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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.29 no.2 Lisboa jun. 2022  Epub 01-Set-2022

https://doi.org/10.24950/rspmi.644 

Editorial

O Caso das Doenças Raras

The Rare Díseases lssue

1Editor-Chefe, Revista Portuguesa de Medicina Interna, Lisboa, Portugal

2Hospital da Luz, Lisboa, Portugal


O conceito de Doença Rara, na aparência difuso e impreciso, tem um fundamento epidemiológico: a variável prevalência. Contudo esta não está uniformizada. Na Europa entende-se que uma doença é rara se a sua prevalência for inferior a 50/1 00 000. Do outro lado do Atlântico vigora uma definição assumida há quase quatro décadas (American Orphan Drug Act, 1983): 86/100 000 (registo de menos de 200 000 indivíduos nos Estados Unidos da América).1

A este fenómeno não será alheia a existência de vários indicadores: incidência anual, prevalência na ocasião do nascimento, prevalência ao longo da vida (!ifetime prevalence), prevalência num momento (point prevalence) e número de casos/famílias publicadas. A literatura especializada considera mais rigorosa a prevalência num momento apurada a partir do produto entre a prevalência à data do nascimento, e o ratio entre a expectativa de vida do doente e a da população geral (este cálculo para um cenário de doença congénita com uma expectativa de vida conhecida). Para o caso das doenças com duração conhecida obtém-se o resultado a partir do produto entre a incidência e a duração média da doença.2,3

Na Orphanet, uma rede de trabalho financiada (entre outros) pela Comissão Europeia, estão registadas 6172 doenças raras, mas admite-se que o seu número ultrapasse as 7000. A nível mundial estarão afectados cerca de 263 a 446 milhões de indivíduos, e a nível nacional 800 000 (8% da população portuguesa). Os dados são obtidos através do escrutínio de trabalhos publicados em revistas com processo de revisão por pares (83), de publicação de casos e de comunicações pessoais.

Sendo doenças raras não existem bases de dados ou casuísticas extensas que permitam a realização de estudos clínicos fortes em termos da apreciação de métodos de diagnóstico, da história natural (a cronicidade é um figurino habitual, mas não exclusivo), da monitorização e de resultados terapêuticos. A expressão clínica não tem especificidade na maior parte das situações, muitas não têm marcadores de diagnóstico laboratoriais ou imagiológicos e as opções terapêuticas curativas são excepcionais. Admite­se que 71,9% tenham raiz genética e que 69,9% se manifestam em idades pediátricas. A abordagem multidisciplinar é desejável quando não incontornável (Pediatria, Medicina Interna, Genética, Hematologia, Ortopedia, Neurologia, Farmacologia Clínica entre diversas especialidades de órgão ou sistema).

Nesta edição da Medicina Interna são publicadas duas séries de portadores de doenças raras: osteogénese imperfeita em adultos,4 e doença de Gaucher e terapêutica enzimática de substituição5: série de casos. Sofrendo as vicissitudes de serem estudos retrospectivos, o que é reconhecido pelos autores, têm a virtude de alertar o leitor para questões que se prendem com a detecção tardia em algumas situações, o diagnóstico clínico (osteogénese imperfeita, OI) e o clínico-laboratorial (doença de Gaucher, DG), a importância da identificação de mutações (diagnóstico genético}, a terapêutica e o prognóstico funcional e vital. No capítulo do tratamento deve referir-se a diferença radical entre as opções num e noutro caso: reforço da massa óssea na OI (também conhecida por doença de Lobstein) e uma intervenção de substituição enzimática, ou de redução de substracto, na doença de Gaucher, neste caso um exemplo de tratamento de precisão com alvo terapêutico definido. Mais recentemente abriram-se novas perspectivas com a transplantação de células hematopoiéticas não diferenciadas, preferivelmente de células fetais que possam evoluir diferenciando-se osteoblasticamente (OI), bem como as terapêuticas genéticas (genes introduzidos em células hematopoiéticas posteriormente injectadas (01, DG).6-8

Há que saudar o trabalho e a intervenção do Núcleo de Doenças Raras do Sociedade Portuguesa de Medicina lnterna.9 A presença em reuniões nacionais e internacionais, bem como a realização de um Congresso Nacional dentro de algumas semanas (à data da elaboração deste Editorial) são prova de um dinamismo exemplar que transparece da riqueza do domicílio electrónico bem farto em iniciativas de ensino, ferramentas de diagnóstico e projectos subordina­dos ao estudo de patologias distintas.

Relembro a citação de abertura da Orphanet "Não há nenhuma doença que seja tão rara que não mereça a nossa atenção".

REFERÊNCIAS

2. Orphanet. Epidemiology of rare diseases in Orphanet -Prevalence, incidence and number of published cases or families; 2019. [consultado Maio 2022] Disponível em: https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php [ Links ]

3. Nguengang Wakap S, Lambert DM, Olry A, Rodwell C, Gueydan C, et ai. Estimating cumulative point prevalence of rare diseases: analysis of the Orphanet database. Eur J Hum Genet. 2020; 28: 165-73. doi: 10.1038/s41431-019-0508-0 [ Links ]

4. Martins R, Baptista P, Rocha S, Guimas A, Ribeiro R. Os­teogénese lnperfeita Em Adultos - A Experiência de um Centro Hospitalar. Rev Soe Port Med Interna. 2022;29: 120-7. doi: 10.24950/rspmi.631 [ Links ]

5. Sá A, Oliveira N. Doença de Gaucher e Terapêutica En­zimática de Substituição: Casuística de um Serviço. Rev Soe Port Med Interna. 2022;29: 89-94. doi: 10.24950/respmi.632 [ Links ]

6. Guillot P. Stern cell & gene therapy to treat osteogenesis imperfecta: hype or hope; 2021. [consultado Maio 2022] Disponível em: https://www.openaccessgovernment.org/stem-cel I-gene-therapy-to-treat-osteogenesis-i mperfec­ta-hype-or-hope/121568/ [ Links ]

7. Besia R, Forlino A New frontiers for dominant osteoge­nesis imperfecta treatment: gene/cellular therapy approa­ches. Adv Regen Biol 2015;2: 1-9. doi: 10.3402/arb. v2.27964 [ Links ]

8. Stirnemann J, Belmatoug N, Gamou F, Serratrice C, Frois­sart R, Caillaud C, et ai. A Review of Gaucher Disease Pa­thophysiology, Clinicai Presentation and Treatments. lnt J Mol Sei. 2017;18:441. doi: 10.3390/ijms18020441. [ Links ]

9. Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Núcleo de Estudos de Doenças Raras (NEDR) da Sociedade Portu­guesa de Medicina Interna 2020 [consultado Maio 2022] Disponível em: https://www.spmi.pt/nucleo-estudos­-doencas-raras/#atividades-nucleoLinks ]

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