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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.29 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 02-Jan-2023

https://doi.org/10.24950/rspmi.1229 

Pontos de Vista/ Points of View

O Papel da Simulação no Treino de Equipas de Urgência

The Role of Simulation in Emergency Teams Training

1Serviço de Medicina Interna do Hospital Central do Funchal, SESARAM-EPERAM, Funchal, Portugal.

2Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, Lisboa, Portugal


Resumo

A aquisição de habilidades clínicas depende, maioritariamente, do contacto com a prática, que é possível através da simulação em saúde. Esta é uma forma de treinar e aperfeiçoar competências num ambiente controlado, sem comprometer a segurança do utente, aprimorando a vertente não técnica e testando protocolos.

A simulação pode ocorrer em centros criados para o efeito ou in situ, no ambiente de trabalho real, potenciando oportunidades de aprendizagem, de identificação de problemas e de gestão do trabalho de equipa. É, cada vez mais, o gold standard no treino de equipas de saúde.

Os autores descrevem a atividade em simulação do serviço de Medicina Interna da Madeira, com 28 cursos de simulação realizados no Centro de Simulação Clínica da Madeira, refletindo-se em níveis de satisfação global entre os formandos superiores a 90%, com impacto no desenvolvimento pessoal e profissional das equipas de saúde.

Palavras-chave: Equipa de Cuidados ao Doente; Medicina de Emergência; Treino de Simulação.

Abstract

The acquisition of clinical skills mostly depends on contact with practice, which is possible through health simulation. This is a way to train and improve skills in a controlled environment, without compromising user safety, improving the non-technical aspect, and testing protocols.

Simulation can take place in centers created for this purpose or in situ, in the real work environment, providing opportunities for learning, problem identification and teamwork management. It is the gold standard in the training of health teams.

The authors describe the simulation activity of the Internal Medicine service in Madeira, with 28 simulation courses held at the Centro de Simulação Clínica da Madeira, reflecting levels of overall satisfaction among trainees above 90%, with an impact on personal and professional development of the health teams.

Keywords: Emergency Medicine; Patient Care Team; Simulation Training.

Introdução

A inovação tecnológica e científica tem tido um papel fundamental no progresso do sistema de saúde em Portugal, surgindo como estratégia de gestão e impulso das organizações, de forma a assegurar a sua vantagem competitiva.1

Na nota prévia do livro “um futuro para a saúde “, Artur Santos Silva, referia: os notáveis progressos que a saúde dos portugueses teve nas últimas décadas, são a marca mais po-sitiva dos 40 anos de democracia em Portugal. Este feito deve-se não só às políticas seguidas, mas também aos avanços científicos e à inovação tecnológica.1

De facto, a simulação rapidamente se posicionou como forma de inovação em saúde, revolucionando o ensino médico, o treino de profissionais e equipas de saúde, sendo atualmente considerada o gold standard da formação.2

A simulação é uma ferramenta educacional que recria artificialmente um cenário de mundo real numa experiência guiada para facilitar a aprendizagem. Tem sido amplamente usada em muitas áreas: o treino em simulação tem as suas raízes na indústria da aviação - os primeiros simuladores de voo foram construídos na década de 1930. Os militares, a NASA e as companhias aéreas comerciais, são pioneiros em técnicas de simulação para melhorar o treino e a segurança dos pilotos.2,3

A aviação é uma área que tem servido de exemplo para a medicina sobre como treinar em segurança. Utiliza dois componentes: simuladores de voo de alta fidelidade para treinar habilidades técnicas, e práticas de gestão de recursos pela tripulação (Crew resource management - CRM) para melhorar as competências.2,3

As Forças Armadas também seguiram esta abordagem, que tem sido notória desde o treino em simulação feito nos primeiros jogos de estratégia do século 18 até aos exercícios complexos realizados no campo principal atual. Outras indústrias de alto risco também usam a simulação como forma de treino em segurança, como é o caso da indústria de energia nuclear e a de planeamento de desastres, que testam sistemas de preparação de catástrofes. Um exemplo desta última foi a simulação organizacional promovida pelo Reino Unido para avaliar a preparação para a pandemia COVID-19.2,3

A simulação e o treino de equipas:

Já desde os tempos de Osler, que se tem dado ênfase à importância da aprendizagem pela experiência em medicina. Mais tarde, desenvolvimentos na teoria educacional da aprendizagem do adulto, demonstraram a importância do contacto ativo com os materiais de aprendizagem em vez do ensino passivo. A simulação apareceu na educação médica já na década de 50. Na década de 60, surgem os manequins Resusc-Anne usados para o treino de ressuscitação cardiopulmonar. Só na viragem do século, a simulação médica avança como forma de treino em todas as disciplinas da medicina.2,3

A grande importância do trabalho em equipa e colaboração interprofissional começa a ser identificada com o reconhecimento do erro humano como um fator presente em 80% dos eventos adversos graves. Durante esta década, o método e os manequins desenvolveram-se lentamente nos bastidores da educação médica, com manequins mais realistas, mas só recentemente se estabeleceu a sua presença assídua na educação médica convencional. Inicialmente a simulação foi estabelecida no domínio das competências anestésicas e cirúrgicas, particularmente no treino laparoscópico e processual.2

Um estudo prospetivo de simulação cirúrgica para treino da abordagem terapêutica em cirurgia abdominal de emergência (apendicectomia laparoscópica), no qual foi feita simulação pré, intra e pós-operatória em 38 doentes que iriam ser submetidos a apendicectomia, antes (21) e depois (17) do treino em simulação, demonstrou resultados pré e intraoperatórios semelhantes nos dois grupos mas evidenciou redução significativa nos tempos para dieta líquida e sólida, no pós-operatório no grupo após treino em simulação.4

Desde há muito que, pela sua imprevisibilidade, o traba-lho na área da aviação, especialmente no controle de tráfego aéreo e na pilotagem de avões, é equiparado ao trabalho em ambiente de urgência uma vez que, nas duas profissões, existe multitarefa, imprevisibilidade, stress e pequena margem de erro, o que constitui um desafio constante. O CRM desenvolvido pela indústria da aviação, foi adotado e adaptado para um ambiente médico e rapidamente se tornou a base de vários avanços na simulação médica para treinar competências não técnicas (CNT).2

Os conselhos médicos começaram a usar a simulação para avaliar a competência clínica, como é o caso do American Board of Internal Medicine (ABIM) que utiliza a simulação para avaliar a competência em cateterismo cardíaco e assim manter a certificação neste procedimento por cardiologistas intervencionistas e o Exame Clínico Estruturado Objetivo (OSCE) do Conselho Americano de Anestesiologia que por esta via, avalia a comunicação, o profissionalismo e as com-petências técnicas deste grupo profissional.2

Mas a simulação também se está a expandir na área da Medicina Interna onde vai passar a ter grande impacto na vida e na formação do Internista. Internista que tem uma atividade assistencial dispersa pela urgência/ internamento/ consulta/ cogestão/ hospitalização domiciliária; é o grande gestor do doente internado, e por isso se preocupa com a segurança do doente em eventos críticos; é confrontado no seu dia a dia com situações complexas de alto risco que exigem pensamento crítico e ação atempada, com pouca margem de erros; e para a sua atividade precisa trabalhar em equipa, fenómeno social complexo, desafiador e adaptativo que requer o alinhamento de muitas competências a nível individual, de grupo e organizacional. Na área da Medicina Interna, a simulação tem demonstrado melhorar a dinâmica e a comunicação da equipa, a segurança do doente, a qualidade da assistência médica e a gestão de recursos em épocas de crise.3

São várias as modalidades de simulação já existentes na Medicina Interna: simulação para ensinar alunos, internos e especialistas de Medicina; a utilização de cenários com doentes padronizados para avaliar habilidades interpessoais e comunicação; e de cadáveres e modelos animais para replicar procedimentos sem colocar os doentes em risco; simulação do processo de integração de alunos, internos e enfermeiros nas equipas; Software interativo, realidade virtual e manequins de alta fidelidade, para simular emergências médicas; e treino em simulação dos procedimentos de paracentese, toracocentese e colocação de acessos centrais para aumentar a com-petência e confiança no domínio da técnica.3

Na atualidade a simulação é o pilar da educação médica. De facto, nos últimos tempos, a simulação tem condicionado mudanças na pós-graduação médica, especialmente a expetativa na educação médica continuada e revalidação, estando bem estabelecido o seu uso na avaliação do ensino pós-graduado, especialmente nos exames com treino especializado. Já é uma realidade, a maioria das escolas médicas e hospitais, oferecerem treino de competências clínicas em simuladores, e cursos de simulação nas várias áreas médicas.5

Relativamente ao ensino pré-graduado, a simulação tem sido aplicada na modernização dos currículos médicos, reco-nhecendo que os alunos precisam ser treinados em competências de comunicação (as recomendações atuais apoiam, de forma geral, a incorporação da simulação nos currículos de ensino).5

Atualmente, a simulação está amplamente aceite, o gran-de desafio é encontrar a evidência que suporta a sua eficácia. É difícil medir a mudança que a simulação faz na prática clínica de um clínico, e atribuí-la apenas ao ensino pela simulação, e não a outros fatores.2

Uma vez que o objetivo do treino baseado na simulação é melhorar a qualidade do atendimento ao utente e a segurança, têm sido feitos esforços no sentido de desenvolver formas de estudar e medir essas variáveis. O modelo de Kirkpatrick é uma ferramenta desenvolvida para analisar e avaliar os resultados da educação e do treino em simulação.2,5Estratifica o impacto dos resultados do treino em quatro níveis:

  • Nível 4: Melhorias nos parâmetros clínicos e outcome dos doentes

  • Nível 3: Mudança no comportamento do participante após o treino

  • Nível 2: Aprendizagem individual

  • Nível 1: Reação inicial do participante ao treino5

Estudos de pesquisa focados na aprendizagem mostraram que, desde a simulação em trauma à simulação em cuidados obstétricos, podem-se ensinar competências e afetar comportamentos e atitudes (Kirpatrik 1, 2 e 3). Estes estudos demonstraram existir melhorias no desempenho na paragem cardiorrespiratória, cirurgia laparoscópica e na inserção de acessos centrais (com poucas infeções associadas ao catéter). Foi difícil provar que qualquer uma dessas intervenções resultou em melhoria dos cuidados ao doente, pois os estudos que investigam esses efeitos são difíceis de projetar e executar.2

Foi feita revisão da literatura, num total de 13 artigos, sobre o impacto da simulação no treino em ambiente de emergência médica e cuidados críticos. A literatura é heterogênea e escassa, mas apoia a hipótese de que o treino de equipas baseado na simulação, é benéfico para as equipas em termos de competências não técnicas (Kirkpatrick nível 2). Os autores salientam que a investigação futura deve centrar-se na transferência de competências e investigar melhorias nos outcomes dos doentes (Kirkpatrick nível 4).5

Uma grande meta análise publicada no JAMA, abrangendo 609 estudos, mostra que o treino por simulação foi consistentemente associado a melhorias nos resultados, e na aquisição de conhecimentos, competências e comportamentos. Mesmo reconhecendo que foi mais difícil de avaliar, sentiram que houve melhoria moderada nos resultados relacionados com o doente.6

Então para que serve a simulação?

Sabemos que a aquisição de conhecimento teórico é feita pelos métodos tradicionais de estudo e que a aquisição de habilidades clínicas, depende em grande parte do contacto com a prática. Depende da disponibilidade de casos e tempo para supervisão (por exemplo: as oportunidades para aprender e praticar a introdução de um dreno torácico podem ser limitadas), e tem o potencial de comprometer a qualidade e a segurança dos cuidados prestados aos doentes. Na simulação, os participantes podem ganhar e aprimorar habilidades deliberadamente, num ambiente controlado que não colocará em risco a segurança do doente.2

A simulação pode permitir que o aluno se familiarize com o procedimento, instrumentos e desenvolva a ‘memória muscular’ para completar a tarefa com mais segurança com um doente real. As competências não técnicas: liderança, tomada de decisão, trabalho em equipa e comunicação, podem ser praticadas e desenvolvidas num ambiente seguro onde os erros podem ser feitos sem medo de prejudicar o doente, o que é útil em eventos menos frequentes, mas significativos, como a paragem cardiorrespiratória.2

A simulação surge assim, como uma oportunidade de:

  • Explorar e praticar as competências não técnicas que afetam os cenários, gerando maior confiança;

  • Prática focada na comunicação de más noticias - atores em simulação interagem com o formando quando lhes comunicam uma má noticia (importância da linguagem, comunicação não verbal e meio ambiente);

  • Testar a viabilidade de sistemas e protocolos hospitalares nomeadamente para ativação de equipas (trauma/ reanimação).2

Existem 2 modalidades de simulação:

Simulação híbrida, abrangendo duas ou mais modalidades, combinando imersão clínica simulada com um doente simulado e/ou simulação de procedimento. Esta modalidade de simulação, oferece oportunidades para experiências de aprendizagem mais amplas.2

Simulação com sessões em equipa: com facilitadores experientes. Podem adicionar mais realismo ao cenário de simulação e aprofundar o grau de imersão do participante.2

Tipos de simulação - Existem duas principais categorias de simulação médica, ambas podem ser de baixa ou alta fidelidade com base no seu grau de realismo de características como: exame clínico, capacidade de realizar procedimentos ou administrar tratamentos ou resposta fisiológica de um manequim para tratamentos ou intervenções:

  • Simulação baseada ou executada num centro de simulação construído especificamente para esse efeito. Esta é a base do ensino em simulação, é feita num ambiente construído para o efeito, permitindo a necessária disponibilidade de tempo, pessoal e equipamentos. Inclui audiovisuais de gravação que podem melhorar o aspeto chave do debriefing, mas são distantes do espaço clínico, criando o inevitável dis-tanciamento durante a participação.2

  • Simulação in situ (ISS), procurou ultrapassar este aspeto com simulação de movimento no ambiente clínico e foi definida como uma “técnica de treino baseada em equipa”, conduzida no ambiente real de atendimento ao doente, utilizando equipamentos e recursos daquela unidade e envolvendo membros reais da equipa de saúde. A ISS, por acontecer no ambiente de trabalho real, oferece oportunidades de aprendizagem tanto ao nível da unidade como da organização. De facto, este tipo de simulação, demonstrou melhorar o trabalho de equipa e a comunicação, além de ajudar a identificar problemas no sistema, ameaças latentes à segurança do doente e usando códigos simulados, melhorar os resultados dos doentes.7

A simulação in situ (no ambiente clínico real), pode ser: anunciada ou não anunciada. A simulação no geral, mas em especial a in situ não anunciada, tem sido descrita como stressante, e o stress, pode prejudicar o processo de aprendizagem. Com o objetivo de avaliar a viabilidade da simulação anunciada versus não anunciada, e a perceção da aprendizagem e do stress pelo staff, Debra Freund e colaboradores realizaram um estudo.

Para este estudo, foram planeadas 16 simulações in situ estandardizadas num serviço de urgência (SU) em oito datas predefinidas (com uma simulação não anunciada e uma anunciada por dia), tendo sido concluídas 11 das 16 simulações in situ planeadas. Foram formadas equipas com base nos profissionais de serviço. A aprendizagem foi considerada pelos participantes como “boa” ou “muito boa” em 57% dos casos na simulação não anunciada versus 66% dos casos na anunciada (p = 0,33). A simulação foi considerada como stressante em 4% da não anunciada versus 24% da anunciada (p = 0,006). Não houve diferença significativa entre a simulação in situ anunciada e não anunciada entre o staff do SU em termos de aprendizagem percecionada. Os autores concluíram que é importante considerar estes aspetos no planeamento futuro de treino em simulação e na implementação de diferentes designs para educação médica baseada na simulação.8

O debriefing, que ocorre no final da simulação, é um aspeto fundamental da aprendizagem, solicita a autorreflexão do aluno, revelando a forma como eles pensam e abordam os problemas médicos. Não existem “regras de ouro” para um bom debriefing na ISS. Alguns estudos demonstraram benefícios em debriefings facilitados, combinados com vídeo gravado durante a simulação, no entanto, alguns autores recomendam a autoavaliação do aluno ou o feedback direto e desta forma criar oportunidades de abordar mais tópicos. Uma regra geral e que deve ser respeitada, é que o tempo reservado ao debriefing nunca deve ser inferior à duração do cenário. Um debriefing ineficaz, mal feito ou percebido como crítico, em vez de construtivo, pode diminuir a autoestima, criar raiva ou resistência, refletindo-se no trabalho em equipa dos cuidados de saúde.7

Experiência de Simulação no Centro de Simulação Clínica da Madeira

O Centro de Simulação Clínica da Madeira (CSCM) foi inaugurado em Setembro de 2012, fruto do desejo de inovação e aposta contínua no treino, educação, formação e diferenciação dos profissionais, e na melhoria nos cuidados em saúde e com o objetivo de aposta na formação contínua pré e pós graduada dos profissionais de saúde, possibilitando o treino técnico, e ao mesmo tempo explorando a componente teórica e comportamental, sem comprometer a segurança do doente, e de lançar as bases para a realização de projetos de investigação.9

O CSCM foi equipado com simuladores de alta-fidelidade da Medical Education Technologies, Inc.™ (METI®), com o software Müse, e com o software de integração dos simuladores, aprendizagem/gestão da formação clínica, e gestão do centro de simulação clínica, o “LearningSpace”.9

O Serviço de Medicina Interna do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), inicia a sua ativida-de neste CSCM em 2013 e desde esta data, tem sido uma presença assídua, com os cursos de simulação em Medicina Interna. Houve uma fase inicial de preparação de toda a logística, desde seleção dos manequins mais adequados aos casos clínicos, preparação das salas e organização do curso: foram criados vários cenários de casos, elaborado um manual com a literatura adequada e protocolos de abordagem dos diferentes cenários, o qual é fornecido aos formandos antecipadamente.

Os cursos de simulação em Medicina Interna têm como objetivo geral, o enriquecimento pessoal e profissional, tanto dos formandos como dos formadores, facilitando o diálogo sem barreiras e a melhoria contínua dos cuidados em saúde; e como objetivo específico, o treino das competências técnicas, e sobretudo não técnicas, necessárias à abordagem das diferentes situações clínicas com que os Internistas se deparam na sua atividade assistencial diária, em ambiente de urgência e de enfermaria.

No fim de cada caso clínico, existe um debriefing final, sincero, não intimidativo e construtivo, que leva o formando a ex-plorar os aspetos a melhorar, encontrar as soluções para os mesmos, e concluir de que forma o que aprendeu irá mudar o futuro da sua prática clínica.

O 1.º Curso de Simulação Clínica em Medicina Interna, aconteceu a 7 de novembro de 2013, e até ao fim desse ano foram realizados 3 cursos. Os cursos têm a seguinte estrutura: Apresentação geral, Formadores - Formandos e Introdução teórica (30 min). Em seguida iniciam-se os casos clínicos simulados, cada um com uma duração de 60 min distribuídos da seguinte forma: nos primeiros 5 min é feito um briefing inicial, no qual o formando é colocado em cena, de acordo com cada cenário (contacto com potencialidades dos manequins, responder a questões dos formandos) - o objetivo é tornar a simulação o mais realista e proveitosa possível. De seguida e durante 10 min, desenrola-se o caso clínico, durante o qual são treinadas as competências técnicas e não técnicas em ambiente simulado, com manequins de acordo com o cenário exposto. Os últimos 45 min são dedicados ao debriefing. O debriefing inicia-se com uma abordagem de desinibição/ descontração, na qual o formador cria um ambiente de confiança, colocando os formandos à vontade e motivados para se envolverem de forma honesta na sua própria avaliação - “mecanismo de desinibição” (2 - 3 min). Segue-se a fase de descrição (5 - 7 min), na qual pode ou não ser mostrado o vídeo gravado durante o desenrolar do caso clínico. Nesta fase os formandos reconstroem o cenário pela ordem em que foram entrando no mesmo, o que permite ao formador descobrir “as pérolas” - algo que aconteceu e que deverá ser melhorado. Segue-se a fase de análise (15 a 20 min), na qual são reforçados os aspetos positivos (reforço positivo) e os aspetos a melhorar, primeiro de uma forma geral e depois individualmente. Um formador experiente, nesta fase, já conseguiu que o formando tenha consciência das suas próprias fraquezas - “pérolas detetadas” - usando para isso vários métodos pedagógicos próprios da simulação nomeadamente a “advocacy and inquiry” (usado quando existe um “elefante” na sala e ninguém quer falar sobre ele). O caso termina com a fase de avaliação que dura em média 3 a 5 min durante os quais, os formandos falam abertamente sobre o que têm de alterar para ultrapassar problemas encontrados e concluem o que levam da formação para o seu dia a dia.

O debriefing tem aqui um papel de relevo, ocupando por isso a maior parte do tempo destinada a cada cenário, consiste numa forma de melhoria na efetividade profissional, através da prática reflexiva - processo rigoroso de autorreflexão que ajuda os formandos a reconhecer e resolver dilemas clínicos e comportamentais, postos a descoberto pela simulação e sob a orientação do formador. O debriefing with good judgment, leva os formandos a compreender e explorar os seus comportamentos mais ou menos corretos, sem ter uma atitude demasiado criticista/ negativista ou permissiva, de modo a que reconheçam os aspetos a melhorar, sem se sentirem inferiorizados, em prol da aprendizagem e evolução coletiva. O objetivo é conseguir, através de uma observação objetiva dos autojulgamentos subjetivos das atitudes dos formandos, fazê-los reconhecer e resolver as falhas, sem que se crie tensão ou sentimentos de superioridade /inferioridade entre as duas partes, mantendo uma relação de confiança e uma evolução mútua.9,10

Em cada cenário de simulação estão presentes: um operador que certifica a funcionalidade dos simuladores e apresenta o encadeamento de respostas adequadas, procedendo ainda à gravação das imagens; dois formadores: um que permanece junto do operador, conduzindo o caso clínico, monitorizando as atitudes dos formandos, podendo também intervir na simulação como familiar, e um outro que funciona como facilitador, permanecendo junto dos formandos durante o desenrolar do caso. No fim do curso, os formandos preenchem um inquérito e satisfação anónimo, com vista à melhoria contínua da formação e que serviu de base para a casuística dos cursos de Simulação em Medicina Interna realizados no CSCM durante os últimos 10 anos. Esta casuística foi feita com o objetivo de caraterizar a atividade da equipa de Medicina Interna nos Cursos de Simulação, avaliar a pertinência e importância destes cursos na atividade assistencial do Internista e no treino das equipas de urgência, que na Região Autónoma da Madeira (RAM) é feita quase exclusivamente por Internistas.

Quanto aos métodos utilizados, foram recolhidos os dados da inscrição dos formandos no curso (grau de diferenciação) e dados resultantes do inquérito de satisfação anónimo. O inquérito apresenta catorze itens de classificação numérica: (1 - In-suficiente; 2 - Suficiente; 3 - Bom; 4 - Muito Bom) que incidem sobre o conteúdo programático, meios técnico-pedagógicos utilizados, os formadores, a duração da atividade, o contributo que esta teve para o desenvolvimento pessoal/ profissional dos formandos e tem uma pergunta de resposta livre final onde o formando tem oportunidade de comentar, criticar ou apresentar sugestões úteis.

A análise estatística dos resultados foi feita através do programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 20.0.

Entre 2013 e 2022, foram realizados no CSCM 28 cursos de simulação em Medicina Interna, tendo sido apurados 75 inquéritos de 196 Formandos. Os profissionais envolvidos foram: médicos Internos e Especialistas em Medicina Interna e em Medicina Geral e Familiar, médicos da Formação Geral e enfermeiros. Quanto ao nível de diferenciação dos médicos, 36,2% eram internos da Formação Específica, 34,5% Assistentes Hospitalares e 29,3% Internos da Formação Geral.

93,3% dos formandos avaliaram o curso como Muito Bom, 4% como Bom e apenas 2,67% como Suficiente (Fig. 1). Dos formandos, 79% considerou a duração da ação adequada e apenas 20% considerou-a curta (Fig. 2). Quanto à avaliação do conteúdo programático, 98,7% mostraram-se Muito Satisfeitos com a adequação dos temas, 97,3% com o cumprimento do programa e 97,3% com a aquisição de novos conhecimentos (Fig. 3).

Dos formandos, 92% mostraram-se Muito Satisfeitos com os meios audiovisuais disponíveis no CSCM e 70,7% considerou a documentação de apoio Muito Boa (Fig. 4).

Quanto à avaliação do desempenho dos formadores, 96% considerou-os Muito Bons no domínio dos temas e linguagem clara, 97,3% na capacidade de motivar, 80% no tempo dedicado à exposição teórica e 81,3% no tempo de-dicado à prática (Fig. 5).

Relativamente à importância do curso para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, a maioria dos formandos, 97,3%, considerou-o Muito Bom.

Figura 1: Avaliação da satisfação global relativamente ao curso (n = 75). 

Figura 2: Avaliação da duração do curso (n = 75). 

Figura 3: Avaliação do conteúdo programático do curso (n = 75). 

Figura 4: Avaliação dos meios técnico-pedagógicos do curso (n = 75). 

Figura 5: Avaliação do desempenho dos formadores do curso (n = 75). 

O elevado número de cursos realizados e de médicos envolvidos revelam a motivação e capacidade de trabalho dos formadores e, acima de tudo, o interesse suscitado entre os médicos do Serviço de Medicina Interna.

Os resultados evidenciam a importância que a simulação tem no treino de competências técnicas, não técnicas e na aquisição de novos conhecimentos sendo um dos requisitos de extrema importância para o trabalho em equipa.

Conclusão

A simulação clínica surge cada vez mais como resposta à necessidade de inovação em saúde, sendo atualmente o gold standard internacional na formação de estudantes, profissionais e equipas de saúde. É, de forma crescente, uma das melhores apostas na formação e treino de equipas de saúde.

A Medicina Interna na RAM tem dinamizado a aprendizagem com recurso à simulação no CSCM, com a realização de vários cursos, destacando-se os Cursos de Simulação Clínica em Medicina Interna, que priorizam a aquisição de competências não técnicas através do envolvimento dos formadores e formandos de uma forma honesta e construtiva em cenários realistas e debriefings reflexivos.

O feedback dos cursos de simulação em Medicina Interna, num total de 28, com formação de 196 profissionais, mostrou uma satisfação global máxima entre os 90% e os 95%, tanto em termos de organização do curso, como em termos de contributo para o desenvolvimento pessoal e profissional dos formandos, que se tem traduzido numa melhoria dos serviços de saúde prestados nas equipas de urgência do SESARAM e no outcome dos doentes.

REFERÊNCIAS

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Suporte Financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsidio o bolsa ou bolsa.

4Proveniência e Revisão por Pares: Comissionado; Sem revisão externa por pares.

6Financial Support: This work has not received any contribution grant or scholarship.

7Provenance and Peer Review: Commissioned; without external peer review

8© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e Revista SPMI 2022. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial. © Author(s) (or their employer(s)) and SPMI Journal 2022. Re-use permit-ted under CC BY-NC. No commercial re-use

Recebido: 24 de Outubro de 2022; Aceito: 27 de Outubro de 2022

Correspondence / Correspondência: Maria da Luz Brazão - mlbrazao@hotmail.com Serviço de Medicina Interna, Hospital dos Marmeleiros, Estrada dos Marmeleiros, 9050-209, Monte, Madeira

Declaração de Contribuição MLB - Elaboração do manuscrito SN - Colheita de bibliografia e redação do artigo FB, SA - Colheita de dados para estatística Todos os autores aprovaram a versão final a ser submetida. Contributorship Statement MLB - Preparation of the manuscript SN - Bibliography collection and article writing FB, SA - Data collection for statistics All authors approved the final draft.

Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de in-teresse.

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

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