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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.29 no.3 Lisboa set. 2022  Epub 15-Nov-2022

https://doi.org/10.24950/rspmi.537 

Artigos de Revisão

Hipertensão Arterial na Mulher Grávida

Arterial Hypertension in Pregnant Woman

Vitória Cunha1 
http://orcid.org/0000-0002-9238-8668

Pedro Marques da Silva2 

1Serviço de Medicina, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal

2Unidade Funcional Medicina IV, Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central, Hospital de Santa Marta, Lisboa, Portugal.


Resumo

Os distúrbios hipertensivos da gravidez continuam a ser causa de morbilidade e mortalidade materna e fetal, não só na gravidez e periparto, mas também na vida futura da mãe e do bebé. É fundamental não só entender os mecanismos fisiopatológicos de base, mas também saber proceder ao diagnóstico com a metodologia adequada, avaliação de risco da mulher, e conhecer as opções terapêuticas particulares desta condição. A vigilância tem em conta os vários tipos de distúrbios hipertensivos, visto o risco de evolução para condições potencialmente graves e/ou fatais pode ter consequências catastróficas. Este artigo procura rever a Hipertensão arterial na mulher grávida em todos os aspetos fundamentais, para a abordagem mais adequada do ponto de vista do internista.

Palavras-chave: Eclâmpsia; Fatores de Risco de Doenças Cardíacas; Gravidez; Hipertensão; Pré-Eclâmpsia.

Abstract

Hypertensive disorders of pregnancy continue to be a cause of maternal and fetal morbidity and mortality, not only in pregnancy and peripartum but also in the future life of the mother and baby. It is essential not only to understand the underlying pathophysiological mechanisms, but also to know how to make the diagnosis with the appropriate methodology, assess the woman’s risk, and know the particular therapeutic options. Surveillance takes into account the various types of hypertensive disorders, as the risk of progression to potentially serious and/or fatal conditions can have catastrophic consequences. This article seeks to review arterial hypertension in pregnant woman in all fundamental aspects, for the most appropriate approach from the internist’s point of view.

Keywords: Eclampsia; Heart Disease Risk Factors; Hyper-tension; Pregnancy; Pre-Eclampsia.

Introdução

A hipertensão arterial (HTA) é um problema médico comum na gravidez. Verifica-se aliás, que ao contrário do que seria expectável, dada a evolução da ciência, a prevalência das complicações hipertensivas na gravidez tem au-mentado em todo o mundo. As principais causas para este agravamento são o facto de as mulheres engravidarem cada vez mais tardiamente, e o grande aumento na prevalência da obesidade que se tem verificado em todo o mundo. Cerca de 15% das gravidezes são complicadas por HTA, sendo que 20% destas decorrem em mulheres previamente hipertensas; aproximadamente 5% a 6% das mulheres grávidas veem o seu estado clínico complicado por hipertensão gestacional, que, em 1% a 2% dos casos, evolui para pré-eclâmpsia (PE). No global, a HTA é responsável por cerca de um quarto dos internamentos e é a segunda causa de morte materna.1-4

Os distúrbios hipertensivos na gravidez estão arrolados a uma significativa morbilidade e mortalidade materna, fetal e neonatal. Para além das possíveis consequências imediatas para a mãe e para o bebé, tem-se comprovado que uma gravidez complicada por HTA revela uma predisposição para doença cardiovascular e funciona como um stress test que identifica mulheres em risco de doença futura.5 Apesar dos avanços científicos, continua a não estar completamente esclarecido como é que a gravidez instiga ou agrava a hipertensão.

1. ALTERAÇÕES ADAPTATIVAS, FISIOLÓGICAS, DA PRESSÃO ARTERIAL DURANTE A GRAVIDEZ

A gravidez é normalmente acompanhada por um conjunto de alterações hemodinâmicas e vasculares que começam desde muito cedo e tendem a atingir o seu máximo durante o segundo trimestre, estabilizando depois até ao parto. No conjunto, visam concorrer para o crescimento e desenvolvimento harmonioso fetal e para proteger a mãe dos riscos inerentes ao stress (em particular, o hemorrágico) do parto. Regista-se, assim, um aumento do débito cardíaco, com retenção de sódio e água e expansão do volume sanguíneo (e da massa eritrocitária), e uma diminuição das resistências vasculares periféricas e da pressão arterial sistémica.

Durante o primeiro trimestre há uma descida da pressão arterial (PA), em especial da pressão diastólica (8 a 15 mmHg), relacionada com processos dependentes de mediadores autacoides vasodilatadores. Esta “queda” inicial continua a fazer-se sentir até às 20-24 semanas, altura em que atinge o seu valor máximo. Segue-se um aumento gradual da PA que pode atingir valores similares aos do período antes da gravidez próximos do parto.

Esta variação ocorre tanto na mulher hipertensa como na normotensa e tende até, de algum molde, a ser mais pronunciada na grávida com o diagnóstico prévio de HTA. Dessa forma, em algumas mulheres, a subida habitual da pressão arterial no terceiro trimestre é “confundida” erroneamente com um distúrbio hipertensivo relacionado com a gravidez (em particular, com a PE). Também, por isso, as mulheres com uma pressão arterial diastólica (PAD) igual ou superior a 75 mmHg ou uma pressão arterial sistólica (PAS) igual ou superior a 120 mmHg a meio da gravidez, ou aquelas com uma PAD igual ou superior a 85 mmHg ou uma PAS igual ou superior a 130 mmHg no fim da gravidez, merecem uma mo-nitorização mais apertada.

No pós-parto imediato a PA geralmente diminui de novo, e aumenta nos primeiros cinco dias pós-parto. Algumas mulheres com uma variação tensional hemodinâmica normal e adequada durante toda a gravidez podem aparentar, durante o pós-parto imediato, períodos transitórios de subida dos valores tensionais sem significado aparente, relacionados, provavelmente, com alguns períodos de instabilidade vaso-motora. Do ponto de vista clínico, é fundamental atentar para as variações da PA até aos 42 dias pós-parto, pois podem ajudar a reclassificar algumas das condições hipertensivas relacionadas com a gravidez.

2. DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO DE RISCO

2.1. Medição da PA

A medição da PA na gravidez merece cuidados especiais. Deve ser sempre obtida na posição sentada, com uma braçadeira adequada ao perímetro braquial e com o braço colocado ao nível do coração (o decúbito lateral esquerdo pode ser uma alternativa razoável, particularmente durante o parto) e confirmada em, pelo menos, duas ou mais ocasiões. Recomenda-se, atualmente, que a PAD esteja em consonância com a fase V dos sons de Korotkoff; a fase IV de Korotkoff, como indicação da PAD, só deve ser registada quando os sons auscultatórios persistem para níveis próximos dos 0 mmHg. O esfigmomanómetro de coluna de mercúrio continua a ser o gold standard para a medição da PA na grávida, visto que a maioria dos aparelhos digitais automáticos não estavam devidamente validados nesta população - em particular na PE - e tendiam a subestimar os valores registados. No entanto, dada a menor disponibilidade dos esfigmomanómetros de mercúrio, tem havido uma maior aposta na validação de aparelhos automáticos oscilométricos.6,7

A monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA) durante 24 horas é superior à medição rotineira da PA em consultório no que respeita à predição de eventos na gravi-dez. Pode desempenhar um papel diagnóstico particular na gravidez e é especialmente útil na validação do diagnóstico de hipertensão “de bata branca” e na identificação precoce das mulheres predispostas a hipertensão da gestação ou a PE (com valores médios diurnos e noturnos significativamente mais elevados, durante o 1º trimestre, e com maior “embotamento” do padrão de dipping noturno, no 3º trimestre, nas mulheres em que ocorre PE). A hipertensão na gravidez diagnosticada por MAPA esteve associada a parto pré-termo, proteinúria e baixo peso ao nascer e é superior à avaliação “clássica” no consultório na predição prognóstica das consequências finais da gravidez. Assim, para além do diagnóstico de HTA de bata branca e evicção de tratamento desnecessário nestes casos, ou do sentido suspeitoso de possíveis casos de PE, a MAPA pode ainda contribuir para a avaliação prognóstica no final da gravidez, devendo, pois, ser pedida nas grávidas de alto risco com HTA e nas grávidas com nefropatia hipertensiva ou diabética. De uma forma geral, como critério de normalidade usam-se os valores mais frequentemente aceites em outros contextos das síndromes hipertensivas, com valores médios da PA < 135/85 mmHg.

Nos dias de hoje faz sentido ainda repensar o uso da telemonitorização como uma solução possível no futuro da vigilância da grávida hipertensa, evitando contactos hospita-lares recorrentes.6

2.2. Exames Complementares

A monitorização da mulher grávida hipertensa deve incluir sempre um hemograma (incluindo hematócrito e plaquetas), enzimas hepáticas, creatinina e ácido úrico. Este último en-contra-se aumentado na PE clinicamente evidente e pode alertar para o risco aumentado de eventos adversos mater-nos ou fetais.

Em todas as grávidas deve ser avaliada a proteinúria: o teste precoce ajuda a detetar doença renal eventualmente preexistente, e na segunda metade da gravidez deteta uma eventual PE. Um teste com 1+ deve promover mais investigação, nomeadamente o ratio albumina: creatinina numa amostra ocasional de urina, sendo que é usado o cut-off de 30 mg/mmol para confirmar o diagnóstico.1 A confirmação em urina de 24 horas não é completamente necessária visto que a demora e adequabilidade na sua colheita não devem atrasar o diagnóstico de PE. O seguimento deve ser mais próximo no caso de proteinúria franca, >2 g/dia.

Além da investigação laboratorial básica deve ser considerada a realização de Doppler das artérias uterinas após as 10 semanas de gestação, para detetar as mulheres com elevado risco de HTA gestacional, PE e restrição de crescimento intrauterino. Pode ser também usado o ratio sFlt1/fator de crescimento placentário para excluir o desenvolvimento de PE quando há suspeita clínica elevada (excluído quando ratio </= 38).

A realização de ecocardiograma materno está normal-mente indicada nas mulheres com HTA crónica geralmente associada a pelo menos um dos seguintes fatores: HTA com mais de 5 anos de evolução, idade materna acima dos 35 anos, diabetes mellitus, índice de massa corporal (IMC) > 35 kg/m2, dislipidémia, história prévia de insuficiência cardíaca ou angina, história familiar de doença cardiovascular hipertensiva.8

O estudo secundário deve ser geralmente protelado para o pós-parto dadas as alterações em particular no sistema renina-angiotensina-aldosterona e a dificuldade na interpretação dos valores envolvidos p.ex. no diagnóstico de hiperal-dosteronismo. No entanto, nos casos de elevada suspeita de feocromocitoma o estudo não deve ser protelado, tendo em conta a urgência no diagnóstico e intervenção pelas potenciais consequências para a mãe e bebé.1

3. DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL NA GRAVIDEZ

A definição de HTA na gravidez tem variado largamente ao longo do tempo, mas nos últimos anos as diferentes recomendações têm sido mais uniformes no valor de PA limite para a mesma - a HTA na gravidez define-se como PAS ≥ 140 mmHg e/ou PA ≥ 90 mmHg em duas ocasiões diferentes com pelo menos quatro horas diferença. Ao contrário da classificação habitual por graus de HTA para a população geral, na grávida existe apenas a definição de HTA e de HTA grave. Esta última define-se como PAS ≥ 160 mmHg e/ou PAD ≥ 110 mmHg (em duas ocasiões diferentes com pelo menos quatro horas de diferença).

A PAD tem mostrado revelar maior valor prognóstico em relação a eventuais consequências adversas na gravidez, quando comparada com a PAS. Alguns autores, reconhecendo a maior variabilidade, menor acuidade prognóstica e a frequente alternação paralela com a PAD, preterem a PAS como critério diagnóstico de HTA na gravidez. Apesar disso, a elevação intermitente da PAS numa grávida deve ser encarada como um potencial marcador de risco para o desenvolvimento futuro de HTA na gestação e aconselhar a uma monitorização eventual mais cuidada.

Segue-se uma descrição dos vários tipos de distúrbios hipertensivos da gravidez, depois resumidos na Tabela 1.

Tabela 1: Classificação dos distúrbios hipertensivos na gravidez. 

Distúrbio hipertensivo Definição
Hipertensão Crónica Diagnosticada antes da gravidez ou < 20 semanas gestação; ou diagnosticada na gravidez e não resolve no pós-parto
Hipertensão Gestacional Diagnosticada > 20 semanas gestação numa mulher com PA prévia normal
Hipertensão Crónica com Pre-eclâmpsia sobreposta PE numa mulher com HTA diagnosticada antes da gravidez ou nas primeiras 20 semanas de gestação
Pré-eclâmpsia HTA + pelo menos um dos seguintes critérios: proteinúria (≥300 mg/24 horas U ou PCR≥ 0,3 mg/dL ou combur 2+); alteração da função renal (Creat>1,1 mg/dL ou aumento para dobro sem outra doença renal); trombocitopénia (<100.000/uL); elevação das transaminases (ALT/AST ≥ duas vezes o limite superior do normal); cefaleias ou alterações visuais de novo sem diagnóstico alternativo; edema agudo do pulmão
Pré-eclâmpsia grave HTA grave (PA igual ou superior a 160/110 mmHg) + pelo menos um dos seguintes critérios: proteinúria (≥300 mg/24 horas U ou PCR≥ 0,3 mg/dL ou combur 2+); alteração da função renal (Creat>1,1 mg/dL ou aumento para dobro sem outra doença renal); trombocitopénia (<100.000/uL); elevação das transaminases (ALT/AST ≥ duas vezes o limite superior do normal); cefaleias ou alterações visuais de novo sem diagnóstico alternativo; edema agudo do pulmão
Eclâmpsia Manifestação convulsiva da patologia hipertensiva da gravidez; Convulsões de novo (tónico-clónicas, focais ou multifocais) sem outra causa aparente
Síndrome HELLP Hemólise (LDH igual ou superior a 600 IU/L), elevação das transaminases (AST e ALT) mais de duas vezes o limite superior do normal, e trombocitopénia com plaquetas inferiores a 100.000/uL

3.1. Hipertensão Crónica (=pré-existente)

Define-se hipertensão crónica ou pré-existente quando o diagnóstico surge antes da gravidez ou é feito nas primeiras 20 semanas de gestação (Tabela 1). Habitualmente persiste para além dos 42 dias do pós-parto. Na grande maioria dos casos decorre de HTA essencial, mas devem ser consideradas algumas causas de HTA secundária (em especial porque falamos de diagnóstico em idade jovem), em particular quando a grávida apresenta valores tensionais francamente eleva-dos (PAS ≥ 180 mmHg ou PAD ≥ 110 mmHg) ou necessita de múltiplos fármacos para o seu controlo. Conforme referido anteriormente, ainda que possa ser dispensável um qualquer protocolo exaustivo de rastreio e diagnóstico das diversas causas de HTA secundária, é importante rastrear o feocromocitoma nos casos suspeitos pela potencial implicação na morbilidade e mortalidade materna e fetal.

A avaliação de lesão de órgão induzida pela HTA - nomeadamente o ecocardiograma para avaliação de hipertrofia ventricular esquerda ou outras alterações estruturais potencialmente prejudiciais para a grávida, e a microalbuminúria e função renal com doseamento de creatinina - pode e deve ser realizada na gravidez. A investigação não é prioritária, mas pode contribuir para uma melhor estratificação de risco e vigilância da mulher.

A HTA crónica pode, ou não, evoluir para PE, não só dependendo do seu controlo ao longo da gravidez, mas também de fatores de risco definidos, bem como de outros aspetos menos bem esclarecidos. A vigilância é a palavra de ordem e recomenda-se o acompanhamento da grávida com HTA crónica em consulta diferenciada.

3.2. Hipertensão Gestacional

A HTA gestacional define-se como a HTA que é diag-nosticada após as 20 semanas de gestação e resolve-se, na maioria dos casos, nos primeiros 42 dias do pós-parto (Tabela 1). Pode evoluir, ou não, para PE, à semelhança do que acontece na HTA crónica, e por fatores igualmente nem sempre estabelecidos.

3.3. Pré-Eclâmpsia

A PE tem sido vista cada vez mais como uma doença sistémica, e não apenas um distúrbio hipertensivo da gravidez. Tal como ilustrado na Fig. 1, patogenicamente é comparada a um desequilíbrio entre o fornecimento sanguíneo uteroplacentário e as necessidades fetais - a principal característica é uma alteração no remodeling da artéria espiral da placenta, de tal forma que há restrição do fluxo sanguíneo placentar e diminuição da perfusão útero-placentar, com consequente restrição de crescimento e libertação de citocinas pro-inflamatórias e fatores antiangiogénicos que são libertados para a circulação materna com alteração de toda a hemodinâmica local. Tudo isto culmina na disfunção endotelial sistémica no leito vascular materno (associado a intenso stress oxidativo), no desequilíbrio de vários fatores angiogénicos, e na alteração da perfusão de órgãos (com vasospasmo, ativação das plaquetas e do sistema de coagulação e formação de micro-trombos).9,10

Restos placentários com fatores anti-angiogénicos; ARDS = síndrome de dificuldade respiratória aguda; AVC = acidente vascular cerebral; CID = coagulação intravascular disseminada; PG = eicosanoides (e.g. rácio TXA1/PGI2); RLO = radicais livres de oxigénio (stress oxidante)

Figura 1:  Patogénese da síndrome materna da pré-eclâmpsia (SOGC, 2008) 

Hoje em dia a proteinúria já não é sinónimo de PE per se. O diagnóstico de PE estabelece-se quando a HTA é diagnosticada na grávida juntamente com pelo menos um dos seguintes critérios: proteinúria (≥300 mg/24 horas U ou PCR≥ 0,3 mg/dL ou combur 2+), alteração da função renal (Creat>1,1 mg/dL ou aumento para dobro sem outra doença renal), trombocitopénia (<100 000/uL), elevação das transaminases (ALT/AST ≥ duas vezes o limite superior do normal), cefaleias ou alterações visuais de novo sem diagnóstico alternativo, edema agudo do pulmão (Tabela 1). A PE pode evoluir para eclâmpsia.

São, hoje, reconhecidos vários marcadores de risco para a PE, referidos a diversos fatores demográficos das grávidas (idade superior a 35 anos), antecedentes familiares, médicos ou obstétricos (PE em gravidez prévia) ou relacionados com características mais específicas da gravidez (Tabela 2). Este quadro clínico é mais frequente na primeira gravidez, na gravidez múltipla, nos casos de mola hidatiforme, síndrome antifosfolipídico ou nos casos em que há previamente à gravidez diagnóstico de hipertensão arterial, doença renal ou diabetes, bem como na obesidade. No entanto, apesar de bem estabelecidos estes marcadores, a maioria dos casos de PE ocorre em nulíparas saudáveis e sem fatores de risco cardiovasculares conhecidos. De referir ainda que não há evidência que os tratamentos para a fertilidade aumentem o risco de HTA ou PE.1 Naturalmente, estes marcadores (ou fatores) de risco estão, de uma forma ou de outra, suportados nas alterações fisiopatológicas que caracterizam a PE ou que precedem as suas manifestações clínicas.

Tabela 2: Fatores de risco mais importantes no desenvolvimento de pré-eclâmpsia. 

Nulípara
Gravidez múltipla
História familiar de pré-eclâmpsia
Hipertensão crónica
Diabetes mellitus
Resistência à insulina aumentada
IMC ≥ 35 kg/m2
Trombofilia
Doença renal
Baixo estado socioeconómico
Pré-eclâmpsia prévia (ou história familiar de pré-eclâmpsia em mãe ou irmã)
Mola hidatiforme
Raça negra

Existe ainda a distinção entre a PE precoce, e a PE tardia. A PE precoce ou placentar ocorre em cerca de 10% dos casos e surge nas primeiras 34 semanas de gestação; está mais frequentemente associada a complicações (maior taxa de disfunção placentária, restrição de crescimento intrauterino, mortalidade materna e perinatal11) e acredita-se que tem maior influência da disrupção placentária. Por outro lado, a PE tardia ou materna geralmente surge após as 34 semanas de gestação e tem maior influência de fatores maternos. Pensa-se que têm etiologias diferentes, com maior peso da disrupção placentária (alterações patológicas major nos teci-dos placentários com défice na perfusão e mais stress oxidativo) na PE precoce; e maior influência de fatores maternos (predisposição para doença CV) na PE tardia, embora restem ainda muitas dúvidas sobre os mecanismos exatos.9,12,4

É de salientar que a PE pode ocorrer até às 6 semanas pós-parto (16) e a distinção entre PE placentar e maternal é relativamente simplista e artificial, visto que o importante é diagnosticar e tratar atempadamente.

Têm sido identificados vários biomarcadores que poderão num futuro mais ou menos próximo prever a ocorrência de PE mais precocemente na gestação (p.ex. PIGF, sFlt-1, endoglina, entre outros), bem como fatores hemodinâmicos (p.ex. resistência vascular periférica, débito cardíaco, índice de pulsatibilidade da artéria uterina) que se têm prova-do estar precocemente alterados na gravidez e cuja deteção através de técnicas relativamente simples e não invasivas pode contribuir para o reconhecimento mais precoce desta patologia.4,10,12,13

3.4. Pré-Eclâmpsia Grave

A PE grave caracteriza-se por uma HTA grave (PAS ≥ 160 mmHg e/ou PAD ≥ 110 mmHg), associada a pelo menos um dos seguintes critérios: alteração da função renal (Creat>1,1 mg/dL ou aumento para dobro sem outra doença renal), trombocitopénia (<100.000/uL), elevação das transaminases (ALT/AST ≥ duas vezes o limite superior do normal), cefaleias ou alterações visuais de novo sem diagnóstico alternativo, edema agudo do pulmão, dor epigástrica ou nos quadrantes direitos, persistente e refractária à terapêutica (Tabela 1).

A dor epigástrica ou nos quadrantes direitos está geralmente associada a edema ou hemorragia hepática, as cefaleias podem ser decorrentes de edema cerebral, e as alterações visuais podem manifestar-se como cegueira occipital; pode ainda surgir hiperreflexia com ou sem clónus. Qualquer grávida que se apresente no serviço de urgência fazendo referência a algum destes sintomas deve ser abordada de imediato como suspeita de PE.

3.5. Eclâmpsia

A eclâmpsia corresponde à manifestação convulsiva das perturbações hipertensivas da gravidez e é das manifestações mais graves da doença. Apresenta-se geralmente em convulsões tónico-clónicas de novo, focais ou multifocais, na ausência de outras causas mais prováveis (epilepsia, isquémia cerebral, hemorragia intracerebral). Quando a convulsão surge nas 48-72 horas pós-parto ou após a administração de sulfato de magnésio, devem ser considerados diagnósticos alternativos como os referidos (Tabela 1).1

3.6. Síndrome de HELLP

Esta síndrome representa o acrónimo inglês para “he-molysis, elevated liver enzymes, and low platelet count” - isto é, hemólise (LDH igual ou superior a 600 IU/L), elevação das transaminases (AST e ALT) mais de 2x o limite superior do normal, e trombocitopénia com plaquetas inferiores a 100 000/uL (Tabela 1). Geralmente ocorre no terceiro trimestre, e em 30% dos casos surge no pós-parto. Cerca de 15% dos casos cursam sem HTA e o principal sintoma é a dor abdominal nos quadrantes direitos, mal-estar em 90% dos casos, e náuseas e vómitos em 50% das mulheres. Há quem considere ser uma forma grave de PE.

4. ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA HIPERTENSÃO NA GRAVIDEZ

4.1. Valores-Alvo de PA

Ao contrário dos valores de PA para diagnóstico, os valores de PA quer para início de tratamento quer como alvo terapêutico ainda variam conforme as diferentes sociedades científicas. Continua por esclarecer o equilíbrio entre os benefícios para a mãe e os potenciais riscos para o feto no contexto das alterações circulatórias útero-placentárias, bem como eventuais efeitos adversos medicamentosos.7

As recomendações americanas consideram que a maioria das mulheres com HTA crónica geralmente mantêm valores de PA que não chegam ao critério de HTA grave na grávida (140-160/90-109 mmHg), apresentando por isso, com um risco baixo de complicações cardiovasculares e sem evidência de que o tratamento farmacológico anti-hipertensor esteja relacionado com menos complicações neonatais. Desta forma, estas recomendações consideram que apenas são necessárias medidas não farmacológicas e o tratamento farmacológico fica reservado para as grávidas com HTA grave.

Por outro lado, as orientações europeias ditam o tratamento farmacológico à partida para o diagnóstico de HTA, isto é, para valores de PAS>140 mmHg e/ou PAD>90 mmHg. Estas mesmas recomendações, consideram que a HTA grave é indicação para abordagem urgente/ emergente, e definem como PA alvo 120-159 mmHg de sistólica e 80-105 mmHg de diastólica. Por outro lado, a OMS recomenda valores de PA alvo semelhantes aos valores de PA diagnósticos de HTA. Algumas sociedades referem mesmo que deve ser uma decisão individualizada conforme o risco/benefício.

Enquanto não há mais dados concretos, devemos sempre que possível tomar decisões em conjunto com a doente e após avaliação de risco adequada tendo em conta as comorbilidades; será razoável ter por base os valores das recomendações europeias, mas personalizar ao máximo a terapêutica e os alvos.7,14

Na tentativa de esclarecer melhor a abordagem das mulheres de baixo risco, já está concluído o CHAP Study (Chronic Hypertension And Pregnancy study) que procurou responder a estas questões. Este estudo incluiu mais de 2000 mulheres grávidas: no braço de tratamento ativo as mulheres receberam terapêutica (labetalol ou nifedipina; e amlodipina ou metildopa caso necessário) para atingir PA alvo abaixo dos 140/90 mmHg, e no braço de controlo a terapêutica só foi instituída quando a PA foi igual ou superior a 160/105 mmHg. No grupo de tratamento ativo foi demonstrada uma redução de eventos adversos na gravidez, quando comparado com o grupo controlo, nomeadamente redução da taxa de PE, incidência de parto pré-termo, morte fetal/neonatal, descolamento prematuro da placenta.8,15Este estudo vem mudar o paradigma no tratamento da HTA na gravidez e mostra o benefício de alvos terapêuticos mais agressivos, semelhantes ao da população em geral.

4.2. Tratamento Não-Farmacológico

As eventuais medidas propostas têm um papel limitado e os estudos randomizados efetuados nesta área mostraram efeitos mínimos no outcome da gravidez. Podem abarcar a vigilância, a limitação das atividades diárias e o eventual repouso no leito, preferivelmente em decúbito lateral esquerdo. As medidas não farmacológicas estão, de uma forma geral, indicadas em todas as mulheres grávidas e hipertensas. A dieta deve ser normal, nutricionalmente equilibrada e variada, sem indicação para a restrição de sal pelo risco de depleção deletéria de volume. O exercício físico deve ser mantido nas mulheres que o praticavam antes da gravidez. Também não há qualquer sentido no aconselhamento hipocalórico dietético das mulheres grávidas obesas - pode, aliás, estar associado a perturbação do crescimento fetal e a redução do peso do recém-nascido - mas não é aconselhado que ganhem mais de 6,8 kg na gestação.1

Da mesma forma, a suplementação de cálcio ou de óleos de peixe e utilização alargada de ácido acetilsalicílico, em baixa dose viram-se confrontadas com resultados pouco consistentes.1

4.3. Tratamento Farmacológico

O recurso a fármacos anti-hipertensores durante a gravidez é sempre um compromisso entre os benefícios potenciais para a mãe (com a redução da PA) e os riscos possíveis para o feto, resultantes tanto da perturbação da perfusão uteroplacentária como da possibilidade de os fármacos permearem a placenta e atingirem a circulação fetal.

Na grávida hipertensa a abordagem farmacológica inicial, tendo em conta os fármacos disponíveis na formulação oral no nosso país, passa essencialmente por duas opções base: metildopa ou bloqueadores dos canais do cálcio, nomeadamente nifedipina e amlodipina (Tabela 3) - o labetalol não tem formulação oral comercializada em Portugal.

Tabela 3: Fármacos anti-hipertensores usados na gravidez. 

A maioria dos estudos comparativos na grávida foram entre labetalol, nifedipina e metildopa. Neste artigo não se explora aprofundadamente a questão do labetalol oral visto não estar disponível em Portugal, mas ainda assim não deixa de haver referência pela relevância do tema e pela formulação endovenosa - primeira escolha nas emergências hipertensivas. Os estudos que compararam labetalol com nifedipina mostraram eficácia semelhante na redução da PA, com o mesmo impacto na proteinúria, peso à nascença (sem restrição de crescimento intrauterino), score de APGAR à nascença e taxas de cesariana sobreponíveis. A principais diferenças são na rapidez de início de ação e atingimento do valor de PA-alvo, aspeto em que se verificou vantagem no uso da nifedipina, por um lado. Por outro, a nifedipina também mostrou acarretar mais efeitos adversos, nomeadamente náuseas, cefaleias e tonturas, em quase 40% das suas utilizadoras num dos estudos.

O labetalol mostrou ter efeitos adversos mínimos, com taxas muito reduzidas de bradicardia associada, hepatotoxicidade ligeira e reversível, e a sua vantagem prende-se com a duração de ação, que é mais prolongada (8-12 horas, comparando com as 4-6 horas da nifedipina). É também importante ter em conta a sua contraindicação em mulheres com antecedentes de asma e insuficiência cardíaca congestiva.8,11,16

No que respeita à dosagem do labetalol, a formulação endovenosa, reservada para as situações de emergência, passa pela administração inicial em bólus de 20 mg a perfundir em cerca de 2 minutos, que pode ser repetido em bólus até aos 80 mg em 10 minutos. No entanto, o ideal é após o primeiro ou segundo bólus passar para a perfusão contínua a 1-2 mg/minutos.

A nifedipina é dos fármacos mais bem estudados na gravidez, com eficácia e segurança comprovadas, mas a amlodipina tem sido usada por muitos profissionais de saúde tendo em conta a toma única diária de um fármaco com me-canismos de ação semelhantes. Foi recentemente publicada uma meta-análise que demonstrou que a amlodipina tem eficácia ligeiramente superior à nifedipina e com ainda menos efeitos secundários maternos.17 A nifedipina pode ser usada nas doses da população geral, entre os 30 e os 120 mg/ dia, dividido em duas tomas diárias. A amlodipina tem a facilidade de ter apenas uma toma diária, sendo as doses recomendadas entre 5 e 10 mg/dia (Tabela 3).

A metildopa tem sido extensivamente usada no tratamento da HTA na grávida com segurança a longo prazo para o feto demonstrada. No entanto o efeito anti-hipertensor é apenas moderado e com um início de ação relativamente lento (3-6 horas), pelo que raramente consegue obter resultados em monoterapia e não está recomendada para redução urgente da PA.6,11É usada preferencialmente para o tratamento durante a gravidez, sendo que a dose inicial é de 250 mg a cada 8 a 12 horas e pode ser aumentada a cada 2 dias conforme os valores tensionais; a dose de manutenção pode chegar ao máximo de 3 g/dia embora alguns países particularmente da América Latina prescrevam até um máximo de 2 g/dia pelo risco de hipotensão ortostática e interferência renal, dado substanciado pela meta-análise da Cochrane de 2009. O ideal é conseguir atingir uma dose mínima eficaz e bem tolerada.

O atenolol está relacionado com atrasos do crescimento fetal e deve ser evitado. Os inibidores da enzima de conversão e os antagonistas dos recetores da angiotensina (assim como os inibidores diretos da renina) não devem ser usados na gravidez pelo risco de teratogenicidade e morte fetal.

Quando estamos perante uma PE ou a grávida apresenta HTA grave, é considerada uma emergência hipertensiva e a hospitalização está indicada, com recurso a tratamento farmacológico oral ou por via endovenosa. A primeira linha nos casos graves é o labetalol, e muitas das vezes ainda se recorre a terapêutica oral com nifedipina e metildopa.

A hidralazina já não está entre os fármacos de primeira escolha visto e ter provado estar associada a efeitos adver-sos perinatais e a um maior risco de hipotensão materna, edemas dos membros inferiores e taquicardia reflexa.1,11No entanto, é ainda reservada para as situações de falha terapêutica das restantes opções.

Há pequenos estudos com referência à clonidina e às tiazidas, mas ainda sem conclusões suficientemente sólidas para a sua aplicabilidade.7

O nitroprussiato de sódio tem passado igualmente para última linha dado que pode condicionar um risco importante de intoxicação fetal por cianeto quando usado de forma prolongada. Pode ser considerado ainda o uso de urapidilo, que atualmente já se encontra disponível em vários locais no nosso país e será uma questão de tempo e experiência para a sua prescrição.1

A nitroglicerina endovenosa está reservada apenas para os casos de PE associada a edema agudo do pulmão. O uso de diuréticos deve ser muito restrito, devido à hemoconcentração que caracteriza a PE e consequente risco de oligo-hidrâmnios, à exceção dos casos em que se verifica oligúria e pode ser considerado furosemida em baixa dose.

Estão ainda em estudo terapêuticas experimentais com recurso a fatores antiangiogénicos como estatinas e fármacos relacionados o mecanismo do óxido nítrico, ainda fatores de crescimento (VEGF-12l e fator de crescimento placenta like), e até mesmo um potencial papel dos fármacos inibidores da bomba de protões.9,10,12

O sulfato de magnésio está recomendado no tratamento de primeira linha da eclâmpsia (sendo comprovadamente mais efetivo que a fenitoína, em particular na prevenção da recorrência de convulsão),11 sendo ainda aconselhado na prevenção da eclâmpsia em mulheres com PE grave. É importante relembrar que não deve ser administrado concomitantemente com os antagonistas dos canais de cálcio, uma vez que o seu sinergismo pode condicionar hipotensão e inibição neuromuscular.1,6,11

4.4. Parto

A determinação do momento ideal para realizar o parto depende da avaliação adequada do bem-estar fetal, da idade gestacional e do tipo de patologia hipertensiva.

Nos casos de HTA gestacional ou PE não grave, está recomendada a vigilância semanal até às 37 semanas idealmente com ecografia fetal, medição da PA e análises que incluam pelo menos hemograma com plaquetas, transaminases, função renal.

No caso de PE grave ou eclâmpsia está recomendado o parto. Se a gestação ainda não tiver atingido as 34 semanas devem ser administrados corticoides para maturação pulmo-nar fetal, e promover ao máximo a estabilização hemodinâmica da grávida. Seja como for, o parto é o único tratamento eficaz para as emergências hipertensivas da grávida.

A escolha entre um parto vaginal/ eutócico ou cesariana depende da estabilidade e da decisão obstétrica ou evolução esperada. O tratamento anti-hipertensor deve ser continuado no processo do parto.6

5. HIPERTENSÃO ARTERIAL NO PÓS-PARTO IMEDIATO E NO ALEITAMENTO

O restabelecimento fisiológico da homeostasia hidrossalina, depois de uma gravidez, demora cerca de 2 meses. Este processo pode estar significativamente afetado nas mulheres com PE, HTA crónica ou com doença cardíaca ou renal.

A PA tende a aumentar nos primeiros cinco dias imediatos após o parto. As mulheres com HTA durante a gravidez podem, após um curto período de normalização dos valores tensionais, retomar valores mais elevados durante a primeira semana. A PA pode ser mais elevada também pelo contributo da dor, do uso de anti-inflamatórios não-esteroides, da administração de fluidos para reposição da volémia, ou por outras situações clínicas concomitantes como a tiroidite pós-parto que evolui com hipertiroidismo.

Assim sendo, é fundamental manter a vigilância da PA no período pós-parto nas mulheres com HTA crónica, e apesar da fraca evidência disponível as recomendações são no sentido de manter a PAS < 150 mmHg e a PAD < 100 mmHg.8

Na amamentação é necessário ter em conta que todos os fármacos têm algum grau de excreção no leite materno, no entanto os mais seguros são a nifedipina, o captopril (menos prático pela necessidade de 3 tomas diárias) e o enalapril (apesar da compatibilidade, estes inibidores da enzima de conversão da angiotensina podem provocar hipotensão neo-natal), o propranolol e se necessário o metoprolol (o labetalol também mas não há formulação oral em Portugal); a espironolactona, diltiazem e verapamilo estão também descritos como relativamente seguros mas geralmente são fármacos de última linha.1

Há que ter em atenção que a metildopa, apesar de eficaz, tem um risco acrescido de depressão, tornando-se particularmente arriscada a sua prescrição na fase frágil da puérpera. A bromocriptina, usada para supressão da lactação em determinadas situações, pode induzir HTA - na puérpera hipertensa deve-se optar pelo uso da cabergolina1 (Tabela 4).

Tabela 4: Fármacos anti-hipertensores compatíveis com o aleitamento (Yoder et al, 2009). 

Captopril (especialmente nas mulheres com diabetes tipo 2 e doença renal crónica)
Diltiazem
Enalapril (especialmente nas mulheres com diabetes tipo 2 e doença renal crónica)
Espironolactona, amilorida e triamtereno
Hidralazina (curta duração da ação e taquicardia reflexa, pelo que não deve ser considerada de rotina no tratamento da HTA no pós-parto)
Hidroclorotiazida (em grandes doses os diuréticos tiazídicos podem diminuir a produção de leite)
Labetalol
Metoprolol
Metildopa (pode causar letargia e perturbações cognitivas)
Minoxidil (não deve ser considerada de rotina no tratamento da HTA no pós-parto)
Nifedipina (nicardipina deve ser evitada: atinge grandes concentrações no leite materno)
Propranolol
Timolol
Verapamilo

6. PREVENÇÃO

Nos casos de risco moderado ou elevado de PE, a prevenção de complicações hipertensivas com aspirina tem-se provado eficaz, reduzindo em cerca de 10-20% o risco de PE e outcomes adversos.

Considera-se situação de risco moderado quando estão presentes dois ou mais fatores de risco de entre os seguintes: idade materna superior a 35 anos, IMC pré-gravidez superior a 30 kg/m2, história de PE em familiar de primeiro grau, raça negra, nuliparidade, baixo estrato social, história de nado-morto ou placenta prévia.1

Considera-se situação de risco elevado quando está presente um ou mais fatores de risco entre os seguintes: PE prévia, HTA crónica de grau 2, DM pré-gestacional, gravidez múltipla, síndrome de anticorpo fosfolípido, lúpus eritematoso sistémico, doença renal crónica.

Nestas situações (risco moderado ou elevado) está recomendado o uso diário de aspirina em baixa dose a partir das 12-16 semanas de gestação, e até às 36-37 semanas. A dose ótima de aspirina não foi formalmente testada, mas a maioria dos estudos recorreu a 81-150 mg/dia, pelo que a prescrição geralmente está associada às formulações disponíveis em cada país.18,9,10,14

É de salientar ainda outros fármacos que demonstraram alguns resultados eventualmente promissores na prevenção da PE. É o caso da pravastatina, com alguns ensaios experimentais e um estudo piloto, que deixa ainda algumas preocupações relativamente à segurança para o feto. Também o caso da metformina, que reduzindo a probabilidade de HTA gestacional nas mulheres com DM gestacional pode prevenir a PE, possivelmente pela redução da tirosina kinase 1 fms-like.7

Ao contrário do que se pensava, não há evidência de redução de risco de PE com a suplementação de vitaminas C e E, que aliás se tem provado que estão associadas a baixo peso à nascença e outcomes perinatais adversos.1,10Por outro lado, pensa-se que a suplementação vitamina D possa atenuar a inflamação; a suplementação com cálcio (1,5-2 g/ dia oralmente) está recomendada nos casos em que a ingesta de cálcio na dieta é considerada baixa, isto é, abaixo de 600 mg/dia, e pode ser começada logo no início da gravidez.1,9,10

7. PROGNÓSTICO E COMPLICAÇÕES

Os distúrbios hipertensivos da gravidez estão associados a uma elevada morbilidade e mortalidade não só materna, fetal e neonatal, mas também futura para ambos (mãe e bebé).

A mulher grávida com HTA tem um risco acrescido de complicações vasculares, como o acidente vascular cerebral, e obstétricas, como a placenta prévia e a coagulação intravascular disseminada. O feto, por sua vez, tem um maior risco de atraso de crescimento intrauterino (em 25% dos casos de PE), prematuridade (em 27% dos casos de PE) e morte intrauterina (em 4% dos casos de PE). No período neonatal destaca-se ainda um risco significativo de paralisia cerebral, enterocolite necrotizante, e retinopatia da prematuridade.1,12

Para além das possíveis consequências imediatas para a mãe e para o feto/ bebé previamente descritas, tem-se ainda comprovado que uma gravidez complicada por HTA revela uma predisposição para doença cardiovascular, e funciona como uma espécie de stress test que identifica mulheres em risco de doença futura. O desenvolvimento de HTA na primeira gravidez condiciona um maior risco nas gravidezes subsequentes, e esse risco é mais elevado nos casos em que a HTA surgiu precocemente na gestação e na PE grave. Por outro lado, a mulher com hipertensão da gestação ou PE tem um risco acrescido de ocorrência futura de HTA, cerca de 2 vezes maior risco de doença cardiovascular a longo prazo, dislipidémia e aterosclerose subclínica, 4 vezes maior risco de insuficiência cardíaca, 5-12 vezes maior risco de doença renal crónica terminal, risco de acidente vascular cerebral superior e cerca de 8-10 anos mais precocemente que em mulheres com gravidez normal. Este risco existe mesmo para as mulheres previamente saudáveis, sem fatores de risco cardiovasculares (CV) aparentes.4,9,10,11,18

Tem-se provado também que a recorrência de PE aumente ainda mais o risco de doença CV, quer no risco de de-senvolver HTA, dislipidémia, taxa de aumento da espessura da íntima-média carotídea avaliada por Doppler dos vasos do pescoço, eventos trombóticos, doença isquémica cardíaca, eventos cerebrovasculares (isquémicos e hemorrágicos), e insuficiência cardíaca.5,19É ainda de salientar que geralmente o tempo entre a PE e o evento CV é mais curto nas mulheres com PE recorrente. Não está ainda completamente esclarecido que o maior risco CV da recorrência de PE seja por falha na adaptação às alterações fisiológicas, ou pelas alterações metabólicas e cardiovasculares do primeiro episódio em si, ou se as mulheres com estes eventos já têm de base maior risco CV (por disfunção endotelial ou outros mecanismos ainda em estudo).5,9,19

As complicações a longo prazo da PE não estão limitadas à mãe, mas também à criança, exposta a todas as alterações referidas durante a gravidez e o parto: maio risco de HTA, AVC, doenças metabólicas, em especial para as crianças nascidas com baixo peso.9

A PE tem de ser reconhecida como um fator de risco para doença cardio/ cerebrovascular e renal futura, e só assim se vai conseguir identificar uma população jovem em risco de doença, possível de prevenir, com as medidas adequadas e precocemente aplicadas. Em alguns países já se começou inclusivamente a notificar as mulheres com PE prévia para uma avaliação mais precoce de fatores de risco CV e educação para a saúde, e muitas recomendações, já incluem uma vigilância mais apertada nos 6 meses a 1 ano pós-parto destas mulheres.5,9,11

É neste sentido que deve ser reforçada a educação para a saúde, com principal ênfase nas mudanças de estilo de vida, prevenção e visitas médicas pelo menos anuais, para redobrar a atenção CV nas mulheres com distúrbios hipertensivos na gravidez. Sugere-se uma aposta na vigilância, rastreio, reconhecimento e tratamento precoces, para prevenção de morbimortalidade cardiovascular nesta população.

AGRADECIMENTOS / ACKNOWLEDGMENTS

Estas páginas surgiram de um desafio lançado pelo Dr. Pedro Marques da Silva em 2018, uma honra em forma de convite, repetindo constantemente que este seria o “meu” artigo “consigo” - achando eu na altura que seria apenas uma pequena parceira para alguém que tanto admirava. Toda a pesquisa e trabalho que desenvolvemos nos tempos que se seguiram, culminaram num artigo que esteve sempre perto de ser submetido. Mas não houve oportunidade de finalizar a tarefa apesar do esforço de ambas as partes, em especial do seu, no meio de toda a força de viver e garra com que foi ultrapassando cada etapa. Só alguns anos depois tive coragem de retomar o trabalho, rever o tema à luz das evidências que surgiram, entretanto, e após me aconselhar junto da esposa do Dr. Pedro Marques da Silva, senti a força e o apoio que precisava para homenagear o meu querido amigo e colega. Obrigada, Dr.ª Isabel. A si, Dr. Pedro. Obrigada pela amizade, obrigada pelo desafio, obrigada pela mão - sempre tão sábia e tranquila.

REFERÊNCIAS

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Suporte Financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsidio o bolsa ou bolsa.

5Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

6Consentimento do Doente: Não aplicável

Financial Support: This work has not received any contribution grant or scholarship.

9Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer re-viewed.

10Consent for Publication: Not applicable.

11© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e Revista SPMI 2022. Reutiliza-ção permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial. © Author(s) (or their employer(s)) and SPMI Journal 2022. Re-use permit-ted under CC BY-NC. No commercial re-use.

Recebido: 31 de Março de 2022; Aceito: 07 de Julho de 2022

Correspondence / Correspondência: Vitória Cunha - vitoria.mcunha@gmail.com Serviço de Medicina, Coordenadora da Unidade de Hospitalização Domi-ciliária e Coordenadora da Consulta de Hipertensão, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal Av. Torrado da Silva, 2805-267 Almada

Declaração de Contribuição / Contributorship Statement: Pedro Marques da Silva - Elaboração inicial do manuscrito e revisão Vitória Cunha - Elaboração do manuscrito, Revisão final e aprovação

Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

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