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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.29 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 02-Jan-2023

https://doi.org/10.24950/rspmi.1287 

Editorial/ Editorial

Por Que Escrevemos? Por Que Devemos Escrever?

Why Do We Write? Why We Must Write?

1Editor-Chefe, Hospital da Luz, Lisboa, Portugal


Por que escrevemos?

Por gosto e prazer em visão hedonista ou pelo impulso da criação (artística) Por isso podemos usufruir da prosa e da poesia de autores de referência, paradigmáticos na forma e na substância, os presentes e os passados.

Escrevemos pela necessidade e hábito de intervir sobre os temas mais diversos, muitos dos quais nos são alheios. Quem consulta os diários e hebdomadários generalistas nacionais apercebe-se que muitos autores de cartas aos directores têm presença frequente, quase regular, nas suas páginas (são colunistas informais).

Escrevemos por vaidade, pois a simples constatação da presença do nosso nome em folha que muitos leem torna-nos visíveis, conhecidos, alvos de citação oral ou escrita, quase um passo para a imortalidade. Ficamos registados e não seremos esquecidos (esta é uma preocupação silenciosa de muitos mortais quando conscientes da sua pequenez). Experimentemos colocar o nome num motor de busca: o resultado (favorável e desfavorável) será surpreendente.

Escrevemos para libertar o nosso pensamento em fases de crise pessoal, ao jeito de lise de ansiedade e de expressão objectiva de estados de espírito que permitirão neutralizar o sofrimento (a escrita como ferramenta terapêutica).

Escrevemos para registo do quotidiano no caso dos diários, que tantos adolescentes começam e não terminam. E este é um hábito de muitos médicos que anotam curiosidades em forma de bilhete-postal clínico: a expressão mais rara de uma doença, a verbalização menos ortodoxa de sintomas, a impressão suscitada pela pessoa de cada doente, o simples registo do que se passou na consulta, na enfermaria ou na urgência. E estas notas porventura permitirão mais tarde a elaboração de obras de memória profissional, misto de realidade e ficção, por vezes um verdadeiro testamento de décadas de exercício. Seguramente, nos tempos mais próximos, surgirão relatos de experiência pessoal da época pandémica recente.

Enfim escrevemos também para sustento, lembrando o exemplo do médico e escritor Anton Tchekov (1860-1904). Afirmou ele em carta pessoal: "A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas minha amante".

Escrevemos porque existe, e cingindo-me à profissão médica, uma mensagem a ser transmitida, de conhecimento, de prática, de atitude, que sentimos ser relevante para o êxito dos nossos actos e para o bem-estar dos doentes que em nós depositam confiança e expectativa positiva. Tudo tem interesse se existir qualidade e um condimento de novidade. O Artigo Original enquanto “trabalho de investigação, casuística ou que, a propósito de casos clínicos, tenha pesquisa sobre causas, mecanismos, diagnóstico, evolução, prognóstico, tratamento ou prevenção de doenças”.1 O Trabalho de Revisão que pode constituir um acervo do que de melhor e de mais contestável, se descobriu e aplicou em diagnóstico e terapêutica. O Caso Clínico e a Imagem Médica cuja memória tantas vezes nos auxilia na reflexão sobre situações mais complexas e menos claras, cuja identificação e solução não nos ocorrem no imediato. O Ponto de Vista, por vezes verdadeiro ensaio, elaborado por quem sabe e quem faz. A Carta ao Director uma verdadeira prova de vida de qualquer publicação, e de afirmação e arrojo crítico dos seus autores.

Na presente edição da Medicina Interna, publica-se um trabalho com a tipologia de Série de Casos que, não sendo verdadeiramente original, expõe algo de novo: Oxigénio de alto fluxo em contexto paliativo no domicílio.2 São descritas três situações de insuficiência respiratória terminal, condicionada pela história natural das doenças e pelo peso de algumas comorbilidades. Não são apontados objectivos primários e secundários, pois não se trata de um trabalho de pesquiza. Mas tem o mérito, com experiência limitada, mas comprovada, de definir uma opção de paliação respiratória empregando uma técnica de administração de Oxigénio mais recente no ambiente, teoricamente menos protegido, do domicílio dos doentes. Sabe-se que podem ser administradas fracções de oxigénio Inspirado até aos 100%, com débitos até 60 L/min, e estão medidos alguns dos efeitos fisiológicos: redução dos volumes de espaço-morto essencialmente na nasofaringe, efeito de peep (pressão positiva tele-expiratória), redução de frequência respiratória e de volume-minuto.3 O alívio da dispneia é medido subjectivamente (Virtual Analog Scale Score, por exemplo) e indirectamente pela necessidade menor de administração de opióides.4 Apontam os autores as dificuldades na logística e no financiamento e verificar-se-ão problemas relacionados com a monitorização clínica, mas tais questões poderão ser ultrapassadas por uma equipa devotada e competente, como é o caso, e por uma organização inovadora, disruptiva e dinâmica.

De novo recordo que todos temos algo de interessante e útil no nosso quotidiano profissional que deve ser transmitido a toda a comunidade médica. E a forma perene de comunicar e informar é a da escrita com qualidade. Não se trata de um exercício de marketing pessoal, da equipa ou do serviço. Trata-se de mais uma obrigação técnica, humana, moral e social que decorre da dimensão intelectual que caracteriza o nosso mister.

Abeirando-se o fim de mais um ano difícil ficam expressos este convite renovado e os votos de Boas Festas.

REFERÊNCIAS

1. Normas de Publicação, Medicina Interna, Agosto 2022, consultado a 20/11/2022. Disponível em: https://revista. spmi.pt/index.php/rpmi/normas. [ Links ]

2. Fonseca M, Silva SV, Santos M, Bertão M, Gonçalves I, Barbedo I, et al. Oxigénio de alto fluxo em contexto palia-tivo no domicílio, uma nova oportunidade? A experiência de uma equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos. Med Interna 2022; 29:261-6. doi: 10.24950/rspmi.647 [ Links ]

3. Faverio P, Giacomi F, Bonaiti G, Stainer A, Sardella L, Pellegrino G, et al. Management of Chronic Respiratory Failure in Interstitial Lung Diseases: Overview and Clinical Insights. Int J Med Sci 2019; 16:967-80. doi: 10.7150/ijms.32752. [ Links ]

4. Zemach S, Helviz Y, Shitrit M, Friedman R, Levin P. The use of high-flow nasal cannula oxygen outside the ICU. Respir Care 2019;64:1333-42. doi: 10.4187/respca-re.06611. [ Links ]

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