-19, esse “milagre” anual ficou escancarado nas páginas dos jornais.

Mas, a celebração que este ano temos de fazer, é a do 70º aniversário do nascimento da SPMI, que ocorreu no dia 14 de Dezembro de 1951. É um bom princípio, comemorar datas importantes. É uma forma de valorizarmos os factos relevantes das nossas vidas e de relembrarmos aqueles que já nos deixaram, mas que muito contribuíram para que aqui pudéssemos chegar.

A SPMI é a maior Sociedade Científica Médica Portuguesa, com cerca de 3200 associados. Promove todos os anos um dos maiores Congressos Médicos Nacionais, que mesmo no ano de 2020 se realizou, numa janela de oportunidade deixada pela pandemia, com êxito assinalável e inesquecível, em vista das circunstâncias. Tem constituídos 21 Núcleos de Estudo, cada um deles agregando Internistas que desenvolvem competências em grupos de patologias ou interesses específicos, que vão desde as Doenças Autoimunes, a Medicina de Urgência, a Diabetes, a Doença VIH, a Insuficiência Cardíaca, a Hospitalização Domiciliária, os Cuidados Paliativos, á Bioética. Os NE desdobram-se em atividades, desde a formação entre pares e a outras especialidades, até á dádiva do seu tempo para darem informações úteis aos seus doentes específicos. Ainda agora, com a pandemia COVID-19, foram inúmeros os Webinares que organizaram, colocando-se como líderes de opinião acerca das repercussões desta doença, nas patologias de que se ocupam. O Centro de Formação da SPMI, certificado pela Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), é um exemplo cobiçado por outras Sociedades Científicas, com um crescimento exponencial de cursos de alta qualidade, presenciais e virtuais.

O modelo do exercício de Medicina Interna em Portugal, caracteriza-se por uma fortíssima formação generalista, que permite a qualquer Internista ter a “plasticidade” muito apreciada pelas Administrações Hospitalares, de se adaptar a trabalhar em qualquer área mais deficitária na Instituição. Sente-se apto a trabalhar na enfermaria de agudos, na gestão dos doentes crónicos complexos, na discussão de casos raros e difíceis, no Serviço de Urgência, nas Unidades de Cuidados Intermédios, nos Cuidados Paliativos, ou nas várias Comissões de Qualidade e Segurança. Mas, há Internistas dedicados há vários anos ao tratamento dos doentes de áreas particulares (doenças autoimunes, doença VIH, diabetes, medicina obstétrica, medicina de urgência, hospitalização domiciliária, insuficiência cardíaca, cuidados paliativos, hipertensão pulmonar, doença respiratória crónica, doença hepática crónica), que deverão ter o reconhecimento das suas competências. Por isso, a proposta desta Direção da SPMI, dirigida aos Núcleos de Estudo (NE), é a definição de Critérios de Certificação de áreas específicas do conhecimento para especialistas de Medicina Interna. Esses critérios deverão ser públicos, com reconhecimento interpares, baseados nos dados da literatura.

Com a parceria estratégica com a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), temos podido denunciar a situação calamitosa dos internamentos inapropriados nos Serviços de Medicina, em que 25% das camas estão ocupadas por doentes com alta clínica, que paulatinamente vai obrigando a uma melhor resposta da Segurança Social. Também fomos chamados a participar no fornecimento dos dados técnicos a um programa da Organização Mundial da Saúde (OMS), que permite a previsão das necessidades materiais e de meios humanos, a partir do número de infetados COVID-19. Fizemo-lo com gosto, porque acreditamos que para uma boa qualidade da resposta, temos de ter o tempo necessário de programação. Nestes aspetos tão importantes da política de saúde, a SPMI tem sido chamada a pronunciar-se, e os meios de comunicação dão eco das nossas posições, sempre na defesa de um SNS forte e capaz.

Denunciamos o erro que Portugal cometeu ao fazer um trajeto de contínua redução de camas hospitalares nos últimos 20 anos, com o argumento de que uma gestão mais eficiente o permitiria. A evolução demográfica, trocou as voltas aos gestores hospitalares. Ficamos a saber no final de 2018, que Portugal é o quinto País mais envelhecido do mundo, substituindo a Alemanha, numa lista liderada pelo Japão, a que se seguem a Itália, a Grécia e a Finlândia (PORDATA). O preço da longevidade é a multimorbilidade e a dependência, que temos de combater, mas que sempre avança, seja ela de carater motor ou cognitivo. Por isso, o peso no SNS do doente crónico complexo vai-se acentuando cada vez mais, traduzido em múltiplos recursos ao Serviço de Urgência e inúmeras hospitalizações, com tempos de internamento alargados. Portugal, tinha 395,9 camas/100 000 habitantes em 1985, tendo, em 2017, 339,3/100 000, sendo a média dos 27 Países da União Europeia de 541,4 camas/100 000, e na Alemanha é de 800,2 camas/100 000 habitantes. A trabalhar “sem folga”, não conseguimos acomodar uma gripe, quanto mais uma pandemia, sem prejudicar muitos doentes com outras patologias, que têm de ver adiados os seus tratamentos.

Entre 2001 e 2011, em cada ano, mais de 70 em cada 100 portugueses recorreram a uma urgência hospitalar, enquanto a média dos Países da OCDE foi de 31/100 habitantes. Este é o aspeto mais eloquente das disfunções dos Serviços de Urgência em Portugal, com a procura desenfreada e sem controlo, de doentes com doença aguda ligeira, que representam mais de 40% dos recursos. Para além disso, apenas 10% dos episódios de urgência têm observação médica prévia e 80% dos casos são de doença médica aguda, o que resulta numa amálgama de doentes a aguardar observação, com graus de gravidade muito diferentes. É por isso, que neste contexto nacional, em que não se pode confundir a Urgência com a Emergência, que defendemos a continuidade da Medicina Interna como a especialidade basilar do Serviço de Urgência, para garantia da qualidade assistencial e segurança dos doentes.

Sempre foi a nossa convicção de que o tratamento integrado do doente crónico e a resposta racional ao doente agudo, necessita da cooperação fluida entre a Medicina Interna e a Medicina Geral e Familiar. A SPMI e a APMGF assinaram dois documentos de consenso: “Gestão do Doente Agudo em Portugal” e “Tratamento do Doente Crónico em Portugal”. Ambos os documentos foram entregues na Secretaria de Estado da Saúde, depois de duas reuniões históricas conjuntas da SPMI e da APMGF na própria SES. Esperamos que os documentos sejam lidos com a atenção que merecem, e deles sejam tiradas as devidas consequências, para que ocorra um verdadeiro salto qualitativo na organização dos serviços de saúde.

Em Portugal, há lugar para a medicina pública e privada, mas temos que reconhecer a existência de uma enorme confusão das responsabilidades de cada uma. Deve-se a Leonor Beleza, então Ministra da Saúde, a instituição do regime de exclusividade dos médicos. A ideia era a progressiva separação do exercício da medicina pública e privada, como acontece na maioria dos Países europeus. Para além disso, esperava-se dos médicos em exclusividade uma maior dedicação, pelo que lhes seriam reservados os cargos de direção dos Serviços e Departamentos. Infelizmente, a execução da lei do regime de exclusividade, foi desastrosa! A adesão era voluntária, mas tinha de ser concedida sempre que era requerida. Dados os constrangimentos físicos dos Centros de Saúde, a maior disponibilidade dos clínicos, não aumentou o número de consultas realizadas. Nos hospitais, o regime de exclusividade foi atribuído a centenas de médicos em pré-reforma. A exclusividade dos Médicos não garante por si só o aumento da produtividade, mas os Médicos em exclusividade, estarão mais disponíveis e dedicados á Instituição, com capacidade para que lhes sejam pedidas tarefas suplementares, em períodos de crise. A exclusividade deveria ser uma possibilidade e não um direito adquirido, sendo o candidato sujeito a um rigoroso escrutínio. Para o exercício dos cargos de Direção dos Serviços ou Departamentos, deveria ser obrigatória.

Em 2017, começamos a reivindicar para a Medicina Interna o papel central que devemos ter no aconselhamento dos hábitos de vida saudável. Quem melhor do que nós, especialistas de todos os órgãos e sistemas, e da forma como interagem no homem inteiro, poderá dizer o que melhor nos protege da doença e nos preserva a saúde? A Festa da Saúde, já é uma marca da SPMI na promoção da saúde individual e da comunidade, que as Câmaras Municipais disputam para a proporcionar aos seus munícipes. Em 2021, no primeiro fim-de-semana de Julho, estaremos em Aveiro!

Por tudo isto, mais do que nunca, tenhamos orgulho ao dizer: Sou Internista e pertenço á maior e mais ativa Sociedade Médica Portuguesa!

1

Recebido: 04 de Janeiro de 2021; Aceito: 04 de Janeiro de 2021

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