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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.29 no.3 Lisboa set. 2022  Epub 15-Out-2022

https://doi.org/10.24950/rspmi.919 

Página do Presidente

O SNS e a sua Circunstância

The NHS and its Circumstance

1Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, Lisboa, Portugal


Em 1979 começou a grande reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desenhada pelo Dr. António Arnaud mas, de imediato, apoiada e assumida pelos portugueses como uma das grandes bandeiras de um país livre em que todos os cidadãos têm direito à proteção da saúde. Como declarava anos depois o seu fundador, afirmação, aliás, repetida pela Ministra da Saúde aquando da comemoração dos 40 anos do SNS, “o SNS melhorou a qualidade de vida, a justiça social, a confiança e a dignidade dos portugueses”.

O SNS português tem sido o exemplo de um dos melhores sistemas de saúde da Europa e do Mundo. Teremos que questionar, então, as razões para muitos descontentamentos da população e dos profissionais. Sem dúvida que um dos grandes problemas, talvez até o fulcro da questão, é o da acessibilidade aos cuidados de saúde. Se os circuitos fluíssem tudo seria mais coordenado e ágil.

Como consequência, temos serviços de urgência (SU) com excesso de doentes e com profissionais cansados e preocupados com a segurança destes. O atendimento é apressado e desorganizado e até há falta de humanização dos cuidados.

Portugal é o país da OCDE com maior número de re- cursos ao SU por cada 100 habitantes, rondando os 16 mil episódios por 24 horas.1 Destes, cerca de 41%-42% são doentes (habitualmente triados com pulseiras verdes ou azuis), que embora necessitando de atendimento médico rápido, não teriam necessidade de ser atendidos num Serviço de Urgência onde outros doentes mais emergentes podem passar despercebidos e aí, o prejuízo é irreversível.2 Uma das soluções fundamentais é reduzir o número de idas ao SU e um dos problemas está a montante e fora dos

hospitais.3,4

Há necessidade de reforçar a rede de Cuidados Primários nos Centros de Saúde, com médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar (MGF) que vão seguir os doentes crónicos, que conhecem bem o seu contexto social e familiar e que, em caso de descompensação possam atendê-los em tempo útil, evitando que tenham de recorrer ao SU hospitalar. Os Centros de Saúde precisam estar abertos até mais tarde, apetrechados com alguns exames complementares que possam suportar decisões de diagnóstico ou terapêutica e onde, caso necessário, um ou outro doente possa permanecer algumas horas para terapêuticas mais prolongadas ou de administração que necessite vigilância.

A ideia que está a ser veiculada de que estas soluções são impossíveis e demoradas e de que não há médicos de família suficientes, é errada. Há médicos especialistas em MGF para cobrir as necessidades e todos os anos são formados novos especialistas de MGF, cuja formação específica demora 4 anos. No entanto, estes especialistas preferem sair do SNS por aí sentirem falta de reconhecimento. É preciso dar a todos estes médicos as condições de valorização do seu trabalho e os recursos para os manter no SNS.

É um erro e um atendado ao SNS, aos doentes e aos profissionais pensar em soluções como substituir médicos especialistas por outros não diferenciados, sem qualquer formação especializada. Isto é reduzir a qualidade assistencial aos doentes e subverter um dos princípios do SNS, o da igualdade entre cidadãos, uns com acesso a um médico especialista e outros não.

Por outro lado, o investimento nos hospitais em soluções com acesso rápido dos doentes a consultas abertas hospitalares, unidades de diagnóstico rápido, hospitais de dia, equipas de suporte a doentes crónicos e soluções de proximidade como a telemedicina poderiam também reduzir o afluxo de doentes ao SU, minorar complicações e dar mais segurança aos doentes e aos profissionais.

Existem alternativas e com elas teríamos, muito provavelmente, não 16 mil episódios de urgência nas 24 horas nos hospitais, mas 9200 ou 9300 ou ainda menos.

Uma solução muitas vezes defendida por alguns, é a criação de uma nova especialidade, de Urgência e Emergência. Criar uma especialidade de medicina de urgência não responde a esta problemática. Encher o SU de médicos é uma medida de curto prazo, mas sem sustentabilidade ou racionalidade. Até pode ser uma saída possível para qualificar alguns médicos sem especialidade que trabalham em regime de tarefa nos SU, mas não constitui nenhuma solução para o problema essencial. Vamos continuar com os mesmos doentes ou mais.

Quem tem assegurado maioritariamente os Serviços de Urgencia são os especialistas de Medicina Interna. Os internistas têm competência para garantir a maioria das situações médicas urgentes e emergentes, e na verdade asseguram-nas diariamente em todo o país. Se forem formados e colocados no SNS mais internistas nos hospitais, é possível completar as equipas-tipo de urgência de medicina interna e construir simultaneamente as restantes soluções que são alternativas racionais ao SU.

Para além disto, os internistas são o garante da continuidade dos cuidados. Cerca de 70% dos doentes internados são provenientes do SU. Nas áreas médicas esse número chega aos 90%. O especialista de Medicina Interna, está especialmente vocacionado para o acompanhamento dos doentes num circuito completo, desde a sua entrada no hospital através da urgência ou da consulta, passando pelo internamento nas suas diferentes formas, em enfermaria, nos cuidados intermédios ou intensivos e no domicílio, nos hospitais de dia, nos cuidados paliativos, em diversas unidades multidisciplinares até ao momento da alta e, novo, na consulta. É o internista que faz uma abordagem sistémica no doente com doença aguda ou crónica descompensada e que utiliza como arma, o raciocínio clínico para chegar aos diagnósticos difíceis.

Concluindo, é preciso maior investimento nos Cuidados de Saúde Primários promovendo a redução da população sem Médico de Família e facilitando a assistência de qualidade por especialistas de MGF que são os médicos preparados para tal. É fundamental investir e tornar mais atrativos os Hospitais, garantindo clínicos qualificados e em número adequado com condições para exercer a sua atividade. É necessário investir nas formas alternativas ao SU. É importante alterar o modelo de financiamento dos Cuidados Primários e dos Hospitais e permitir mais autonomia para contratações e aquisição de equipamentos, assim será possível melhorar a organização, validar opções, exigir e avaliar resultados.

Estas são as “circunstâncias”, é preciso modificá-las para salvar o SNS.

REFERÊNCIAS

1. Serviço Nacional de Saúde. Monitorização diária dos Serviços de Urgência [consultado em 10/07/2022]. Disponível em: https://www.sns.gov.pt/monitorizacao-do-sns/ servicos-de-urgencia/Links ]

2. McHale P, Wood S, Hughes K, Bellis MA, Demnitz U, Wyke S. Who uses emergency departments inappropriately and when - a national cross-sectional study using a monitoring data system. BMC Med. 2013;11:258. doi: 10.1186/1741-7015-11-258. [ Links ]

3. Berchet C. Emergency Care Services: Trends, Drivers and Interventions to Manage the Deman. In: OECD Health Working Papers, No. 8. Paris: OECD Publishing; 2015. [consultado em 10/07/2022]. Disponível em: https://doi. org/10.1787/5jrts344crns-en. [ Links ]

4. OECD. Tackling Wasteful Spending on Health. Paris: OECD Publishing; 2017. [consultado em 10/07/2022]. Disponível em: https://doi.org/10.1787/9789264266414-en. [ Links ]

Responsabilidades Éticas

Suporte Financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa.

4Ethical Disclosures Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financial Support: This work has not received any contribution grant or scholarship. Provenance and Peer Review: Commissioned; without external peer review.

5© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e Revista SPMI 2022. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial. © Author(s) (or their employer(s)) and SPMI Journal 2022. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use

Recebido: 18 de Julho de 2022; Aceito: 18 de Julho de 2022

Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons