Caro Editor,
De acordo com os dados divulgados recentemente pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), apenas existiam 33 000 pessoas com um “Testamento Vital” válido registado em Portugal até ao final de março de 2022. Apesar de se ter verificado uma redução abrupta na adesão às Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) no primeiro ano de pandemia COVID-19 (3337), houve uma duplicação dos registos no segundo ano (6347). No entanto, é expresso pelo Dr. Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB) e principal mentor da legislação relativa a este assunto em 2012, que é possível fazer crescer substancialmente a adesão a esta “ferramenta simples e gratuita”.1
Entendendo a capital importância da promoção de autonomia do utente relativamente aos cuidados de saúde que pretende (ou não) receber, numa situação de incapacidade de expressar a sua vontade pessoal autonomamente e/ou nomear um procurador de cuidados de saúde, será importante abordar determinados pontos no sentido de uma melhor preparação do doente e dos próprios profissionais de saúde para esta temática.
Em primeira instância, é imperativo dotar os médicos de capacidade para interpretação do documento afeto à Diretiva Antecipada de Vontade, ao abrigo da Lei n.º 25/2012 de 16 de julho.2 Além da necessidade de formação para compreender o documento e as várias possibilidades que os utentes têm no preenchimento do mesmo, é importante também que os profissionais de saúde saibam de que modo poderão consultar a DAV de qualquer utente com quem tenham contacto, seja no serviço de urgência, no internamento ou no ambulatório. A formação nesta área é hoje em dia revestida de uma enorme importância no dia-a-dia do internista, sendo que deveria ser repensada a necessidade de tornar a formação nesta área obrigatória, no sentido de saber honrar a vontade dos utentes com que nos cruzamos na prática clínica;
Em segundo lugar, e entendendo a delicadeza de que este assunto se reveste, é importante o entendimento dos termos e conceitos associados à determinação das diferentes diretivas antecipadas de vontade. Neste sentido, sugere-se a leitura do artigo publicado pelo Dr. António H. Carneiro (coordenador do Núcleo de Estudos de Bioética da SPMI), na própria revista da SPMI em Jul/Set 2018, intitulado “Termos e Conceitos na Relação Clínica”. É importante refletir sobre os variados conceitos que são abordados no documento de DAV e entendê-los, no sentido de espelhar nas nossas ações clínicas o desejo expresso pelo utente tal como é transmitido no documento;
Por último, é importante o reconhecimento da opor-tunidade de divulgação das DAV junto dos nossos utentes. Tendo em conta a população cada vez mais envelhecida em Portugal, com um índice de envelhecimento reportado no ano de 2020 de 167,0,3 e tendo em conta o aumento de utentes com doenças crónicas incuráveis, sejam estas oncológicas ou não oncológicas, é importante reconhecer quando estamos perante um utente que deverá ser informado e esclarecido relativamente à submissão de uma DAV, seja aquando de admissão em internamento seja em seguimento em consulta.
Para concluir, sublinha-se a importância do caminho até agora percorrido na implementação das DAV, reiterando o papel que cada um dos clínicos tem na sua divulgação, informação e apoio aos utentes no seu preenchimento. A comunicação em todo este processo é crucial, no sentido de prestar os cuidados mais adequados à especificidade e vontade de cada utente.